sábado, 16 de maio de 2009

Rumo ao Front - Prelúdio e Drama (conto war10)



War10

RUMO AO FRONT – PRELÚDIO E DRAMA


Confinado à minha carteira escolar, recolho meus objetos.
São confusas as lições anotadas no caderno mofado, de
folhas grudadas.

Há um desconforto e um ar tenso na classe. Parece-me ouvir,
ao longo do horizonte, assustadoras trovoadas. Um matraquear
estridente. Os alunos não se concentram nas lições – estão
dispersos, um olhar de medo é compartilhado.

Quem era o demagogo, o ditador, que ousava negar uma
Constituição? E por que as rudes botas gaúchas com esporas?
Quem era esse ao qual papai chamava de ‘fascista’?

Não sei por que estou recolhendo os materiais – terá a aula
findado? Não sei. A professora insiste – escreve uma lição no
quadro-negro – e me obriga a copiar. Mas há um reflexo difuso
sobre a lousa – ou são as lágrimas nos meus olhos? – e desisto.
Com o caderno e a cartilha debaixo do braço, me levanto.

Os colegas percebem. A professora ali ao lado:

- O que é? Vai embora?

- Vou embora mesmo. – um tom agressivo na voz.

- O que aconteceu?

- Vou para casa, vou para a guerra. Meu irmão está lá.

- O seu irmão? – pergunta um colega.

- Aquele que não estuda nem trabalha. Se ele tiver morrido...

Mas deixo a sala, correndo. Não gosto de chorar diante
dos outros.

Nas ruas ouço os estrondos. Varrem as colinas. Clarões
arrepiam o horizonte. Chocantes, estas auroras boreais. Eu
sei o que é. É a guerra.


Rastejando numa casa em escombros – vidros partidos,
paredes em ruínas. Escondendo-me do quê?

Preciso alcançar as linhas revolucionárias. Projéteis tracejam
ao meu redor, explodem nas ruas. Vejo os corpos abandonados,
charcos de sangue. Mãos enrijecidas pediam clemência.
Maldição sobre os governistas!


Estou na frente de batalha, ou bem próximo. Onde está o
meu irmão? Os regimentos de Taubaté estão dispersos. Nós,
os paulistas, desesperados?

E aquelas máquinas voadoras riscando os céus? Preciso
encontrar o Pedro! Mas sei que se sair daqui, se me mostrar,
serei atingido, baleado! Estarei próximo ao inimigo ou indo ao
encontro das trincheiras, onde enlameado está o meu irmão?
Não foi o italiano Giuseppe que apontou Taubaté? A tropa
avançada rumo às montanhas, ele disse. Ou proseava?

A janela se parte, acima da minha cabeça. Agito o chapéu,
cheio de estilhaços. Correndo, avanço para os fundos do casarão.
Entro numa senzala – ou o que sobrou dela. A frente da casa
grande parece desmoronar – tal o estrondo. A artilharia se
aproxima. Amigos ou inimigos? É preciso sair daqui! O cafezal!

Bebo água num balde enferrujado, sobre o poço. O rosto
lavado na água fria. Em breve, outros soldados, aqui matarão
a sede. Não posso espera-los. Não sei quem são.

O cafezal se estende por hectares, mas, ao fundo da sede
da fazenda, vejo um barranco. Puxo a sacola, com as coisas
que trouxera para o meu irmão, e começo a escalada. Lá de
cima poderei observar melhor o movimentar das tropas.

Uma vez lá em cima, vejo do outro lado, lá embaixo. Uma
estrada. Um casal de camponeses acaba de abandonar um
casebre. O homem arrasta um baú. A mulher uma trouxa,
uma grande mala. Nem um burrinho, eles têm!

Procuro não assusta-los com gestos bruscos. Vou descendo
para o outro lado, com calma. Eles agora podem me ver, mas
seguem o caminho, sem se hostilizarem. Não estou de farda.

A tal distância, também, quem saberá distinguir paulista,
fluminense ou mineiro? Diferente, o sangue dos mártires
constitucionalistas? Seguem, os pobres, sem olhares para trás.

Não sei se fiquei meio erguido, e me tornei bom alvo, mas
é então que sou atingido, um rasgo na perna, vou caindo. E o
que eu guardava na mochila, coisas para o meu irmão, na
mochila agora longe de minhas mãos, tudo se espalha pela
grama.

Faces ocultam o céu azul.

Serão amigos ou inimigos?



Jul/02 e dez/04


Leonardo de Magalhaens

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