domingo, 27 de junho de 2010

Citadelle / Cidadela - Saint-Exupèry








trechos de
Citadelle Cidadela
de Antoine de Saint-Exupéry, autor humanista francês

Saudações!
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Continuo a ler e traduzir um livro excepcional de Antoine de Saint-Exupéry, o nobre humanista autor do primeiro livro que li, aos 7 anos de idade, “O Pequeno Príncipe” [Le Petit Prince, 1943 ]. Lendo e relendo Exupéry – como Sartre também fez – é de ficar perplexo como é difícil classificar e rotular 'ideologicamente' o autor. Seria um humanista. Nem esquerda nem direita – até porque detestava tanto comunistas como nazistas. Não era exatamente um democrata, era antes um observador de seres humanos – onde haviam uns grandiosos e outros mesquinhos. Quase se aproxima de Nietzsche, com certo 'aristocracismo'. Ambos apreciavam mitos, lendas e parábolas – e liam a Bíblia. Sem a Bíblia não teriam escrito nem “Cidadela” [Citadelle, 1948, póstumo] nem “Assim disse Zarathustra” [Also sprach Zarathustra, 1885].
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Sartre dizia que Exupéry se esmerava por ser mais humanista que o Humanismo (algo como um General Franco que queria ser mais realista que o Rei...) e que seu 'aristocracismo' lembrava algo dos impérios orientais. Tanto é assim que “Cidadela” tem por 'narrador' um filho de Rei, um imperador de importante Império, a receber lições sobre os homens, para melhor governá-los, quando da morte do soberano. O tom é solene e o cenário é aquele das areias do norte da África, entre caravanas e oásis, entre dançarinas e nômades.
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São mais de 500 páginas, assim traduzo apenas o que me deixa admirado.
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Fonte: http://wikilivres.info/wiki/Citadelle



Pois eu tenho visto muitas vezes a piedade se perder. Mas nós que governamos os homens, temos que aprender a sondar seus corações afim de não ministrarmos nossa solicitude senão a objeto digno de estima. Mas essa piedade, eu a recuso às feridas que se exibem que comovem o coração das mulheres, como recuso aos agonizantes, e aos mortos. E eu sei porquê.

Car j’ai vu trop souvent la pitié s’égarer. Mais nous qui gouvernons les hommes, nous avons appris à sonder leurs cœurs afin de n’accorder notre sollicitude qu’à l’objet digne d’égards. Mais cette pitié, je la refuse aux blessures ostentatoires qui tourmentent le cœur des femmes, comme aux moribonds, et comme aux morts. Et je sais pourquoi. (I)


Morada dos homens, quem te fundaria sobre o raciocínio? Quem seria capaz, segundo a lógica, de te edificar? Existes e não existes. És e não és. És feita de materiais díspares, mas é preciso te inventar para te descobrir. De mesmo modo que aquele que destruiu sua casa com a pretensão de conhecê-la, não consegue mais que um monte de pedras, tijolos e telhas, não encontra nem sombra nem silêncio nem intimidade para o que elas serviam, e nem sabe qual serviço esperar desse monte de tijolos, pedras e telhas, pois falta-lhe invenção que os domine, a alma e o coração do arquiteto. Pois falta à pedra a alma e o coração do homem.

Demeure des hommes, qui te fonderait sur le raisonnement ? Qui serait capable, selon la logique, de te bâtir ? Tu existes et n’existes pas. Tu es et tu n’es pas. Tu es faite de matériaux disparates, mais il faut t’inventer pour te découvrir. De même que celui-là, qui a détruit sa maison avec la prétention de la connaître, ne possède plus qu’un tas de pierres, de briques et de tuiles, ne retrouve ni l’ombre ni le silence ni l’intimité qu’elles servaient, et ne sait quel service attendre de ce tas de briques, de pierres et de tuiles, car il leur manque l’invention qui les domine, l’âme et le cœur de l’architecte. Car il manque à la pierre l’âme et le cœur de l’homme. (IV)

Assim sobre a virtude. Meus generais, em sólida estupidez, vieram falar comigo sobre a virtude:
'Eis aí, disseram-me, que os costumes se corrompem. E é porque o império se decompõe. É preciso endurecer as leis e inventar sanções mais cruéis. E cortar as cabeças daqueles que fracassarem.'

Eu, comigo, pensava:
'Talvez seja preciso cortar cabeças. Mas a virtude é, de início, consequência. A corrupção dos homens é antes de tudo a corrupção do império que determina os homens. Pois se estivesse ele vivo e são ele exaltaria a nobreza dos homens.'

Ainsi de la vertu. Mes généraux, dans leur solide stupidité, me venaient parler de la vertu :
« Voilà, me disaient-ils, que leurs mœurs se corrompent. Et c’est pourquoi l’empire se décompose. Il importe de durcir les lois et d’inventer des sanctions plus cruelles. Et de trancher les tètes de ceux-là qui auront failli. »

Moi, je songeais :
« Il importe peut-être en effet de trancher des têtes. Mais la vertu est d’abord conséquence. La pourriture de mes hommes est avant tout pourriture de l’empire qui fonde les hommes. Car s’il était vivant et sain il exalterait leur noblesse
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(XVI)


Aquele que vem até mim com sua linguagem para apreender e exprimir o homem na lógica de sua exposição, parece-me semelhante à criança que se instala ao pé do Atlas com seu balde e uma pá, e formula o projeto de pegar a montanha e a transportar para outro lugar. O homem é o que é, não o que se exprime. Certamente que o objetivo de toda consciência é se exprimir o que é, mas a expressão é obra difícil, lenta e tortuosa, - e o erro está em crer que não é isso que não pode primeiramente enunciar. Pois enunciar e conceber têm o mesmo sentido. Mas é frágil a parte do homem que eu até hoje aprendi a conceber. Mas, isso que eu concebi um dia não existia menos na véspera, e eu me engano se eu imagino que isso que eu não pude exprimir do homem não é digno de ser considerado. Pois assim eu não exprimo a montanha, mas a significo [dou significado a ela]. Mas eu confundo significar e apreender. Eu significo a quem já conheça, mas aquele que a ignora, como saberei lhe transmitir esta montanha com suas ravinas de pedras rolantes e seus flancos de odores e seu topo escarpado rumo as estrelas? E eu sei quando esta não é uma fortaleza arrasada ou um barco sem direção do qual se solta a corda do anel de ferro para deslocar para onde quiser – mas existência maravilhosa com as leis de sua gravitação interna e seus silêncios mais majestosos que o silêncio da maquinaria das estrelas.

Celui-là qui me vient avec son langage pour saisir et exprimer l’homme dans la logique de son exposé me paraît semblable à l’enfant qui s’installe au pied de l’Atlas avec son seau et sa pelle et forme le projet de saisir la montagne et de la transporter ailleurs. L’homme c’est ce qui est, non point ce qui s’exprime. Certes, le but de toute conscience est d’exprimer ce qui est, mais l’expression est œuvre difficile, lente et tortueuse, — et l’erreur est de croire que n’est pas ce qui ne peut d’abord s’énoncer. Car énoncer et concevoir ont même sens. Mais est faible la part de l’homme que j’ai jusqu’à aujourd’hui appris à concevoir. Or, ce que j’ai conçu un jour n’en existait pas moins la veille, et je me leurre si j’imagine que ce que je ne puis exprimer de l’homme n’est point digne d’être considéré. Car non plus, je n’exprime point la montagne mais je la signifie. Mais je confonds signifier et saisir. Je signifie à qui connaît déjà, mais si celui-là ignorait, comment saurais-je lui transmettre cette montagne avec ses crevasses aux pierres roulantes et ses pans de lavande et son faîte crénelé dans les étoiles ? Et je sais quand celle-là n’est point forteresse démantelée ou barque sans direction dont on détache la corde à son gré de l’anneau de fer pour la conduire là où il plaît — mais existence merveilleuse avec les lois de sa gravitation interne et ses silences plus majestueux que le silence de la machinerie des étoiles.
(XXX)
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Leonardo de Magalhaens / Saint-Exupèry
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