sábado, 12 de junho de 2010

ULYSSES Ulisses James Joyce Nausicaa





JAMES JOYCE

ULYSSES
ULISSES
Episódio 13 – Nausicaa
(trecho)
(trad. LdeM)

O entardecer de verão tinha começado a cobrir o mundo no seu misterioso abraço. Longe no ocidente o sol poente e o brilho derradeiro do dia tão fugaz graciosamente sobre o mar e praia, sobre o orgulhoso promontório do velho e bom Howth(1) guardando como sempre as águas da baía, sobre as rochas cobertas de mato ao longo da praia de Sandymount e, por fim mas não menos importante, sobre a calma igreja de onde ondeava às vezes sobre a serenidade a voz de reza àquela que é em sua pura sublimidade esplendorosa um farol sempre ao atormentado coração do homem, Maria, a estrela do mar.

As três mocinhas amigas sentavam-se nas rochas, aproveitando a cena crepuscular e no ar um tanto frio mas não de dar arrepios. Muitas vezes, com frequência, elas costumavam vir ao favorito recanto a ter um bate-papo aconchegante junto às faiscantes ondas e discutir assuntos femininos, Cissy Caffrey e Edy Boardmann com o bebê no carrinho, e Tommy e Jacky Caffrey, os dois pequenos garotos de cabelos encaracolados, trajando terninho de marinheiro e quepes combinando e o nome H. M. S. Belleisle (2) escrito em ambos. Pois Tommy e Jacky Caffrey eram gêmeos, quase quatro anos de idade e bem barulhentos e gêmeos mimados às vezes, mas, apesar de tudo, queridos camaradinhas com alegres faces brilhantes e com modos afetuosos. Eles estavam correndo na areia com suas pás e baldes, construindo castelos do jeito que as crianças fazem, ou brincando com a grande bola colorida, felizes tanto quanto o dia durava. E Edy Boarman estava balançando o bebê gorducho prá-lá e prá-cá no carrinho enquanto o jovem gentleman rindo sinceramente com satisfação. Ele não tinha mais que onze meses e nove dias e, apesar de ainda uma pequenina criancinha, já começava a balbuciar suas primeiras palavras de bebê. Cissy Caffrey inclina-se sobre ele para apertar sua gorducha pequena bochecha e a mimosa covinha em seu queixo.

[...]
Mas então houve uma leve altercação entre o mestre Tommy e o mestre Jacky. Meninos são meninos e nossos dois gêmeos não são exceção à esta regra de ouro. O pomo da discórdia foi um certo castelo de areia que o mestre Jacky tinha construído e o mestre Tommy teria cismado que certo é o errado que seria arquiteturalmente melhorado ao ter uma porta frontal igual a da torre Martello(3). Mas se o mestre Tommy era cabeçudo o mestre Jacky era igualmente teimoso e, fiel à máxima que 'cada pequena casa do irlandês é seu castelo'(4), ele caiu sobre o seu odioso rival e à tal propósito que o suposto atacante veio a sofrer e (triste dizer!) o cobiçado castelo também. Desnecessário dizer que o choro do frustrado mestre Tommy atraíram a atenção das mocinhas amigas.

[...]
Ela [Cissy] estendeu o braço ao pequeno marinheiro [Tommy] e mimou-o simpática:
- Qual é o seu nome? Creme ou manteiga?
- Diga quem é sua queridinha? Disse Edy Boardman. Sua queridinha é a Cissy?
- Naum, Tommy disse choroso.
- Sua queridinha é a Edy Boardman? Cissy perguntou.
- Naum, disse Tommy.
- Eu sei, Edy Boardman disse, não tão amavelmente com um olhar arqueado de seus olhos míopes. Eu sei quem é a queridinha do Tommy, é a Gerty que é a queridinha do Tommy.
- Naum, Tommy disse, à beira das lágrimas.
O instinto maternal de Cissy logo percebeu o que estava errado e ela sussurrou para Edy Boardman levá-lo lá atrás do carrinho onde o cavalheiro não o poderia ver e ter cuidado para que ele não molhasse seus novos sapatos de couro.

Mas quem era Gerty?

Gerty MacDowell que estava sentada próxima às companheiras, perdida em pensamentos, olhando fixamente ao longe, era na verdade um belo espécime da atraente jovem feminilidade irlandesa como desejaria se ver. Ela era denotada beleza por todos que a conheciam embora, como o povo frequentemente dizia, que ela era mais uma Giltrap que uma MacDowell. Sua figura era delicada e graciosa, inclinada mesmo a fragilidade mas aquelas pílulas de ferro que ela tomava ultimamente tinha feito a ela um mundo de benefício muito mais que as pílulas femininas Widow Welch e era muito melhor que os sangramentos que ela costumava ter e que a deixavam com sensação cansada. A palidez de cera de sua face era quase espiritual na sua pureza de marfim apesar de sua boca de botão de rosa ser uma genuína flecha de Cupido, de perfeição grega. Suas mãos eram de delgado alabastro traçado de veias com os dedos afilados e tão brancas quanto poderia deixá-las um suco de limão ou a rainha das pomadas, embora não ser verdade que ela costumava vestir luvas infantis na cama ou banhar os pés em leite tampouco. Bertha Supple disse que uma vez a Edy Boardmann, uma deliberada mentira, quando ela estava furiosa com Gerty (as mocinhas tinham, claro, suas briguinhas de vez em quando como o resto dos mortais) e ela lhe disse que não dissesse a qualquer um o que ela fizera que isto era ela que lhe disse ou ela nunca falaria com ela novamente. Não. Honra a quem merece. Era um ianto refinamento, uma lânguida altives de rainha em Gerty que era, sem erro, evidenciado nas suas mãos delicadas e arqueado formato do pé. Tivesse a boa sina desejado que ela nascesse uma dama de alta nobreza em seu próprio direito e tivesse ela apenas recebido o benefício de uma boa educação Gerty MacDowell deveria facilmente manter-se consigo tal uma lady na terra e teria ela mesma requintadamente trajada com jóias em sua testa e pretendentes patrícios aos seus pés rivalizando uns com os outros para prestar-lhe homenagem. Talvez fosse isto, o amor que podia ter sido, que emprestava a ela a face delicada à momentos um olhar, tenso com significado recalcado, que concedia uma estranha tendência ansiosa aos belos olhos um charme ao qual poucos poderiam resistir. Por que as mulheres têm semelhantes olhos de feitiço? Os de Gerty era do azul mais azul irlandês, realçados por cílios lustrosos e escuras sobrancelhas expressivas. Tempo houve em que estas sobrancelhas não foram tão sedososedutoras. Foi a Madame Vera Verity, diretora da página Beleza da Mulher [Woman Beautiful] da Princess Novelette(5), que tinha primeiro aconselhado a ela tentar a tinta de sobrancelha que dava aquela faiscante expressão aos seus olhos, assim tornando-se em expoente da moda, e ela nunca se arrependeu. Então houve rubor cientificamente curado e como ser mais alta aumenta sua altura e você tem uma bela face mas e seu nariz? Tal serviria melhor a Sra. Dignam, pois ela tinha um igual botão. Mas a glória coroada de Gerty era a fartura de um maravilhoso cabelo. Era castanho-escuro com uma ondulação natural. Ela tinha cortado-o naquela manhã de acordo com a lua nova e aninhava-o em sua linda cabeça numa profusão de luxuriantes cachos e aparava as unhas também, quinta-feira (6) para ter riqueza. E justo agora às palavras de Edy como um rubor denunciante, delicado tal o mais sutil desabrochar de rosa, a notar-se em sua face, ela olhava tão amável em sua doce timidez feminina que certamente na abençoada terra da Irlanda não se encontrará igual.

[...]

Trad. Livre by Leonardo de Magalhaens / jun/2010

Notas:

(1) Howth – aldeia de pescadores, ao norte da baía de Dublin.
(2) HMS Belleisle, nome dado a três navios bélicos da Marinha Britânica, Royal Navy, em diferentes épocas.
(3) Torre (Tower) Martello – tipo de torre cilíndrica, reforçada, para fins militares defensivos. No episódio 1, sabemos que Stephen Dedalus vive em uma torre deste tipo, numa das praias de Dublin.
(4) No original ”every little Irishman's house is his castle”, máxima também encontrada na Inglaterra, onde temos a variante “Englishman's house”. A súmula do 'direito de propriedade'.
(5) Princess Novelette – nome de revista feminina popular da época.
(6) quinta-feira – o dia narrado no romance é 16 de junho de 1904, Thursday.
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Texto original em Ulysses – Project Gutenberg
http://www.gutenberg.org/catalog/world/readfile?fk_files=853163&pageno=314
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Imagens que lembram a época do romance em
http://www.joyceimages.com/chapter/13/?page=1
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Filme baseado em Ulysses (trailler)
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