domingo, 30 de agosto de 2009

sobre 'as pedras não morrem' - novela de Miriam Mambrini



sobre a novela “as pedras não morrem
(Bom Texto, 2004)
de Miriam Mambrini

A Permanência na Memória


Considerando-se os limites da definição 'novela' como um
romance contido, reduzido, menos extenso que as epopéias
clássicas e os calhamaços do Romantismo, quando o gênero
'novel' pode ser (para os anglo-saxões) o que é 'roman' (para
os demais, de franceses a russos), é de se esperar que quando
o autor diz 'novela' quer modestamente se eximir do 'fardo'
de escrever um 'romance'.

Talvez culpa das novelas televisivas, primeiramente globais,
e depois da concorrência, o leitor imagine que novela é um
emaranhado de personagens e situações, que uma dentro da
outra, uma ao lado da outra, até de forma confusa, faz protelar
o final do enredo, para garantir a audiência e os patrocinadores
do horário nobre. Mas 'novela', em termos literários, é um
'quase romance', um experimento de narração entre o conto
extenso e o romance propriamente dito. Não só em extensão
mas também em complexidade.

O que de forma alguma desmerece a 'novela', pois o fato de
ser conciso marca mais profundamente o leitor do que as
grandes narrativas (quem se lembra de todos os personagens
de “Guerra e Paz”? Ou de todos os lugares e situações de
Moby Dick”?) A novela facilita um entendimento e identificação
sem ser superficial, o que agrada principalmente ao público
jovem (daí a 'literatura infanto-juvenil' ser basicamente
constituída de 'novelas') Um primeiro contato com a Literatura
deve se dar por intermediação do texto mais linear, sem obrigar
o jovem a ler de imediato um “Os Maias”, ou um “Grande Sertão:
Veredas
”.

Todo este prólogo é para apresentar uma leitura da novela “as
pedras não morrem
” da autora Miriam Mambrini, que escreve
com leveza e objetividade, quase para um público jovem, mas
para além destas limitações e rotulações. Visando basicamente
'contar uma história', como muitos, hoje em dia, evitam. Se
perdem em metalinguagens, hesitações e elucubrações, mas
enredo, estória, que é bom, nada! Fiel a uma escrita narrativa
básica, mas lúdica, sedutora, curiosa, a Autora busca conquistar
por uma técnica de 'enredos dentro de enredos'.

O que seria este 'enredo dentro de enredo'? Basicamente, o
fenômeno já descrito pelo italiano Umberto Eco, com múltiplas
exemplificações, quando uma voz narrativa narra sobre si-mesma
e sobre outros, e por sua vez apresenta outra voz narrativa e
assim por diante, igualzinho aquelas 'matrioskas (mãezinhas)
russas', uma boneca sempre contendo uma menor, e outra menor...
Os níveis narrativos se encaixam, distanciados em tempo e espaço,
mas unidos por uma analogia, metáfora, identificação. É quando
uma personagem se identifica com outra, passa a observar a
vivência de outra – e o leitor ao mesmo tempo observa as
vivências de ambas.

Outras obras que usam o recurso da 'obra dentro da obra', em
paralelismo e encaixamento, onde alguém encontra (ou escreve)
um manuscrito/obra que narra uma estória, e este alguém narra
a própria vida enquanto lê a outra obra, e, por sua vez, tudo é
abarcado pela visão do Leitor, são, por exemplo, “A ilustre Casa
de Ramires
”, de Eça de Queiros; “História do Cerco de Lisboa”,
de José Saramago; “O Pêndulo de Foucault”, Umberto Eco; e
também “O dia do Curinga”, J. Gaarder), obras plurinarrativas,
metalinguísticas que recompensam o Leitor dedicado.

Em “as pedras não morrem” temos três níveis narrativos – três
enredos acontecendo – em encaixamento. Temos o jovem Gabriel,
estudante provinciano enfrentando a cidade grande, que, quando
decide comprar um computador, é incentivado a escolher um
modelo já ultrapassado (ainda mais com essa tecnologia
apressadinha, onde mal se acostuma com um modelo de
equipamento já temos outro no mercado...), o velho modelo XT, e
depois de ligar a máquina, descobre um arquivo com o sedutor
nome de “Máscara”.

Já o arquivo “Máscara” parece ser uma espécie de diário de uma
jovem, a Irene, que narra sua vida, principalmente após encontrar,
no quarto de despejo, um baú, com objetos a despertarem todo
um passado, a imagem da avó paterna, falecida em acidente, em
jovem idade. A avó também chamada Irene (“Essa Irene deve ser
minha avó de quem herdei o nome
.”) E sabemos que a jovem Irene
sofre também com a perda recente do pai – ou seja, a morte torna-se
uma espécie de 'personagem' dessa narrativa de ausentes tão
presentes!

Ao tentar 'resgatar' a avó Irene do esquecimento (que é uma
segunda morte) a jovem Irene reconstrói, nas escrita, a vida curta
da falecida, que apagou-se jovem após um acidente até banal em
Dresden, cidade alemã, em 1931. Uma viagem turística que torna-se
tragédia: a gratuidade da fatalidade. A morte do pai, a morte da
mãe do pai: a tão presente ausência dos entes falecidos. Mas Irene
sabe que os mortos somente se mantêm vivos em nossa memória.
(“eles não vivem senão em nós”, escreveu Carlos Drummond de
Andrade, em “Convívio”)


É esta permanência da Memória que interliga as personagens, nos
três níveis espaço-temporais. É um Gabriel que se identifica com
Irene, a jovem, que se identifica com a Irene, a avó, que morreu
jovem. Uma avó que nem chegou a ser a imagem tradicional da
avó: a boa velhinha que nos recebe de braços abertos. Essa perda –
de alguém que nem conhecemos – causa uma angústia imensa na
jovem Irene, que passa a conversar com este 'fantasma' do passado,
corporificado numa máscara mortuária feita de gesso. Irene, de
repente, percebe-se presa a este passado – precisa desesperadamente
reconstruir a vida breve da avó. Indiferente ao conselho materno de
não se prenda ao passado”)

Em nível metalinguístico, temos as várias referências ao ato de
escrever diário, ao lado de citações de Fernando Pessoa (ou mais
precisamente, Ricardo Reis, e seus poemas mórbidos meditativos),
o conhecido 'poeta-fingidor', que usa máscaras (ou heterónimos)
para expressar seus múltiplos Eus (“multipliquei-me para me sentir”
e “pensar em escrever-te é fragmentar-me”), onde a Poesia se
confunde com a Dramaturgia, as várias almas do Poeta soltas e
berrando e filosofando pelo palco da existência! Estas des-persona-
lizações atinge a jovem Irene: ela passa a se identificar tanto com
a avó Irene, que tenta escrever em 1a pessoa, na perspectiva da
falecida. Assim ousa 're-criar' a morta, ressucitando-a (de forma
a libertá-la!) na Escrita.

Esta 're-criação' é o que muito confunde ( e deixa ainda mais
curioso!) o jovem Gabriel, que descobre-se seduzido pela narradora,
ainda que ele comece a pensar que o 'diário' é, na verdade, um
'romance' – o que estamos lendo! - uma mera ficção, “Ela
inventara a história da moça que encontra por acaso a máscara
mortuária da avó
”. Mas Gabriel, ainda que duvidando, não deleta
o arquivo, ao contrário, pensa ainda mais na narradora, “Com raiva
de si mesmo, percebeu que, ficção ou realidade, Irene ainda ocupava
todo o seu pensamento
”) Até que, no final, Gabriel decide conhecer
a Irene 'real', a se confrontar com a realidade e se afastar da Irene
fictícia, 'virtual'.

Diante do 'real' – Gabriel encontra a mãe de Irene - ele descobre
que Irene existe mesmo!, e se casou também (!) com um geólogo,
e viajou também (!) para Dresden – isto é, ela ainda tenta repetir a
vida da avó, de forma a 'redimir' a morte precoce. Morte esta que é
rememorada em versos de poemas de Ricardo Reis, “Tão cedo passa
tudo quanto passa! ... Circunda-te de rosas, ama, bebe E cala. O
mais é nada.” A morte precoce da avó – que morreu jovem, nunca
conheceu a velhice. “Breve o dia, breve o ano, breve tudo.” e “Nada
fica de nada. Nada somos
.” Exceto a memória para os outros. Vide
o caso de Homero, o grego. Mesmo não-existente, existe para
os Leitores.


O confronto entre o vivido e o lembrado, a juventude e a finitude,
é simbolizado pela rosa que logo definha, “Coroai-me de rosas”,
diz o Poeta, a pregar em seguida o Carpe Diem, aproveitar o dia de
hoje, “Mas tal como é, gozemos o momento, Solenes na alegria
levemente, E aguardando a morte Como quem a conhece
.”, pois a
Poesia (e a Filosofia) nada mais é do que o preparar-se para a
Finitude. (De repente, nada há além disso. Só os 'deuses' hão de
saber!)

A obra 'as pedras não morrem' de Miriam Mambrini brilha pela
ausência de pretensão, pela escrita elegante e simples, seduzindo
o Leitor com um enredo ora lírico ora labiríntico, destinado a uma
ampla gama de leitores, de idades várias, classes sociais e épocas,
pois está além de rótulos e delimitações de 'estilo', desejando pura
e simplesmente contar uma história que desperte emoção a educar
nossos pensamentos alienados e anestesiados pela mesmice.



Ago/09



por leonardo de magalhaens

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Os Poetas mentem demais (Nietzsche)






Friedrich Nietzsche, filólogo, pensador e Poeta alemão
(15 de outubro de 1844 - 25 de agosto de 1900)



NIETZSCHE

ASSIM DISSE ZARATHUSTRA

DOS POETAS
(trecho)


(...)

Mas aceitemos que já tenha sido dito, seriamente, que os
poetas mentem demais: e com razão – NÓS mentimos demais.

Também pouco sabemos e mal aprendemos; assim,
precisamos mentir.

E quem dentre nós, poetas, não tem alterado o seu vinho ?
Muito veneno se misturou em nossas adegas, muito de
censurável se fez.

E por sabermos tão pouco, gostamos, de todo o coração,
dos pobres de espírito, especialmente se são mulheres jovens.

E assim somos ávidos até das coisas que as velhas, à noite,
contam uma às outras. Chamamos a isso, em nós, o eterno
feminino.

E, como se houvesse um acesso especial e secreto ao saber,
Inacessível aos que aprendem algo: acreditamos no povo e
na sua ‘sabedoria’.

Mas nisso acreditam os poetas: que aquele que, deitado
na grama ou em solitária colina, aplica o ouvido, aprende um
pouco das coisas que há entre o céu e a terra.

E, quando se tomam de ternura, os poetas sempre julgam
que a natureza se apaixonou por eles –

E que se insinua em seus ouvidos; com segredos e amados
elogios dos quais, orgulham-se e vangloriam-se diante de todos
os mortais!

Ai de nós, há tantas coisas entre o céu e a terra com que
somente sonharam os poetas !

E principalmente acima do Céu: pois todos os Deuses são
metáforas e artimanhas de Poetas!

Em verdade, algo nos guia para o alto – precisamente, para
o reino das nuvens: nelas pousamos os nossos trajes em cores
e, então, chamamos-lhes deuses e acima-dos-homens.

E deveras, todos são leves para tal sede – esses deuses e
acima-dos-homens !

Coitado de mim, estou cansado de todos esses insuficientes,
em pretenso Acontecimento. Coitado de mim, como estou
cansado dos poetas !

(...)

Assim disse Zarathustra.


Trad. livre: Leonardo de Magalhaens


Friedrich Nietzsche - Also sprach Zarathustra

Von den Dichtern

(...)
Aber gesetzt, dass Jemand allen Ernstes sagte, die Dichter lügen
zuviel: so hat er Recht, — wir lügen zuviel.
Wir wissen auch zu wenig und sind schlechte Lerner: so müssen
wir schon lügen.
Und wer von uns Dichtern hätte nicht seinen Wein verfälscht?
Manch giftiger Mischmasch geschah in unsern Kellern, manches
Unbeschreibliche ward da gethan.
Und weil wir wenig wissen, so gefallen uns von Herzen die geistig
Armen, sonderlich wenn es junge Weibchen sind!
Und selbst nach den Dingen sind wir noch begehrlich, die sich die
alten Weibchen Abends erzählen. Das heissen wir selber an uns
das Ewig-Weibliche.
Und als ob es einen besondren geheimen Zugang zum Wissen
gäbe, der sich Denen verschütte, welche Etwas lernen: so glauben
wir an das Volk und seine „Weisheit.“
Das aber glauben alle Dichter: dass wer im Grase oder an einsamen
Gehängen liegend die Ohren spitze, Etwas von den Dingen erfahre,
die zwischen Himmel und Erde sind.
Und kommen ihnen zärtliche Regungen, so meinen die Dichter immer,
die Natur selber sei in sie verliebt:
Und sie schleiche zu ihrem Ohre, Heimliches hinein zu sagen und
verliebte Schmeichelreden: dessen brüsten und blähen sie sich
vor allen Sterblichen!
Ach, es giebt so viel Dinge zwischen Himmel und Erden, von denen
sich nur die Dichter Etwas haben träumen lassen!
Und zumal über dem Himmel: denn alle Götter sind Dichter-Gleichniss,
Dichter-Erschleichniss!
Wahrlich, immer zieht es uns hinan — nämlich zum Reich der
Wolken: auf diese setzen wir unsre bunten Bälge und heissen sie
dann Götter und Übermenschen: —
Sind sie doch gerade leicht genug für diese Stühle! — alle diese
Götter und Übermenschen.
Ach, wie bin ich all des Unzulänglichen müde, das durchaus Ereigniss
sein soll! Ach, wie bin ich der Dichter müde!
(...)

Also sprach Zarathustra.

domingo, 23 de agosto de 2009

Lawrence FERLINGHETTI - Manifesto Populista No 1




LAWRENCE FERLINGHETTI


POPULIST MANIFESTO No. 1

Manifesto Populista


Poetas! Dêem o fora de seus gabinetes,
abram suas janelas, abram suas portas,
vocês já ficaram muito tempo no fundo
de seus mundos fechados.
Venham, desçam
de suas Colinas Russas e Colinas Telegráficas,
suas Colinas do Farol e suas Colinas da Capela,
seus Montes Analógicos e Montes Parnasos,
desçam de suas colinas e montanhas,
fora de suas tendas e domos.
As árvores são derrubadas
e nós não voltaremos para as florestas.
Não há tempo para ficar sentado
quando o homem queima sua própria casa
para assar seu porco
Nada de cantar Hare Khrishna
enquanto Roma queima.
San Francisco está queimando,
a Moscou de Maiakovski está queimando
os combustíveis-fósseis da vida.
Noite e o Cavalo aproximam-se
devorando luz, calor e poder,
e as nuvens têm calças.
Não há tempo para o artista se esconder
acima, além, debaixo dos cenários,
indiferente, aparando suas unhas,
refinando-se fora da existência.
Não há tempo para os nossos joguinhos literários,
não há tempo para nossas paranóias e hipocondrias,
não há tempo para medo e náusea,
há tempo somente para luz e amor.
Temos sido as melhores mentes de nossa geração
destruídas pelo tédio das leituras poéticas.
Poesia não é uma sociedade secreta,
muito menos um templo.
Palavras secretas e cânticos não interessam.
A hora de profetizar já passou,
o tempo de entusiasmo chegou,
um tempo para entusiasmo e alegria
sobre o vindouro final
da civilização industrial
que é péssima para a Terra e o Homem.
É hora de olhar pra fora
na completa posição de lótus
com olhos bem abertos,
É hora de abrir suas bocas
com um novo discurso aberto,
É hora de comunicar com todos os seres sensíveis,
Todos vocês ‘Poetas das Cidades’
pendurados em museus incluindo a mim mesmo,
Todos vocês poetas de poetas escrevendo poesia
sobre poesia,
Todos vocês poetas de oficinas de poesia
no coração farrista da América
Todos vocês arrombados Ezra Pounds
Todos vocês remotos estanhos excluídos poetas,
Todos vocês estressados poetas do Concreto,
Todos vocês poetas lambedores-de-cu,
Todos vocês poetas de toilete gemendo com grafite,
Todos vocês gigantes de trem classe A que nunca gingam
em vasos de plantas
Todos vocês da serraria nas Sibérias da América,
Todos vocês irrealistas sem-olhos,
Todos vocês auto-ocultados supersurrealistas,
Todos vocês visionários de quarto e agitadores-propagandistas
de gabinete,
Todos vocês poetas Groucho Marxistas
e camaradas da classe-desocupada
que descansam o dia todo e discutem sobre o proletariado,
todos vocês católicos anarquistas da poesia,
Todos vocês Black Montanhistas da poesia,
Todos vocês bucólicos Brahims e Bolinas de Boston,
Todos vocês mães-reclusas da poesia,
Todos vocês irmãos-zen da poesia,
Todos vocês amantes suicidas da poesia,
Todos vocês cabeludos professores da poesia,
Todos vocês resenhistas de poesia
bebendo o sangue do poeta,
Todos vocês Polícia da Poesia –
Onde estão as selvagens crianças de Whitman,
onde as grandiosas vozes se expressam
com um sentido de doçura e sublimidade,
onde a grandiosa nova visão,
a grandiosa visão-mundial,
a elevada canção profética
da imensa terra
e tudo o que canta nela
e nossa relações com ela ?
Poetas, desçam
para as ruas do mundo outra vez
E abram suas mentes e olhos
com o antigo deleite visual,
limpem suas goelas e falem,
Poesia está morta, vida longa à poesia
com olhos terríveis e força de búfalo.
Não esperem a Revolução
ou que aconteça sem vocês,
Parem de murmurar e falem alto
com uma nova poesia ampla
com um nova comum-sensual ‘superfície pública’
com outros níveis subjetivos
ou outros níveis subversivos,
um afinado garfo no ouvido íntimo
a golpear sob a superfície.
De seus próprios suaves Eus ainda cantam
Ainda completo ‘a palavra em massa’
‘Poesia o comum condutor
para o transporte do público
aos lugares mais elevados
que outras rodas podem conduzir.
Poesia ainda precipita-se dos céus
em nossas ruas ainda livres.
Eles não ergueram as barricadas, ainda,
as ruas ainda vivem com as faces,
amáveis homens e mulheres ainda caminham,
ainda amáveis criaturas por todos os lugares,
nos olhos de todos o segredo de todos
ainda enterrados lá,
as selvagens crianças de Whitman ainda dormem lá,
despertam e caminham livremente.


POPULIST MANIFESTO No. 1


LAWRENCE FERLINGHETTI


Trad. by Leonardo de Magalhaens

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

BRECHT - Necessidade da Propaganda




BERTOLT BRECHT


Notwendigkeit der Propaganda

Necessidade da Propaganda

1

É possível que em nosso país nem tudo vá bem como deveria ser
Mas ninguém pode duvidar que a Propaganda é boa.
Até quem passa fome deve admitir
Que o Ministério da Alimentação fala bem.

2.

Quando o Regime em um só dia
Mil pessoas tem assassinado, sem
Inquérito nem Julgamento (1)
O Ministro da Propaganda elogia a infinda paciência do Führer
Que com o matadouro tem esperado tanto tempo
E o canalha acumulado com cargos e posição-de-honra
Em um tão magistral discurso que
Nestes dias não apenas os parentes das vítimas
Mas também os próprios açougueiros lamentam.

3.

E quando em outro dia o grande balão-dirigível do Reich
Caiu em chamas porque foi enchido com gás inflamável (2)
Para poupar o não-inflamável para objetivo bélico
Prometeu o Ministro da Aviação diante dos caixões das vítimas
Que ele não deixará desanimar, ao que
Nada além de aplauso elevou-se. Mesmo dos caixões
Deveriam vir aplausos.

4.

E quão magistral é a Propaganda
Pra o lixo e para o livro do Führer!
Todos juntos trazidos, o livro do Führer a recolher
Onde sempre deixado por perto.
Para o coletor-de-trapos a propagar, tem o grande Göring
Tem se declarado o maior coletor-de-trapos de todos os tempos e
Para alojar os trapeiros no meio da capital do Reich
Construiu um palácio
Que é tão grande quanto uma cidade (3)


5.

Um bom Propagandista
Faz de um chiqueiro um parque-de-excursões.
Se não há gordura, ele prova
Que uma cintura delgada embeleza todo homem
Milhares, que têm ouvido ele falar sobre as auto-estradas
Se alegram, como se eles tivessem carros.
Acima das covas dos mortos-de-fome e dos falecidos
Ele cultiva arbustos-de-louros. Mas muito tempo antes que
Ele fale sobre a Paz, já os canhões se moveram.


6.

Apenas através da excelente Propaganda se consegue
Convencer milhões de pessoas em conjunto
Que o desenvolvimento das Forças Armadas significa esforço para a Paz
Cada novo tanque é uma peça para a Paz
E cada novo regimento é uma nova prova
Do desejo de Paz.

7.

Entretanto: bons discursos também possibilitam muito
Assim possibilitam, mas não tudo. Muitos
Têm já dito ouvir: que pena!
Que a palavra ‘carne’ não mata a fome, e que pena!
Que a palavra ‘roupa’ tão pouco consiga aquecer.
Quando o Ministro do Planejamento faz um discurso de louvor
a um novo tecido fino
Não pode nem chover, senão
Os ouvintes ficam lá só de camisas.

8.

E ainda algo deixa um pouco duvidoso
O objetivo da Propaganda: quanto mais em nosso país Propaganda exista
Tanto menos existe algo realmente.

Trad. Livre: Leonardo de Magalhaens


NOTAS:

(1)No dia após o incêndio criminoso do
Reichstag (Parlamento alemão) em 28 de fevereiro
de 1933, do qual os nazistas acusaram os
Comunistas

(2)O dirigível “Hindenburg” incendiou-se em
6 de mio de 1937, próximo Lakehurst, EUA

(3)Hermann Göring, desde 1933 Ministro
Imperial da Avição, construiu o Ministério da
Aviação. Quando encarregado para o Plano
Quadrienal (desde 1936) ele propagou a
reutilização do lixo, etc, com a campanha
Kampf dem Verderb” (luta dos refugos)


o poema original em http://www.mlwerke.de/br/br_003.htm

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

BRECHT - General, teu tanque é poderoso...



BERTOLT BRECHT

GENERAL, TEU TANQUE É UM VEÍCULO PODEROSO
Pode arrasar uma floresta e esmagar centenas de homens,
Mas ele tem um defeito:
Precisa de um condutor.

General, teu bombardeiro é poderoso,
Pode voar mais rápido que tormenta e carrega mais que um elefante,
Mas ele tem um defeito:
Precisa de um mecânico.

General, o homem é muito útil.
Pode voar e pode matar,
Mas tem um defeito:
Ele pode pensar.


Trad. Leonardo de Magalhaens



GENERAL, DEIN TANK IST EIN STARKER WAGEN
Er bricht einen Wald nieder und zermahlt hundert Menschen,
Aber er hat einen Fehler:Er braucht einen Fahrer.
General, dein Bombenflugzeug ist stark,
Es fliegt schneller als ein Sturm und trägt mehr als ein Elefant,
Aber er hat einen Fehler:
Er braucht einen Monteur.
General, der Mensch ist sehr brauchbar,
Er kann fliegen und er kann töten,
Aber er hat einen Fehler:
Er kann denken.


A versão em inglês::::::::

General, Your Tank is a Powerful Vehicle

General, your tank is a powerful vehicle
it smashes down forests& crushes a hundred men.
but it has one defect:
it needs a driver.

General, your bomber is powerful
it flies faster than a storm& carries more than an elephant.
but it has one defect:
it needs a mechanic.

General, man is very useful.
He can fly & he can kill.
but he has one defect:

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

BRECHT - Balada sobre a Precariedade dos Planos humanos





BERTOLT BRECHT


Ballade von der Unzulänglichkeit
des menschlichen Planens

Balada sobre a Precariedade dos Planos humanos


As pessoas vivem da cabeça.
Cabeça que não alcançam.
Tentam viver acima
dos piolhos na cabeça.
Pois para esta vida
não são espertas o bastante.
Nunca percebem quando
há Mentira e Engano.

Sim, fazer um Plano!
Que seja uma grande Luz!
Melhor fazer um segundo plano
pois ambos podem falhar.
Pois para esta vida
não são astutas o bastante.
Pois a elevada Ambição
é uma bela Ilusão.

Sim, correr para a Felicidade
Mas sem correr muito
Pois toda corrida até a Felicidade
A Felicidade corre sempre além.
Pois para esta vida
Não são modestas o bastante.
Toda Ambição é só enfeite
Apenas um Auto-engano.

As pessoas não são boas
Só tem enfeite sobre o chapéu.
Se você golpear o chapéu
Então talvez melhorem.
Pois para esta vida
Não são boas o bastante.
Por isso pode golpeá-las
Sem pressa sobre o chapéu.


Trad. Livre: Leonardo de Magalhaens


Bertold Brecht

BALLADE VON DER UNZULÄNGLICHKEIT
DES MENSCHLICHEN PLANENS
Der Mensch lebt durch den Kopf.
Sein Kopf reicht ihm nicht aus.
Versuch es nur, von deinem Kopf
Lebt höchstens eine Laus.
Denn für dieses Leben
Ist der Mensch nicht schlau genug.
Niemals merkt er eben
Diesen Lug und Trug.
Ja, mach nur einen Plan!
Sei nur ein großes Licht!
Und mach dann noch’nen zweiten Plan
Gehn tun sie beide nicht.
Denn für dieses Leben
Ist der Mensch nicht schlecht genug.
Doch sein höhres Streben
Ist ein schöner Zug.
Ja, renn nur nach dem Glück
Doch renne nicht zu sehr
Denn alle rennen nach dem Glück
Das Glück rennt hinterher.
Denn für dieses Leben
Ist der Mensch nicht anspruchslos genug.
Drum ist all sein Streben
Nur ein Selbstbetrug.
Der Mensch ist gar nicht gut
Drum hau ihn auf den Hut.
Hast du ihm auf dem Hut gehaun
Dann wird er vielleicht gut.
Denn für dieses Leben
Ist der Mensch nicht gut genug
Darum haut ihm eben
Ruhig auf den Hut!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Supermarket in California - Allen Ginsberg



ALLEN GINSBERG


A SUPERMARKET IN CALIFORNIA

Um supermercado na Califórnia

Como estive pensando em você, esta noite, Walt Whitman,
enquanto caminhava pelas ruas sob as árvores,
com dor de cabeça, consciente, olhando a lua cheia.

Em minha fadiga faminta, no shopping das imagens,
entrei no supermercado das frutas de néon, sonhando com
tuas enumerações.!

Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras fazendo
suas compras à noite! Corredores cheios de maridos!
Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! - e
você, García Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?

Eu o vi, Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo solitário,
remexendo nas carnes do refrigerador e observando
os garotos da mercearia.

Ouvi-o fazendo perguntas a cada um: Quem matou as costeletas
de porco? Qual o preço das bananas? Será você meu Anjo?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latas, seguindo-o,
e sendo seguido, em minha fantasia, pelo detetive da loja.
Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso
devaneio solitário, provando alcachofras,
pegando cada um dos petiscos gelados e nunca passando
pelo caixa.

Aonde vamos, Walt Whitman? As portas se fecham em uma
hora. Para quais caminhos aponta a tua barba esta noite?

(Seguro o teu livro e sonho com a nossa odisséia no
supermercado e sinto-me absurdo.)

Vamos caminhar a noite toda por ruas solitárias?
As árvores somam sombras às sombras, luzes se apagam
nas casas, ficaremos sozinhos.

Vamos vaguear sonhando com a América perdida do amor,
passando pelos automóveis azuis nas vias expressas,
de volta à nossa silenciosa cabana?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário
professor de coragem, qual América você vivia quando
Caronte parou de empurrar a balsa e você na margem de fumaça,
parou olhando a barca desaparecer nas águas negras do Letes?


Trad. by Leonardo de Magalhaens



ALLEN GINSBERG


A SUPERMARKET IN CALIFORNIA


What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for
I walked down the sidestreets under the trees with a headache
self-conscious looking at the full moon.

In my hungry fatigue, and shopping for images, I went
into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!

What peaches and what penumbras! Whole families
shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the
avocados, babies in the tomatoes!--and you, Garcia Lorca, what
were you doing down by the watermelons?

I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber,
poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery
boys.

I heard you asking questions of each: Who killed the
pork chops? What price bananas? Are you my Angel?

I wandered in and out of the brilliant stacks of cans
following you, and followed in my imagination by the store
detective.

We strode down the open corridors together in our
solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen
delicacy, and never passing the cashier.

Where are we going, Walt Whitman? The doors close in
an hour. Which way does your beard point tonight?

(I touch your book and dream of our odyssey in the
supermarket and feel absurd.)

Will we walk all night through solitary streets? The
trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be
lonely.

Will we stroll dreaming of the lost America of love
past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?

Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher,
what America did you have when Charon quit poling his ferry and
you got out on a smoking bank and stood watching the boat
disappear on the black waters of Lethe?


Berkeley, 1955

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

penumbra de bar (conto)



Penumbra de bar


savassi, bh, 29 junho


uma penumbra de bar é o lugar ideal para afogar as mágoas.
Qualquer garçom, qualquer boêmio sabe disso. Óbvio ululante.
Uma meia luz onde se perder, onde viajar em delírios, a
colecionar impressões, de fregueses em conversas a meia voz
e sussurros e promessas veladas sob carícias explícitas, entre
brilhos nos olhos e nos dentes, entre olhadelas e sorrisos,
exibindo no escuro os desejos que o dia escondeu. Óbvio ululante.
Nada mais.

o óbvio não seria a minha presença aqui, já que deveria estar
na faculdade ou a traduzir poesia francesa ou um extenso
romance alemão, mas não. Estou aqui entre bêbados (e eu não
bebo) e a ouvir uma cançoneta do Chico, com esta voz poética
arrastada, sem muita ênfase, mas transbordando de imagens,
devaneios outros. O Chico que é patrimônio nacional. Mesmo
para quem não é da 'malandragem', que não é boêmio (ou já foi,
décadas atrás). Na minha qualidade (ou não) de acadêmico, vivo
entre livros e monografias, decorando conjugações verbais e
pronúncias dialetais, enfrentando de atenção em punho ao
ataque da linguística, da prosódia e afins.

mas o que tudo isso tem em relação com...? Nada. Estou em
devaneios. Para ocupar o tempo, para justificar o momento, para
instaurar o absurdo (um cara escrevendo enquanto outros se beijam,
ou arrotam, ou se despedaçam em gargalhadas) enquanto lá fora
a noite cai, os carros passam, os bandidos assaltam, os policiais
prendem, os meninos de rua morrem de frio ou atropelados, as
amantes atendem os celulares, os motéis exibem novos lençóis,
os gigolôs acompanham as damas da noite, os cidadãos relaxam
sob o chuveiro, se preparam para o jantar, assistem os noticiários
televisivos, esperam as novelas, que as mulheres já comentam,
permitem-se um pequeno cochilo, ou ligam para a filha que está
no intervalo da faculdade, ou atendem a chamada do primo
encrenqueiro, ou do patrão fora da hora, ou do vizinho a reclamar
do escândalo do alarme do carro lá no estacionamento, em suma,
outra noite, que eu não vivo, mas registro. Não escrevo por lazer,
não escrevo para publicação, não escrevo para antologias, nem
para concursos, eu escrevo por necessidade fisiológica.

aqui na mesa de bar, cercado de faces, olhares, sorrisos, melodias,
sambas, tinir de pratos, meia-luz de abajur, meia-cor de quadros,
meia-disposição de ânimo, um roncar de estômago (ainda não jantei,
nem tomei 'chá-da-tarde'), um desconforto na ponta do nariz (deve
ser a gripe no segundo round), o desejo louco de estar em outro
lugar, apenas para desejar estar em outro, para desejar estar em
outro, e assim sem descanso, outro lugar qualquer outro, nunca
contente, jamais satisfeito, sempre pesaroso de vazios, constante
olhar-além, patinando em gelo fino, escorregando no piche,
boiando no mar de faces, sem qualquer rumo além das calçadas
vazias, os bares esfumaçados, os delírios acariciados, as perversões
ocultadas, as paixões aninhadas nos versos sem rima, na prosa
derramada da fala nunca lírica, da permanente impossibilidade do
romântico em nossas vidas, de gestos-palavras-sorriso-caretas
em série, de artigos e corpos à venda, de orgasmos à crédito, de
paraísos artificiais, de ascensões decadentes, de jovens
envelhecidos, e de vovôs calçando adidas, enquanto tantos
atendem ao chamado faústico do flautista midiático atraindo
consumidores, num batalhão de donas-de-casa, funcionários,
estudantes, porteiros, policiais, prostitutas, pivetes, mendigos,
motoristas, empreendedores, camelôs, em suma, uma torrente de
seres em busca de mercadorias, nutrientes, moradias, automóveis,
mobílias, ferramentas, livros, agasalhos, eletrodomésticos, calçados,
constantemente miseráveis e insatisfeitos, pois o consumo não
pode parar, a produção não pode parar, a conta não pode cair no
vermelho, o carro não pode ficar sem gás, o juro não pode abaixar,
a cerveja deve espumar...

-o que o senhor deseja?

é o garçom em prontidão. O poeta recém-chegado eleva a voz:

-o que eu desejo? pode trazer... você tem aí uma virgem, assim de
no máximo uns dezessete? e, de preferência, nua...!



Por Leonardo de Magalhaens


29/30jul/09

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Viagem ao Centro do Meu Umbigo



Viagem ao Centro do Meu Umbigo

Ou
Voyage au centre de mon ombilic
Viaje al centro de mio ombligo
Viaggio al centro del mio ombelico
A Journey to the Center of my Navel
Die Reise zum Mittelpunkt des mein Nabels

Foi quando me perguntaram se eu pensava
que o meu umbigo era o centro da terra,
e prontamente respondi que sim,
é o centro da terra, da galáxia e do universo.
O meu umbigo, mon ombril, nada mais
é do que the navel of the world,
agora desbravado e localizado, catalogado
l'ombilic du monde, o próprio, aqui a
poucos centímetros de latitude norte,
acima do fálico o omphalus,
redondo e estufado, o meu, mein Nabel,
o que sobrou do cordon ombilical caído
que ligava-me ao mundo, aos ancestrais,
para que eu me soltasse todo orgulhoso,
crendo-me fielmente no epicentro das órbitas
a razão final da existência do mundo,
o ápice da geração, criação, evolução,
e mio ombligo cavaleiro-andante
a lutar bravamente contra moinhos-gigantes
e mio ombelico, personagem à procura
de um Autor dedicado e atencioso,
e mon ombilic a percorrer mil léguas
acima dos telhados e no fundo dos porões
e mein Nabel arrogante e prussiano
proclamando a aristocracia lírica
e my navel britanicamente ensaboado
e cumpridor de deveres e horários.
O umbilicum mundi que carrego
na estética pele de cosméticos
lascivamente acima das entranhas
anatomicamente exposto à altura abdominal
entre estômago e alça superior intestinal
assim exibido, desnudo, tatuado
por mil piercings perfurado,
verdadeiro nombril du monde,
pululando de imodéstia e orgulho
em aristocrática rebeldia
acusando os falsos democratas,
os demagogos populistas, os plebeus
exaltados em sound and fury,
dizendo nada além da mesmice,
enquanto o meu Omphalus se cala,
altaneiro, Übermensch, hiperbóreo,
um condor a voejar acima da fuligem,
do fog londrino do lugar-comum
a névoa opaca do senso-comum
meu umbilicum mundi pregando ordem,
positivista, Ordnung et Progress,
atacando bruxinhos e duendes,
figuras mitológicas e santarrões públicos,
pastores conduzindo suas ovelhas,
queimando fotos de presidenciáveis,
santinhos de corruptos em reeleição,
pseudo-revolucionários de plantão!
Meu umbilicum mundi solitário
desdenhando as seduções de outdoors,
as mulheres pintadas em liquidação
os homens de academia malhação,
ignorando as promoções do mercado,
as putas glamourosas de aluguel,
as garotas-sorriso da propaganda,
recusando os amores de silicone,
tímido perseguidor de donzelas,
o nobre devoto de Musas,
amando ardentemente uma musa
por meros seis meses breves
e nutrindo uma mágoa louca
pelo resto da pobre existência!
Meu umbilicum mundi literato
esnobando os fiéis leitores
mas sempre esperando atenção
zombando das nossas autoridades
mas sempre exigindo Ordem
cortejando a Esquerda e suas críticas
mas respeitando a Direita e suas crueldades
evitando discutir religião, futebol,
música, opção sexual, estéticas,
política partidária, corrupção endêmica,
decadência familiar, taxa de juros,
as mentiras do jornal nacional!
Meu umbilicum mundi sempre na ativa
em qualquer voz passiva
admirando as babéis de palavras,
os clássicos, os bardos, as rimas,
os arquitetos de poemas,
os fabricantes de mundos,
os fabulistas e mentirosos compulsivos;
invejando poligrotas, estudantes,
diplomatas, funcionários públicos,
professores, oradores, doutores!
Meu umbilicum mundi do contra
ironizando milícias, rebeldes,
os marxistas de carteirinha,
os fascistas saudosistas;
desprezando pastores, clérigos,
condutores de almas, curadores;
afastando aduladores e sorrisos,
iconoclastas depressivos,
irônicos soturnos, pretensiosos,
vampiros pós-modernos,
niilistas em torres de marfim!
Meu umbilicum mundi falastrão,
tecendo fanfarronices em manifestos,
cartas abertas e leituras atentas,
invocando os últimos bárbaros
para a última invasão do Império
quando a TV estiver desligada
quando a programação sair do ar
e os exércitos de desocupados,
subempregados, alienados,
explorados, dominados,
embriagados, drogados,
doutrinados, humilhados,
se unirem na cova comum
do fim sangrento das Utopias
na cova comum do omphalus,
o centro profundo do meu umbigo!


Junho/09


Leonardo de Magalhaens