domingo, 19 de julho de 2009

A foto da primeira namorada (conto)



A Foto da Primeira Namorada

O que se guarda no fundo do baú? Livros, anotações de
aula, cadernos do ensino médio, apostilas para o vestibular,
fotos de namoradas. Fotos de namoradas? Sim, por acaso,
eis aqui! A festa de quinze anos da primeira namorada!
Aquela do primeiro beijo! Tão linda! Pura e radiante num
vestido alvo tal a neve, e laço de fita no cabelo...

O beijo, a fuga, na madrugada fria abraçados, em promessas
de amores eternos! Onde ela vive hoje? Ainda vive? Por
onde os seus passos ressoam? A foto: “Aniversário de 15 anos
de Regina”: faz ressurgir fantasmas. Nem lembranças cultivadas!
Nem saudades acalentadas! Uma foto: e tudo ressurge. Um
sorriso da jovem: um olhar de promessas. A musa de quinze anos!

Quase 15 anos sem trocarem um olhar! Nem palavra! Nem
cartas! Ela ainda vive? Mãe de família ou profissional de carreira?
Feliz ou triste? Descasada ou realizada? Quantos filhos, filhas?
Ela não tem mais de 30 primaveras, ou seriam, invernos? Ela
tão bonita! Mais do que a ex-mulher! Mais do que todas as
outras namoradas! A primeira e a mais bela!

A primeira é pra nunca esquecer! Uma foto faz ressuscitar tudo!
O gosto da boca, o contorcer da língua, os peitinhos duros
furando a blusa, os dedos sem rumos, os dedos em ousadias,
um corpo macio em florescências. Ah, a primeira namorada! E
ela onde está? Casada, ou solteira? Ou sozinha debaixo do
viaduto? Ou sepultada sob uma coroa de flores murchas?

Como suportar a tensão? Diante da tela, uma rápida pesquisa:
o que o Google ® não acha? Digitar o nome dela: o de solteira,
claro. O de casada (se casada) qual seria? Quem será o homem
que a derrete em beijos agora? Quais os braços que a sustentam?
Que olhos a cativam? Um nome na barra de pesquisa. Enter.
Vários nome de Regina: Reginas assim e assado. Qual delas é
ela? Uma fez doutorado. Outra escreveu um livro. Esta foi
violentada. Aquela, morta pelo amante. Qual delas é ela? E
aqueles sites de relacionamentos? Lá as fotos ajudam mais!
Como ela estaria hoje? Ainda bonita? Ainda primaveril? Ou em
pleno outono. Algumas tornam-se rainhas aos 30, outras trans-
mutam-se em bruxas.

Fotos e fotos. Nomes e nomes. Reginas e Reginas. Dezenas,
centenas de sobrenomes. Solteiras e casadas. Páginas e páginas.
Fotos e... Alto lá! Esta foto! A festa de quinze anos! As flores
de plástico povoam o salão... A foto! O vestido de neve! O laço
no cabelo! É ela! É ela! Mas, por que a foto de longíquos 15 anos?

Eis a explicação: mais fotos, mais fotos. Uma senhora gorda, de
face lunar, de mãos dadas com uma menina de uns dez anos, e,
num carrinho de bebê, o quê?, um bebê, de vestidinho rosa, a
empunhar um chocalho com formato de girafa! Ao lado, um
senhor moreno, forte, talvez carregador de móveis, ou operário.
O pai das crianças? O marido da senhora gorda, de face lunar?
Certamente... Mas será mesmo a Regina?

Não importa. Ela mesma se idolatra – aquela beldade de 15 anos
no baile de debutante. Parou no tempo! Ou antes, o tempo a
consumiu! Dentro dela ainda habita a mocinha delgada, de face
primaveril. A imagem atual não importa. A foto da primeira
namorada conserva a beleza sem idade, aquela ainda mais bela,
por delírios da saudade.


Mai/09


Leonardo de Magalhaens

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