sexta-feira, 31 de julho de 2009

EPIFANIAS DE OURO PRETO - Leonardo de Magalhaens








EPIFANIAS DE OURO PRETO


Para E.M.


Passos nas pedras da ladeira escura
um homem sem rumos
a própria cabeça procura

Prisão, museu ou casa do povo
(cuidado, tiradentes! se você voltar
eles te enforcam de novo!)

Um descer e subir em vão
contando monólitos de dois séculos
manchados com o sangue da escravidão

Antes de descer uma ladeira
lembre-se que será preciso
subir aquela próxima inteira!

Antiguidades um guia aponta
uma fachada ameaça desabar
quando nossa câmera afronta

Ressequidos chafarizes petrificados
de boca aberta perplexos
esperam os sedentos do passado

Fotos da matriz marcam o caminho
esculpido pelos dedos disformes
do célebre mestre aleijadinho

Uma lady deseja ‘Have a nice day!’
enquanto decifra outra plaquinha
na Tiradentes Plaza , ‘Here we stay’

Jovens em flor olham os umbigos
e os hippies vendendo broches e pedras
com sinais cabalísticos e nomes gringos

Uma lan house assinala o virtual
e uma pedra no meio do caminho
apresenta a dor do mundo real

Numa república o estudante de farmácia
testa a química da sedução
a cada adolescente que passa

Luzentes pedras preciosas
atraindo os turistas en passant
às velhas miragens faustosas

Na beira do córrego estreito
a antiga casa da moeda
as masmorras causam efeito

O guarda municipal acelera
à sombra do excelso mártir
que aos novos heróis ainda espera

Dois microônibus se alisando
nas estreitas ladeiras ineptas
que ao trânsito seguem ignorando

Dentro do ônibus o angolano
traduz cachaça em dialeto
e destila seu sotaque lusitano

À sombra do herói outro casal
enche a praça de beijos e
assusta o Herr e sua Frau

De óculos o estudante antenado
abre um mapa da mina
na exploração do passado

Com um dicionário english-português
o jovem ianque ainda tenta
decifrar o nosso mineirês

O senhor escocês continua a descida
a tropeçar nos ângulos das pedras
se equilibrando nos tênis adidas

No clube da esquina revisitado
os ingressos já se esgotaram
deixando os turistas irritados

Um caldo quente reanima
o corpo trêmulo de frio
antes das flautas e buzinas

No palco o clown francês
(em sua nau de loucos)
regendo um músico por vez

Um poeta vende seus versos
aos estudantes bêbados
indiferentes ao seu universo

Enquanto um poeta e uma contista
compram e vendem livros alheios
com novas poses de turistas

Violões aveludados nas veias
vozes vazias voejam vorazes
no vento voam vagas ideias

Em névoa o dia amanhece frio
na solidão da erma colina
medita o olhar vazio

Ao longe o mar de morros
o crepúsculo sepulta o dia
o ser indefeso busca socorro

Cemitérios com cadeados em ferrugem
a lembrar a morte da jovem
sacrificada em ritual selvagem

Nas praças os versos rimados
na ponte os desejos tantos
do Poeta à Musa confessados

A hora de voltar nos espera
o passado se esfumaça
o presente novamente impera.


Ouro Preto, 24jul09
BH, 24/25jul09


Leonardo de Magalhaens

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