sobre a obra Alice no País das Maravilhas
(Alice's Adventures in Wonderland, 1865)
do inglês Lewis Carroll (Charles Dodgson, 1832-98)
A Literatura enquanto Fantasia e Non-sense
Parte 1 – Alice no País das Maravilhas
Parte 2 – O Mágico de Oz
Parte 3 – Peter Pan
Parte 1
Uma das mais fascinantes experiências é a de compartilhar o olhar infantil. Como uma criança vê o mundo, como apreende os dados da nossa 'realidade' social, política, histórica, ao conquistar uma base linguística, desenvolver a audição e a fala (pois para se falar bem é preciso ouvir bem...) e tornar-se mais um(a) cidadã(o), imerso em uma cultura/civilização.
Os impulsos mentais que a civilização reprime acabam por voltar, quase sempre, em conteúdos que a extravasam dos sonhos aos devaneios, às projeções de situações e locais e personagens que não existem, mas têm um 'potencial' de existência. Existência num mundo paralelo, acima ou abaixo da realidade. Assim, um Inferno ou um Paraíso, um Futuro ou um Universo Paralelo. O Mundo Subterrâneo ou a Terra Média (aquela do Tolkien). Em suma, um profundo situar-se que a repressão – 'príncipio da realidade' – não conseguiu destruir. É o domínio do 'princípio do prazer'.
Estando as crianças ainda no início do processo de 'adequação' (aquele denominado 'socialização'), ainda não suficientemente 'reprimidas', mantêm abertas as portas da imaginação, para mundos outros, realidades outras, dentro do âmbito do desejo e da realização pessoal. Ali não há lugar para normas, regras, sentidos, conveniências, estatutos, ordenamentos, leis físicas. Tudo é possível, e nada causa estranhamento. É o ambiente do snon-sense, com uma coerência toda peculiar. Um mundo a despertar a curiosidade a cada instante.
A criança precisa ser o tempo toda incentivada, caso contrário a atenção se dispersa, ou então o ânimo adormece, levando a um sonho cheio de aventuras, aquelas que a 'realidade' nega. Assim acontece com a pequena Alice que, entediada com o livro da irmã, vai adormecendo, adormecendo... até que vê um coelho branco. Não um coelho branco qualquer, mas um coelho branco a olhar o relógio (aqueles clássicos relógios ingleses!) a preocupar-se com um certo atraso! “I shall be too late!”
Sempre preocupado, ansioso e obsequioso, o Coelho Branco vai despertar a atenção da menina Alice, logo a perseguir a apressada criatura até o fundo de um longo túnel (onde ela cai em câmera lenta!), caindo no País das Maravilhas. Onde o que ela beber ou comer tem o poder se aumentar o diminuir o tamanho! Onde as criaturas falam e se comportam como humanos! Onde até as cartas de baralho têm vida e atuam numa estranha monarquia! (espaço ideal para algumas paródias da vida aristocrática britânica!)
Aumentando e diminuindo, aflita e perplexa, curiosa e agitada, a pequena Alice de repente encontra-se numa sala de portas minúsculas, ou chorando a perda de uma chave, encolhendo a ponto de quase afogar-se nas próprias lágrimas!, perseguindo o Coelho Branco até a casa deste, mas ela acaba crescendo tanto que fica 'entalada' e não pode sair. Mil aventuras para uma menina que antes morria de tédio no mundo dos adultos.
As estranhas metamorfoses e as estranhas criaturas fazem com que Alice comece a questionar quem é e o que acontece, como se sua 'identidade' somente agora fosse colocada em evidencia – para se esfumaçar com o sem-sentido (non sense) ao redor. Afinal, o que ela vivia no mundo adulto (lá na 'realidade') não faz sentido aqui no País das Maravilhas! Assim o encontro com a Lagarta, aquela a fumar um narguilé em cima de um cogumelo, meio dopada e meio enigmática, apresenta à Alice uma oportunidade de ainda dizer 'quem' ela é. Mas não é – agora – fácil responder a questão (antes tão simples!) proposta pela Lagarta, “Quem é você?” E enquanto Alice não se decidir (afinal o que ela é agora? Tão pequena quanto uma lagarta espichada sobre um chapéu de cogumelo!) a Lagarta não vai se importar muito com aquela presença de mini-criança.
“‘I—I hardly know, sir, just at present— at least I know who I was when I got up this morning, but I think I must have been changed several times since then.’
‘What do you mean by that?’ said the Caterpillar sternly. ‘Explain yourself!’
‘I can’t explain myself, I’m afraid, sir’ said Alice, ‘because I’m not myself, you see.’
“Difícil saber, senhora, pois agora – realmente eu sabia quem era hoje de manhã, mas acho que tenho mudado muito desde então.”
“O que quer dizer com isso?” disse a Lagarta, séria. “Explique-se”
“Receio que não possa me explicar, senhora” disse Alice, “pois não sou eu mesma, veja você!”
As dúvidas de Alice quanto a sua identidade mostram o início dos questionamentos infantis: quem sou eu? Onde vivo? Quem são meus pais? O que todo mundo espera de mim? O que devo responder? O que preciso fazer para ser aceito(a)? Quem devo obedecer? Qual o sentido do mundo? Qual o sentido da minha existência? E a Lagarta não é exatamente o ser mais adequado para responder! Até porque a própria Lagarta via passar pelo estágio de larva, antes de desabrochar como uma nova criatura – a borboleta.
Assim entra em cena uma figura que deseja achar uma 'moral' para tudo: a Duquesa. Que logo veremos a buscar agradar a menina Alice, em busca de aprovação. O que muito incomoda a protagonista, que fareja ali um pouco de oportunismo e bajulação. A Duquesa surge no mesmo estágio onde apresenta-se o gato do sorriso, a aparecer e desaparecer nos momentos mais convenientes e impróprios, sempre com um sorriso enigmático, pedindo uma decifração. O Gato de Cheshire é a esfinge-fantasia que se julga o louco a observar os outros loucos. (“ Somos todos malucos aqui. Sou sou maluco. Você é maluca.” pois “se não fosse maluca não teria vindo para cá”) O único que poderia indicar um caminho – caso Alice soubesse para onde vai.
‘Come, it’s pleased so far,’ thought Alice, and she went on. ‘Would you tell me, please, which way I ought to go from here?’
‘That depends a good deal on where you want to get to,’ said the Cat.
‘I don’t much care where—’ said Alice.
‘Then it doesn’t matter which way you go,’ said the Cat.
‘—so long as I get somewhere,’ Alice added as an explanation.
‘Oh, you’re sure to do that,’ said the Cat, ‘if you only walk long enough.’
“Chegue perto, poderia, por favor, dizer-me qual o caminho para sair daqui?
“Depende muito de para aonde você deseja ir”
“Eu não sei bem para aonde...
“Então não importa muito qual caminho você vai seguir.
“... desde que eu chegue a algum lugar.
“Ó, sim, esteja certa disso, você vai chegar desde que caminhe o bastante.”
Todos este diálogos são novidade para Alice, aquela que não encontrava ninguém interessante no 'mundo real', onde não passava se mais uma criança. Aqui – na Wonderland – ela é a única menina, a crescer e diminuir, a conhecer os seres mais estranhos, ainda mais os que surgem no capítulo seguinte, aquele da mesa de chá (Tea-Party). Lá estão o Chapeleiro Louco, a Lebre de Março e a Marmota Dorminhoca (Dormouse), numa mapla mesa, bebendo chá o tempo todo, trocando de lugar, para não precisar lavar a louça, e então pouco à vontade quando chega a menina Alice, que deseja um lugar à mesa. Ambas as partes não chegam a qualquer consenso e os diálogos que se seguem são obras-primas da falta-de-sentido, cheio de trocadilhos, paródias, enigmas matemáticos, 'pegadinhas' de professor de lógica (o que caracteriza bem o Autor, um matemático)
Aliás, os enigmas matemáticos e de lógica surgem aqui e acolá por todo o texto. Nada é gratuito. “Alice no País das Maravilhas” é uma obra de passagens secretas e senhas e contra-senhas, onde um leitor bem atento vai colher pérolas da invenção literária, não apenas de personagens e situações. Mesmo na falta-de-lógica existe uma 'lógica', mesmo para mostrar a incoerência há uma 'coerência'. Não trata-se de uma crítica gratuita, de uma 'carnavalização' do mundo adulto, mas de apresentar a 'visão da criança' diante do mundo adulto – que (olhando-se bem) é irracional e hipócrita.
Todas as 'reuniões sociais' são ironizadas em “Alice”, pois evidenciam como as 'máscaras sociais' se apresentam. A Rainha de Copas (the Queen of Hearts) é a figura principal no capítulo seguinte, onde os nobres são meras 'cartas de baralho' que andam e falam pomposamente, sem tolerar 'vozes dissonantes', senão os monarcas “mandam cortar as cabeças”, desfilando rumo a um bizarro jogo de croquet, onde os tacos são flamingos, as bolinhas são ouriços, e os arcos eram os soldados-cartas encurvados! (Alice pensa: “and then,’ thought she, ‘what would become of me? They’re dreadfully fond of beheading people here; the great wonder is, that there’s any one left alive!’”, traduzindo: 'E então', ela pensou, 'o que será de mim? Eles adoram mandar cortar as cabeças por aqui; o que é de se espantar é que ainda exista alguém vivo!”) Ou seja, quem não se adequa é logo excluído – por mero capricho do soberano!
Nesta cena outras personagens reaparecem (o tão servil Coelho Branco, a Duquesa pronta a bajular, o enigmático Gato de Cheshire, sempre sorridente) e outras surgem, o Grifo, figura esdrúxula e mitológica, a conduzir a Alice aos rochedo à beira-mar, onde está a Falsa Tartaruga, a lamentar a perda do passado e a relembrar a 'dança das lagostas', algo bem infantil (como lembrar as 'cirandas, cirandinhas' do mundo de outrora...), pois a Tartaruga sabe que o seu destino final é virar mesmo uma sopa! Tudo isso até a que a Majestade caprichosa dá um alarme: o roubo das tortas!
A cena seguinte é então uma paródia de uma cena que os anglo-saxões adoram – o tribunal. Ali estão a maioria das personagens para investigar (será mesmo?) e culpar/condenar (quem mesmo?) o autor do terrível furto – o abominável roubo dos bens dos soberanos! (Como se os monarcas não vivem no luxo e na luxúria justamente por roubar explorar o povo, que vive na miséria!) A crítica aqui está todo envolta em sutilezas, trocadilhos, quebra-cabeças, fantasias, atos absurdos, onde a ironia faz rir ao mostrar o quanto a vida pode ser sem-sentido! (o 'mundo do absurdo' que Kafka, Beckett e Ionesco logo mostrariam no século 20) Cada personagem mostra seu real caráter – ora bajulando, ora implorando por piedade, ora fingindo indiferença, etc – mas apenas Alice se espanta com o ridículo de tudo (aquele tribunal), com seu olhar de criança ainda não 'adaptada' (isto é, ainda não enquadrada no 'modus vivendi'...)
Um capricho do monarca é acatado como autoridade, assim como toda voz 'não-autorizada' é silenciada. Em todo tribunal só existem mesmo um (literalmente!) jogo de cartas marcadas! Tanto que o Rei já quer começar pelo Veredicto! - é o coelho Branco que precisa lembrar ao Monarca que antes se processa todo um ritual processual com testemunhas, promotoria, defesa, jurados, etc (Onde a autoridade compartilhada ou dada por concenso, como argumentam Rousseau e Hobbes?, mas sim uma imposição do Soberano, personificação da suposta Nobreza da Monarquia) É o depoimento de Alice – uma menina que não é daquele 'mundo' – que acaba por romper toda a tragi-comédia. Não somente por que ela não acredita na justiça do tribunal (que não passa de uma literal 'farsa') mas também porque ela novamente volta a crescer.
‘What do you know about this business?’ the King said to Alice.
‘Nothing,’ said Alice.
‘Nothing whatever?’ persisted the King.
‘Nothing whatever,’ said Alice.
‘That’s very important,’ the King said, turning to the jury.
“O que você sabe sobre o caso?
“Nada.
“Nada mesmo?
“Nada mesmo.
“Eis algo muito importante!”
É como se o fato de Alice não saber já fosse representativo – e incriminador. Culpada por não conhecer as regras... E o Rei logo inventa leis para justificar a exclusão da incômoda testemunha. Assim também uma suposta carta do réu – o Valete de Copas, acusado de roubar as tortas da Rainha de Copas – não escrita por ele (por mais que ele negue, apens se incrimina mais aos olhos dos monarcas...) mas usada como prova, não importa que 'sentido' isso faça (aliás, 'sentido' é o que o Leitor menos encontra aqui!)
Obviamente que o julgamento vira um 'castelo de cartas' a desabar, quando Alice se revolta com tanto non-sense e se levanta, já grandinha, meio ao tumulto das cartas. Alice então desperta – são apenas folhas que caem da árvore, sob a qual ela se deitou, no colo da irmã, ainda a ler um livro. Tudo não passou – então – de um sonho estranho? Que o leitor ouse então desvendar – e responder – a lógica ilógica do Autor neste País das Maravilhas.
Nov/09
“O que quer dizer com isso?” disse a Lagarta, séria. “Explique-se”
“Receio que não possa me explicar, senhora” disse Alice, “pois não sou eu mesma, veja você!”
As dúvidas de Alice quanto a sua identidade mostram o início dos questionamentos infantis: quem sou eu? Onde vivo? Quem são meus pais? O que todo mundo espera de mim? O que devo responder? O que preciso fazer para ser aceito(a)? Quem devo obedecer? Qual o sentido do mundo? Qual o sentido da minha existência? E a Lagarta não é exatamente o ser mais adequado para responder! Até porque a própria Lagarta via passar pelo estágio de larva, antes de desabrochar como uma nova criatura – a borboleta.
Assim entra em cena uma figura que deseja achar uma 'moral' para tudo: a Duquesa. Que logo veremos a buscar agradar a menina Alice, em busca de aprovação. O que muito incomoda a protagonista, que fareja ali um pouco de oportunismo e bajulação. A Duquesa surge no mesmo estágio onde apresenta-se o gato do sorriso, a aparecer e desaparecer nos momentos mais convenientes e impróprios, sempre com um sorriso enigmático, pedindo uma decifração. O Gato de Cheshire é a esfinge-fantasia que se julga o louco a observar os outros loucos. (“ Somos todos malucos aqui. Sou sou maluco. Você é maluca.” pois “se não fosse maluca não teria vindo para cá”) O único que poderia indicar um caminho – caso Alice soubesse para onde vai.
‘Come, it’s pleased so far,’ thought Alice, and she went on. ‘Would you tell me, please, which way I ought to go from here?’
‘That depends a good deal on where you want to get to,’ said the Cat.
‘I don’t much care where—’ said Alice.
‘Then it doesn’t matter which way you go,’ said the Cat.
‘—so long as I get somewhere,’ Alice added as an explanation.
‘Oh, you’re sure to do that,’ said the Cat, ‘if you only walk long enough.’
“Chegue perto, poderia, por favor, dizer-me qual o caminho para sair daqui?
“Depende muito de para aonde você deseja ir”
“Eu não sei bem para aonde...
“Então não importa muito qual caminho você vai seguir.
“... desde que eu chegue a algum lugar.
“Ó, sim, esteja certa disso, você vai chegar desde que caminhe o bastante.”
Todos este diálogos são novidade para Alice, aquela que não encontrava ninguém interessante no 'mundo real', onde não passava se mais uma criança. Aqui – na Wonderland – ela é a única menina, a crescer e diminuir, a conhecer os seres mais estranhos, ainda mais os que surgem no capítulo seguinte, aquele da mesa de chá (Tea-Party). Lá estão o Chapeleiro Louco, a Lebre de Março e a Marmota Dorminhoca (Dormouse), numa mapla mesa, bebendo chá o tempo todo, trocando de lugar, para não precisar lavar a louça, e então pouco à vontade quando chega a menina Alice, que deseja um lugar à mesa. Ambas as partes não chegam a qualquer consenso e os diálogos que se seguem são obras-primas da falta-de-sentido, cheio de trocadilhos, paródias, enigmas matemáticos, 'pegadinhas' de professor de lógica (o que caracteriza bem o Autor, um matemático)
Aliás, os enigmas matemáticos e de lógica surgem aqui e acolá por todo o texto. Nada é gratuito. “Alice no País das Maravilhas” é uma obra de passagens secretas e senhas e contra-senhas, onde um leitor bem atento vai colher pérolas da invenção literária, não apenas de personagens e situações. Mesmo na falta-de-lógica existe uma 'lógica', mesmo para mostrar a incoerência há uma 'coerência'. Não trata-se de uma crítica gratuita, de uma 'carnavalização' do mundo adulto, mas de apresentar a 'visão da criança' diante do mundo adulto – que (olhando-se bem) é irracional e hipócrita.
Todas as 'reuniões sociais' são ironizadas em “Alice”, pois evidenciam como as 'máscaras sociais' se apresentam. A Rainha de Copas (the Queen of Hearts) é a figura principal no capítulo seguinte, onde os nobres são meras 'cartas de baralho' que andam e falam pomposamente, sem tolerar 'vozes dissonantes', senão os monarcas “mandam cortar as cabeças”, desfilando rumo a um bizarro jogo de croquet, onde os tacos são flamingos, as bolinhas são ouriços, e os arcos eram os soldados-cartas encurvados! (Alice pensa: “and then,’ thought she, ‘what would become of me? They’re dreadfully fond of beheading people here; the great wonder is, that there’s any one left alive!’”, traduzindo: 'E então', ela pensou, 'o que será de mim? Eles adoram mandar cortar as cabeças por aqui; o que é de se espantar é que ainda exista alguém vivo!”) Ou seja, quem não se adequa é logo excluído – por mero capricho do soberano!
Nesta cena outras personagens reaparecem (o tão servil Coelho Branco, a Duquesa pronta a bajular, o enigmático Gato de Cheshire, sempre sorridente) e outras surgem, o Grifo, figura esdrúxula e mitológica, a conduzir a Alice aos rochedo à beira-mar, onde está a Falsa Tartaruga, a lamentar a perda do passado e a relembrar a 'dança das lagostas', algo bem infantil (como lembrar as 'cirandas, cirandinhas' do mundo de outrora...), pois a Tartaruga sabe que o seu destino final é virar mesmo uma sopa! Tudo isso até a que a Majestade caprichosa dá um alarme: o roubo das tortas!
A cena seguinte é então uma paródia de uma cena que os anglo-saxões adoram – o tribunal. Ali estão a maioria das personagens para investigar (será mesmo?) e culpar/condenar (quem mesmo?) o autor do terrível furto – o abominável roubo dos bens dos soberanos! (Como se os monarcas não vivem no luxo e na luxúria justamente por roubar explorar o povo, que vive na miséria!) A crítica aqui está todo envolta em sutilezas, trocadilhos, quebra-cabeças, fantasias, atos absurdos, onde a ironia faz rir ao mostrar o quanto a vida pode ser sem-sentido! (o 'mundo do absurdo' que Kafka, Beckett e Ionesco logo mostrariam no século 20) Cada personagem mostra seu real caráter – ora bajulando, ora implorando por piedade, ora fingindo indiferença, etc – mas apenas Alice se espanta com o ridículo de tudo (aquele tribunal), com seu olhar de criança ainda não 'adaptada' (isto é, ainda não enquadrada no 'modus vivendi'...)
Um capricho do monarca é acatado como autoridade, assim como toda voz 'não-autorizada' é silenciada. Em todo tribunal só existem mesmo um (literalmente!) jogo de cartas marcadas! Tanto que o Rei já quer começar pelo Veredicto! - é o coelho Branco que precisa lembrar ao Monarca que antes se processa todo um ritual processual com testemunhas, promotoria, defesa, jurados, etc (Onde a autoridade compartilhada ou dada por concenso, como argumentam Rousseau e Hobbes?, mas sim uma imposição do Soberano, personificação da suposta Nobreza da Monarquia) É o depoimento de Alice – uma menina que não é daquele 'mundo' – que acaba por romper toda a tragi-comédia. Não somente por que ela não acredita na justiça do tribunal (que não passa de uma literal 'farsa') mas também porque ela novamente volta a crescer.
‘What do you know about this business?’ the King said to Alice.
‘Nothing,’ said Alice.
‘Nothing whatever?’ persisted the King.
‘Nothing whatever,’ said Alice.
‘That’s very important,’ the King said, turning to the jury.
“O que você sabe sobre o caso?
“Nada.
“Nada mesmo?
“Nada mesmo.
“Eis algo muito importante!”
É como se o fato de Alice não saber já fosse representativo – e incriminador. Culpada por não conhecer as regras... E o Rei logo inventa leis para justificar a exclusão da incômoda testemunha. Assim também uma suposta carta do réu – o Valete de Copas, acusado de roubar as tortas da Rainha de Copas – não escrita por ele (por mais que ele negue, apens se incrimina mais aos olhos dos monarcas...) mas usada como prova, não importa que 'sentido' isso faça (aliás, 'sentido' é o que o Leitor menos encontra aqui!)
Obviamente que o julgamento vira um 'castelo de cartas' a desabar, quando Alice se revolta com tanto non-sense e se levanta, já grandinha, meio ao tumulto das cartas. Alice então desperta – são apenas folhas que caem da árvore, sob a qual ela se deitou, no colo da irmã, ainda a ler um livro. Tudo não passou – então – de um sonho estranho? Que o leitor ouse então desvendar – e responder – a lógica ilógica do Autor neste País das Maravilhas.
Nov/09
Nenhum comentário:
Postar um comentário