quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

sobre O Mágico de Oz (L. Frank Baum)





sobre O Mágico de Oz (The Wonderful Wizard of Oz, 1900)
do norte-americano L. Frank Baum (1856-1919)


A Literatura enquanto Fantasia e Non-sense

p1 – Alice no País das Maravilhas
p2 – O Mágico de Oz
p3 – Peter Pan


Parte 2


É impressionante que as pessoas atualmente fiquem
deslumbradas com as aventuras mirabolantes do bruxinho
'gente-boa' Harry Porter, ou as aparições (ou não) da terrível
Bluxa de Blair, ou os vampiros juvenis da série Crepúsculo, e
ao mesmo temo esqueçam as fontes de onde transbordaram
estas literaturas de fantasia.

Derivadas do mundo dos sonhos (ou dos pesadelos) as Fantasias
derivam do universo das fábulas, desde a aurora da literatura oral
(aquela narrada de uma geração a outra) e sofreram metamorfoses
com as estórias de suspense e de terror, ou os contos de pseudo-
ciência (ou Ficção Científica, como queiram), usando o mesmo
método e suporte textual: as imagens oníricas.

Os sonhos nada mais são do que desejos. Aceitos ou reprimidos.
O que desejamos ser ou algo que desejamos esconder. Assim
nunca contentes com o que (ou quem!) somos, sempre desejosos
de algo mais, algo diverso. Um mundo outro onde as aspirações
possam se concretizar. Assim a literatura de Fantasia tem o seu
lugar: as nossas projeções e os nossos recalques.

Vivendo das imagens mitológicas do terror e da fantasia, a narrativa
fantástica espera um leitor que leve a estória a um outro nivel de
'verossimilhança': 'esqueça tudo o que você já viu – você vai
conhecer um mundo novo'. Assim, a protagonista cai num buraco e,
pronto!, está num outro-mundo! Ou a casa é levada na ventania,
ou um duende invade o seu quarto – e eis a maravilha: a
personagem transportada para 'outra' realidade.

A perder toda noção de 'real' e 'imaginário', nos jogos textuais
de 'alteridade' (o outro possível que não somos), ou cópias
personificadas do desejo (quem quer voar não admiraria quem
pode voar?) nos seres humanos ou pseudo-humanos (ou quase
humanos) ou ainda zoomórficos (animais que falam, por exemplo)
povoando a nova experiência existencial: a protagonista continua
a ser ela mesma?

De repente, Dorothy, a menininha de “O Mágico de Oz” (1900),
do norte-americano L. Frank Baum, está em seu mundo, lá no
árido Kansas, e no momento seguinte não está! Um ciclone
chega rodopiando e eis que leva a casa até às nuvens! Quando
aterrisa – a casa inteira! - a menina descobre sua localização
num outro mundo – o dos Mortos? De início pode-se até imaginar...
Mas chegam algumas personagens: os Michkins, baixos e
barbudos, com suas roupas azuis, além da Bruxa Boa do
Norte, a agradecer a proeza de Dorothy – ao exterminar a
Bruxa Má do Leste. Que Bruxa Má do Leste?, a menina quer
saber. E eis que ali os sapatos prateados: é que a casa caiu
justamente sobre a tal bruxa malvada!

Dorothy chegou assim num mundo alternado (ou paralelo) ao
Kansas, ao século 19 (ou 20), onde precisa se havitar com o
fenômeno do 'encantamento' (afinal, ela é mais uma das
vítimas do 'desencantamento do mundo'...) A conversa –
cheia de lacunas e lapsos surreais – entre a Dorothy e a
Bruxa Boa do Norte evidenciam esse 'desencantamento
do mundo':

The Witch of the North seemed to think for a time, with her
head bowed and her eyes upon the ground. Then she looked up and
said, "I do not know where Kansas is, for I have never heard that
country mentioned before. But tell me, is it a civilized country?"

"Oh, yes," replied Dorothy.

"Then that accounts for it. In the civilized countries I
believe there are no witches left, nor wizards, nor sorceresses,
nor magicians. But, you see, the Land of Oz has never been
civilized, for we are cut off from all the rest of the world.
Therefore we still have witches and wizards amongst us."

“A Bruxa do Norte ficou pensativa por um momento, com a cabeça
meio inclinada e os olhos fitando o chão. Depois olhou para cima
e disse, 'Não sei onde fica o Kansas, pois nunca ouvi falar deste
país antes. Mas, diga-me, é um país civilizado?

“Ó, sim!

“Então é por isso! Nos países civilizados eu creio que não há mais
bruxas, nem magos, nem feiticeiros, nem mágicos. Mas, eu acho que
a Terra de Oz nunca foi civilizada, pois estamos separados do resto
do mundo. Assim, nós ainda temos bruxas e magos entre nós.”

(trad. LdeM)

A primeira preocupação de Dorothy é voltar para casa.
Mesmo que curiosa quanto aquele mundo estranho, a
menina não vai jamais desistir do retorno para a aridez
do Kansas, lá onde está o mundo tal como ela conhece,
Não há um lugar igual a nossa casa!” (“There is no
place like home!
”) Verdadeiro lema que ela ostenta
durante toda a jornada, seguindo a Estrada de ladrilhos
dourados, rumo a Cidade das Esmeraldas, onde está
o grande e poderoso Mágico de Oz.

Nesta jornada – cheia de perigos para uma menininha de
ingenuidade rural, centro-norte-americana – Dorothy vai
encontrar outras criaturas em busca de algo mais,
ansiosas por algo que julgam não ter, sempre
confiantes no poder do Grande Oz em satisfazer seus
desejos. (A figura do Mágico de Oz é uma figura do
Grande Pai, o grande provedor, que está na base dos
sentimentos que nutrimos por um Ente Supremo, que
a religião denomina “Deus”)

O Espantalho quer um cérebro para preencher sua
cabeça cheia de palha (por mais que ele prove, para si
mesmo e para os outros, que tem boas ideias), enquanto
o Lenhador de Lata deseja um coração (por mais que
ele prove ter bons sentimentos e muita determinação).
Já o Leão Covarde quer um pouco de Coragem, para
abafar o seu medo (como se os outros não sentissem
medo, e como se ele não demonstrasse, em tantas
ocasiões, uma coragem providencial), como uma coroa
em sua cabeça de Rei dos Animais.

Nenhum dos viajantes está contente consigo mesmo –
querem algo que julgam não possuir. Somente a Posse
de algo externo poderá satisfazê-los. A cada estágio
da jornada, cada um apresenta (e atua com) o melhor
de si-mesmos, suas habilidades e potencialidades, e
acabam por superar os obstáculos. Mas não percebem,
e precisam da figura do Grande Oz para evidenciar
estas conquistas. (Que não depende da Mágica, mas do
esforço de cada um.)

As aventuras são aquelas das fábulas, com duendes
e flores gigantescas, árvores que movem os galhos,
macacos alados, etc, e cada criança (e também cada
adulto) encontra ali as suas fantasias e sonhos (como
bem retrata o filme de 1939, com Judy Garland, cheio
de inocência e encanto infantil) numa projeção de
personagens ora boas ora malvadas, dependendo de
seus interesses. Ainda bem que no Mundo de Oz há
um equilíbrio. Existem duas bruxas boas (a do Norte
e a do Sul) e duas bruxas malvadas (a do Leste e a do
Oeste), enquanto o Grande Oz busca garantir a sua
hegemonia. (Ele precisa parecer sempre Muito Poderoso
ou ao menos Mais Poderoso que as Bruxas)

Mas no fim de tantas peripécias (as quais não descreverei
para não matar o prazer da leitura) encontram este
Grande Oz que também tem lá suas limitações (tanto
que exige que Dorothy e os amigos destruam a Bruxa
Malvada do Oeste – missão que a menina cumpre
apesar de tudo), a ponto de ser 'desmascarado' como
um impostor! Atrás das cortinas a um velhinho
manipulando o cenário! E ele é do país de Dorothy (de
Omaha, Nebraska, em interessante 'preâmbulo' da
fama deste nome, pois quando da invasão da Normandia,
no “Dia D”, 6 de junho de 1944, a praia onde os norte-
americanos mais sofreram baixas chamava-se, em
código, justamente Omaha!) e deseja voltar para o
seu lar.

O ex-Grande Oz ainda consegue modos criativos (como
mau mágico que ele é”) para agradar aos amigos de
Dorothy, que percebem que já possuem dentro deles
mesmos o que tanto procuram fora! Ao Espantalho, o
mágico presenteia um cérebro de farelo, cheio de
alfinetes e agulhas. O Lenhador de Lata recebe um
coração estufado com serragem envolto em fina seda.
Já o Leão Covarde (que mostrou muito bem não ser
nada covarde!) ganha uma beberragem qualquer,
quando o mágico diz que a coragem deve estar dentro
dele! Assim o ex-Grande Oz entrega a cada um o que
eles julgavam necessitar – mas e como vai solucionar
o problema da menina Dorothy?

Se eles chegaram voando, também poderão regressar
ao cruzarem os ares! E o mágico constrói um balão,
com a ajuda de Dorothy, para que possam voltar para
o mundo do Centro-Oeste norte-americano. Mas, no
último momento, Dorothy não alcança o balão – e
este, carregando o solitário mágico, desaparece meio
às nuvens! Quem poderá então ajudar a pobre Dorothy?

A menina segue em nova peregrinação, exposta àos
novos perigos e desafios, mas ainda esperançosa, rumo
a Bruxa Boa do Sul, da terra dos Quadlings, os baixos
e gorduchos, que se vestem de tons rubros. A Bruxa
Boa, chamada Glinda, quando finalmente recepciona
os recém-chegados, fica realmente admirada! A menina
quer voltar para casa? Mas, vejam só, ela usa os
sapatos prateados, que são mágicos! E qual o poder
deles? Levar você para onde você quiser! Até para o
tal Kansas! Ora, ora! E Dorothy tinha ao alcance da
mão (ou dos pés...) o poder de voltar para casa e
não sabia!

Mas se Dorothy soubesse do poder dos sapatos prateados,
ela teria voltado logo no capítulo dois, e o Espantalho
continuaria o inteligente sem cérebro, o Lenhador, o
bondoso sem coração, e o Leão, o covarde mais
corajoso que já existiu! – e não haveria a narrativa, o
livro “The Wonderful Wizard of Oz” de um autor chamado
L. FrankBaum, que todos os leitores admiram e guardam
como uma parte admirável de seus sonhos de crianças (e
quiçá de toda a vida!)

Wizard of Oz – original
in
http://publicliterature.org/books/wizard_of_oz/xad.php

e tb. Edição ilustrada
em
http://www.archive.org/stream/wonderfulwizardo00baumiala#page/n0/mode/2up

sobre o filme Mágico de Oz (1939) em
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Wizard_of_Oz_%281939)


nov/09

por Leonardo de Magalhaens

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