terça-feira, 16 de junho de 2009

BLOOMSDAY! Hades (trecho) em ULYSSES





Ulysses

James Joyce


Epsódio 6 [Hades]
(trecho)(pp.110-113)

/o enterro de Paddy Dignam/
local: Glasnevin Cemetery / Dublin

(...)
Ele (Leopold Bloom) tem visto boa parte descer no seu tempo,
deitando ao redor, campo após campo. Campos santos. Mais
espaço teria se enterrassem os mortos de pé. Sentados ou
ajoelhados não dá. De pé? A cabeça poderia algum dia
despontar acima do chão num deslizamento de terra e com
a mão apontando. Todo igual colméia o terreno seria: células
oblongas. E tudo zelado, relva e bordas. Ao seu jardim o Major
Gamble chama de Monte Jerome. Assim é. Deviam ser flores do
sono. Cemitérios chineses com papoulas gigantes crescendo
a produzir o melhor ópio, Mastiansky me disse. Os jardins
botânicos estão lá. É o sangue regando a terra a conceber
nova vida. A mesma ideia daqueles judeus que alguns dizem
terem matado uma criança cristã. Cada homem tem um preço.
O bem preservado cadáver de um senhor gordo, epicurista,
inestimável para o pomar. Uma troca. Pela carcaça de
William Wilkinson, auditor e contador, mais tarde falecido,
três libras e trinta e seis. Com agradecimentos.

Diria que o solo seria bem mais enriquecido com esterco de
cadáver, ossos, carne, unhas, ossuários. Medonho. Ficando
verde e rosa, decompondo-se. Podre logo na terra úmida. Os
velhos magros resistem mais. Então um tipo de sebo um tipo
de ricota. Então enegrecendo, vazando. Então secando.
Mariposas-da-morte. Claro, as células ou o que seja ainda
vivem. Mudam apenas. Praticamente se vive assim. Nada
para se alimentar.

Mas eles devem gerar uma pá de larvas. O solo deve estar
simplesmente agitando-se com elas. É de dar vertigem!
Aquelas belas jovens à beira-mar. Ele olha acima animado
o bastante. Um quê de poder ao ver todos os outros descerem
primeiro. Saber como ele olha a vida. Soltando suas piadas
também: aquece o peito. Aquela do tal boletim. Spurgeon foi
ao céu 4 horas dessa madrugada. 11 horas da noite (hora de
fechar) Não chegou ainda. Peter. Os mortos mesmos os
homens ao menos gostariam de ouvir uma piada ou as mulheres
saberem o que está na moda. Uma pera suculenta ou ponche
de senhoras, quente, forte e doce. Mantenha longe da umidade.
Rir às vezes, é o melhor a fazer. Os coveiros de Hamlet.
Mostram o profundo conhecimento do coração humano.
Não ousam fazer piada sobre os mortos por dois anos ao
menos. De mortuis nil nisi prius. Dos mortos nada além do
prévio.(1) Sair do luto primeiro. Difícil imaginar o próprio
funeral. Parece piada. Ler o anúncio de sua própria morte é,
eles dizem, sinal de vida longa. Uma segunda chance.
Novo contrato de vida.

-Quantos você tem para amanhã?, o zelador perguntou.
-Dois, disse Corny Kelleher. Dez-e-meia e onze horas.

O zelador guardou os papéis no bolso. O carrinho parou de
rodar. Os parentes em luto se separam em cada lado da cova,
cuidadosos entre as sepulturas. Os coveiros traziam o caixão
para a beirada de tijolos, amarrando as cordas nas alças.

Enterrando-o. Viemos enterrar César. (2) Dele os ides de Março
ou Junho. (3) Ele não sabe quem está aqui nem se importa.

Agora quem é aquele ali, o magricela deselegante com
impermeável? Agrora, quem é ele? Eu gostaria de saber. Agora,
eu dari um tostão para saber quem é ele. Sempre aparece alguém
com quem você nunca sonhou. Um cara poderia viver solitário
a vida toda. Sim, poderia. Mas precisaria de alguém para
enterrá-lo ainda que ele tivesse cavado a própria cova. Assim
fazemos. Enterrar, ato humano. Não, as formigas também.
Primeira coisa ocorre a todos. Enterrar os mortos. Assim de
fato Robinson Crusoé. Então o Sexta-Feira enterrou ele.
Toda Sexta-Feira enterra uma Quinta-Feira, se olharmos bem.

Ó, pobre Robinson Crusoé,
Como poderia você fazer?

Pobre Dignam! Por fim, ele descansa na terra em sua caixa.
Se pensar bem, é até desperdício de madeira. Apodrecem
todos. Poderiam inventar um belo carro fúnebre com um tipo
de painel deslizante para depositá-los abaixo. Mas poderia se
recusar a serem enterrados sem o companheiro de sempre.
Tão individualistas. Deixem-na terra nativa. Punhado de barro
da terra santa. Apenas mãe e criança natimorta são enterrados
no mesmo caixão. Vejo o que significa. Vejo. Proteger o quanto
possível mesmo na terra. A casa do irlandês é no caixão. (4)
Embalsamado em catacumbas, múmias, a mesma ideia.

O Sr. Bloom ficou para trás, oc hapéu em mãos, contando as
cabeças desnudas. Doze. Sou o treze. Não. O cara do imper-
meável é o treze. O número da morte. Onde o sujeito se meteu?
Juro que ele não está na capela. Ridícula essa superstição
com o treze.

É de fina lã o terno de Ned Lambert. Tonalidade roxa. Vestia
um assim quando vivemos na rua Lombard oeste. Ele já foi
um cara bem vestido. Mudava de terno três vezes ao dia.
Devia recuperar aquele terno verde que ficou com o Mesias. (5)
Olá. Está tingido. A mulher dele, ah, esqueço que ele não é
casado ou a senhoria dele devia ter reconhecido o tecido para
ele.

O caixão mergulhou fora das vistas, abaixado fácil pelos homens
apoiados nos cavaletes da cova. Eles se esforçam: e tudo está
coberto. Vinte.

Pausa.

Se nós fossemos todos de súbito outro alguém.

Longe um asno zurando. Chuva. Não um asno. Nunca vi um morto,
eles dizem. Vergonha da morte. Eles escondem. Também o pobre
papai se foi.

Gentil e doce ar sopra ao redor das cabeças desnudas num sussurro.
Sussurro. O garoto junto ao túmulo segura a coroa de flores com
ambas as mãos, observando calmamente o escuro espaço aberto.
O Sr. Bloom move-se para detrás do corpulento e gentil zelador.
Sobrecasaco bem cortado. Preocupa a eles talvez ver qual será o
próximo. Bem, será um longo descanso. Não sentir mais. É o
momento que você sente. Deve ser danado de desagradável. Não
se acredita logo. Deve ser engano: outro alguém. Tente a casa
do outro lado. Espere, eu queria. Eu não tenho ainda. Então
sombria câmara da morte. Luz eles querem. Sussurram ao seu
redor. Gostaria de ver um padre? Então vai passear. Delírio que
se oculta por toda a vida. A morte na luta. O sono dele não é
natural. Pressione as pálpebras. Observar o nariz elevado, o
maxilar afundado, as solas do pé amarelados. Pode tirar a almofada
e deitar fora, que ele está condenado. O demônio, naquela pintura
da morte do pecador, aparece para ele como uma mulher. Ao
morrer a abraça junto a camisa. O último Ato de Lucia. “Deverei
nunca mais rever-te
?” Bam! Expira. Se foi, finalmente. As pessoas
falam sobre você um pouco: depois esquecem vocẽ. Lembram de
você nas orações delas. Mesmo Parnell (6) O dia da hera na lapela
já se foi.(7) Então ele seguem adiante: jogam dentro de uma cova
um após o outro.

Estamos rezando agora pelo repouso da alma dele. Esperando que
você esteja bem, e não no inferno. Bela mudança de ares. Saiu da
frigideira da vida e caiu no fogo do purgatório. Ele nem pensa na
cova esperando por ele? Dizem que é de arrepiar em pleno sol.
Alguém andando por aí. Junto de você. O meu está lá além de Finglas,
no lote que comprei. Mamãe, pobre mamãe, e o pequeno Rudy.(8)

Os coveiros usam suas pás e arremessam pesados torrões de barro
para cima do caixão. O Sr. Bloom desviou a face. E se ele estava
vivo todo este tempo? Quê! Pelos céus, seria pavoroso! Não, não:
ele está morto, claro. Claro que ele está morto. Na segunda-feira
ele morreu. Devia ter uma lei para alfinetar o coração para ter
certeza ou um dispositivo elétrico ou um telefone no caixão e
algum tipo de tela com entrada de ar. Bandeira de aflição. Três
dias. Mais tempo a conservá-los no verão. Tão logo são fechados
logo se convence de que não existem.

A terra cai mais suave. Começa a ser esquecido. O que os olhos
veem, o coração não sente. Longe da visão, longe do coração.

(...)

tradução by Leonardo de Magalhaens


Notas do tradutor(LdeM)

O texto de J Joyce é recheado de citações e referências, o que
dificulta a tradução. Mas aos leitores são necessárias as notas
essenciais.

(1)o dito em latim é De mortuis nil nisi bonum, i.e., dos mortos
nada além do bom, quer dizer, dos mortos só se fala bem, só se
elogia, etc. Mr. Bloom muda para 'nisi prius', i.e., nada além do
que já se disse antes (=unless sooner, before), segundo o termo
jurídico para ação civil.

(2)citação de “Júlio César', de W. Shakespeare. “Viemos enterrar
César, não fazer elogios
.”

(3)'ides' são dias especiais romanos. Sendo 15 de março, maio,
julho e outubro, e 13 nos outros meses. Dignam morreu em
'ides' de Junho, i.e., June, 13, 1904.

(4)paródia do dito popular: “cada irlandês tem seu castelo

(5)Mesias é o alfaiate do qual Mr. Bloom é cliente.

(6)Parnell foi um grande líder nacionalista irlandês. Que se
envolveu em adultério e perdeu o apoio dos católicos
tradicionalistas. Está sepultado no Glasnevin Cemetery
de Dublin.

(7)o dia da hera na lapela (Ivy Day; Lá an Eidhneáin) é um
dia (6 de outubro) em memória do líder Parnell.

(8)Rudy, o filho de Leopold Bloom, que apenas viveu 11 dias.


LdeM

Nenhum comentário:

Postar um comentário