sexta-feira, 24 de abril de 2009

uma noite de metal (conto)





Uma noite de metal


Às vezes, só mesmo uma cerveja preta espumosa para
reanimar! Pensava assim, o homem que entrou no
primeiro boteco que conseguiu avistar, na esquina da
avenida, um quarteirão da Praça. Debruçou-se logo no
balcão, ergueu um dedo, exigiu. Ignorou por completo
os jovens reunidos à porta, ali com suas roupas pretas
e semblantes entre hostis e sardônicos.

ML, assim chamamos o homem diante da cerveja preta
espumosa, só percebeu outras presenças quando uma
mão surgiu, à esquerda de seu rosto, acompanhada por
um jovem branco careca e barbudo, com uma camiseta
preta, com um nome ilegível de uma banda soturna, além
de botas militares. A mão, sem mais nem menos, vira
o conteúdo no copo, estrategicamente erguido por outra
mão, inchada de anéis.

Aí ML observa perplexo o ato diante dos seus olhos. De
súbito, ouve sua própria voz em protesto - “O que há,
meu chapa? Está cerveja tem dono!” Mas o jovem nem
dispensa atenção, e volta ao seu posto, junto a outros
vultos junto à porta. O dono do bar viu tudo, mas faz
cara de semi-morto. No mais, o que poderia fazer? ML
observa os vultos junto à porta. Pensa, calcula, “são
uns dez?”

Para ML a cerveja preta espumosa até desce com outro
gosto – o da indignação! Um ruído metálico de motor
raivoso de abalar os nervos: uma moto e seu teatral dono
se fixam à entrada. Tudo turbilhona e estremece nos
estertores do Apocalipse! Uma fumaça espessa e fétida
vai emoldurando a entrada, onde os jovens desaparecem
num fog londrino. Um capacete com uma reluzente
caveira logo se destaca. O que é isso? A SS? A 'tropa de
elite' nazista?

Então ML somente deseja tomar a cerveja preta espumosa
com a paz que merece. Após um dia de serviço e após ver
sua ex-garota, loira e peituda, acompanhada por um
pagodeiro, lá no restaurante da avenida paralela. Então
entrou no primeiro boteco que viu pela frente. Este aqui.
De onde talvez nem vá sair vivo!

Pois ML acaba de pedir outra lata de cerveja preta
espumosa(afinal ele só tomou 2/3 da anterior!) e novamente
o vulto careca e barbudo se destaca das sombras exteriores,
meio aos vultos sinistros, e vem se apossar da lata que
o barman acaba de depositar sobre o balcão!

Desta vez, ML reage: recupera a lata antes que o careca
barbudo consiga verter o líquido negro espumoso no copo
já estrategicamente erguido. “Qual é a tua, ó meu...” E o
vulto retorna aos vultos, não sem antes esboçar um
semblante hostil e selvagem, num entre lábios “Cuidado
aí, véi!” ML observa a lata em suas mãos, o olhar do dono
do boteco e os vultos à porta – tudo parece uma peça
teatral!

Assim, ML vai até a porta e analisa a sua situação. Ao lado
do careca barbudo erguem-se outros dez vultos, talvez
nem todos entrem na confusão (se houver mesmo confusão!)
mas se outros dois ou três entrarem, ML será pisoteado,
literalmente.

Agora, ML volta-se para o barman, “Está me provocando,
pois tem uma gangue inteira do lado! E eu entrei aqui
sozinho!”, e o dono do bar mantem sua face de semi-morto,
de tédio infinito. Isso acontece todo dia, ele verbalizaria,
se pudesse. Mas providencialmente adentram dois PMs,
risonhos e superiores. Olham, acenam ao barman, olham,
fazem pose. Intimidam os fregueses e ignoram os vultos.

Então, ML julga-se enfim salvo! Aproxima-se e narra a
sua dramática situação, a provocação toda, e espera
(enquanto cidadão que paga os impostos corretamente)
uma providência das autoridades competentes. Que tal
uma escolta? Os PMs continuam sorridentes e superiores.
O barman continua semi-morto. Os vultos jovens trocam
risadas.

Aí ML percebeu que estava mesmo numa noite de metal.


Abr/09


Leonardo de Magalhaens

Um comentário:

  1. Entre
    a metálica lata de cerveja,
    o metálico ruído de motor raivoso
    os metálicos anéis en mão inchada,
    o metálico das tachas dos abrigos...
    a metal da aspereza, do tédio infinito do barman,
    o metal do sorriso indiferente e da superioridade,
    o metal das armas...

    eu escolho solamente o metal
    da música metálica

    ResponderExcluir