sábado, 11 de abril de 2009

A BAILARINA - conto


A BAILARINA


A bailarina encantava não apenas por seus volteios
vertiginosos, mas principalmente por seu olhar de calma,
o sossego de um bailar sincrônico em gestos simétricos.

Matematicamente falando, a bailarina era perfeita. Altura,
peso, velocidade de giro. Esteticamente, nem tanto. (Boatos
davam conta de que ela usava óculos) Mas em simpatia,
ela era o arquétipo platônico. Apesar de se considerar,
em verdade, uma boa atriz.

Ó riqueza do possível! Ó promessa dos devaneios! A
bailarina ansiava por holofotes de infindas cores e aplausos
de miríades de devotos.

Mas a bailarina sofria com seus pesadelos, e seus rodopios
não ocultavam seus temores. Vívidas imagens que assolavam
seu repouso, ofertando noites insones. Pois a bailarina
sonhava com um amor, e ela temia justamente o amar.

Os sonhos da bailarina eram povoados de príncipes encantados
Que chegavam em cavalos alados, ou locomotivas vaporosas,
em caravanas no deserto, e beijavam os seus pezinhos
fabulosos, ou mordiam seus dedinhos fascinantes. Homens
inebriados por seu bailado e seu perfume.

Em seus pesadelos, homens sorridentes adentravam seus
aposentos, deitavam-se em sua cama, miravam-se em seu
espelho, banhavam-se em sua banheira esmaltada, e
gozavam em seus lençóis com motivos florais.

Sentia formigamentos de línguas no céu de sua boca, e
mordidas na pontinha da orelha, e abraços sufocantes de
ardores invasivos, e implora pela sanidade e pelo conforto
da solidão.

Não que a bailarina tivesse um coração gelado, ou que sua
sólida solidão não passasse de frieza, mas a sua vida de
rodopios exigia a constante expectativa da sempre temida
felicidade.

Pois os problemas da bailarina se resumem em que ela não
tem problemas. Matematicamente perfeita, esteticamente
aceitável, platonicamente simpática.

A bailarina sente os olhares de seus admiradores, imagina
seus vultos observadores nas frestas da janela, insinuante
nas penumbras, com punhais de prata, invasivos com
conselhos de boa saúde e bom viver.

Demasiadamente humana, portanto contraditória, a bailarina
odeia porque ama, e esconde em seus seios uma ponta de
flecha envenenada, destinada esta aos lábios afoitos de
algum pretendente.

E seu ódio é a fervura de seu amor. E a crueldade da
separação é completada, no dia seguinte, pelo sadomaso-
quismo da reconciliação.

Acompanhada por bichanos felpudos e seus olhares em
faíscas, uma vez que lhe aborrece a presença humana,
fechada em seus aposentos em mil rodopios de melodias
soturnas de vultos solitários e auto-piedosos.

Rodopios e saltos no escuro, sua pele de seda nas pernas
de bailarina, nos flexíveis dedos de bailarina, no perfume
floral de bailarina.

Mas a bailarina vislumbrava vultos em volta dos cortinados,
sólidos punhos no soprar dos ventos noturnos, chamados
ao silvar dos comboios, e seu coração se constrange num
sufocar de soluços.

Está deitada, insone em lágrimas, e sabe que seu medo é
maior que o seu desejo, que seu ódio é maior que seu amor,
e desviando a atenção dos olhares de seus felinos, nota no
rasgo do cortinado onde surgem seus vestidos entre dedos,
suas sapatilhas entre dentes e seus dedinhos entre beijos.

Uma risada, uma língua sinuosa lambendo falanges,
mordiscando, devorando, dedo a dedo mastigado, devorado.
Em soluços, em orgasmos, se afoga, em rubro pesadelo, a
bailarina.


Maio/2006


Leonardo de Magalhaens

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