quarta-feira, 13 de outubro de 2010

MINHA GERAÇÃO (O Uivo Ecoa) P1


Minha Geração

(
ou: O Uivo Ecoa)



Eu vi os jovens de minha geração loucos por orgasmos inomináveis
se entregando a volteios lúbricos

prontos para alcançarem o clímax de seus anseios por não
suportarem o peso de toda a futilidade

prontos para se entregarem ao primeiro tóxico para preencherem
o vazio da época

tragando doses e overdoses em bares em surdina ou de pé
ouvindo sermões intermináveis nas mesquinhas igrejas de
periferia;

os roqueiros com cabeça de sacerdote prontos a semearem a palavra
do deus ébrio no templo da voracidade técnica

e que se mancharam na vida proscrita em velhos bordéis sem
se arrependerem da putaria

e que se deram ao prazer e bebidas espumosas e alcoólicas de
todos os rótulos e cores

sem perderem a postura e o orgulho de fugitivos na noite
após baterem o cartão e assassinarem mentalmente o
patrão

sem ousarem desmentir suas fábulas quanto ao futuro visto
nas estatísticas e nas cartas de tarô;

e uma geração sem empregos e sem ideais contando as moedas antes
de subirem aos ônibus de poltronas sujas e janelas quebradas;

os jovens entregues aos torneios de paixão torcendo para
o time do coração e para um significativo aumento de
salário,

incapazes de entenderem que o mundo se faz com o suor de suas
faces e a deformação de seus dedos nos teclados o deus-máquina

do deus-byte que percorre a rede de neuroglias e chips de costa
a costa satélite a satélite,

incapazes de escaparem a tão potente rede de imagens em outdoors
domésticos acessíveis ao leve toque das falanges lesadas

por todas as doenças psicossomáticas por todas as síndromes
adquiridas por todas as deformidades genéticas por todo o stress
não-digerido;

sim, as melhores mentes de minha geração consumidas pela propaganda
de massa pelos apelos de diversão farta e frustração pela lascívia da mídia
globalizante

presos nas malhas dos shoppings midiáticos e dos reality shows da banalidade
e insones cambaleando numa noite sem audiência em busca de emoção
injetável

nas ruelas do bairro pobre nas avenidas largas dos centros comerciais
roubando carros nos inferninhos e abandonando as garotas sob os viadutos
do anel rodoviário

desejosos de cumprirem em suas vidas os enredos de todos os romances
lidos e todos os filmes nunca antevistos em instantes de neura e paranóia

mandando para dentro de seus corpos em copos sujos e seringas
todos os produtos e venenos existentes com suas bem informadas
concentrações alcoólicas e dosagens letais anunciadas em bulas e rótulos
ilegíveis

delirando diante de filmes pornô e novas estações de rádio tocando
rock’n’roll dos anos setenta prometendo a redenção no céu com diamantes

todos prostrados diante dos clips musicais vinculados diariamente na
programação juvenil adultescente da TV transnacional

misturando rock’n’roll com samba e pitadas de pop inglês com ritmos
latinos e cocaína;

loucos cuja loucura era a liberdade e o desejo solto
das correntes do prazer obrigatório

e que se deram às balas perdidas nas bocas de fumo e às surras
educativas ministradas por policiais à paisana

indiferentes todos às câmeras ocultas ou ironicamente anunciadas
de sorria você está sendo filmado para aparecer em rede nacional
no telejornal das oito horas

famosos por míseros cinco minutos e tempo suficiente para chamarem
os parentes da sala vizinha e iniciarem um assunto qualquer;

os jovens que nunca conheceram seus pais e cujas mães são sob
o mesmo teto esfinges indecifradas,

os jovens prontos a se alistarem no serviço militar e fazerem
carreira na aeronáutica e morrerem pela pátria amada

e prontos para serem policiais caso não consigam emprego até
aos vinte anos e selarem a guerra fria com os reis do tráfico
em suas carreiras de agentes duplos tendo cargo garantido
e despesas pagas

os jovens que jogaram todos os games eletrônicos de atari a
playstation assistindo a todos os desenhos animados importados
alimentados ao longo de suas infâncias por todo o refinado e sutil
sadismo multicor

e que aprenderam a falsificar carteirinhas de estudante nas escolinhas
de periferia ansiando por uma fila de cinema

e que entraram no baile a fantasia da burguesia sem se apresentarem
e saíram com os bolsos recheados de doces deixando as donzelas
desonradas

e que ansiaram pelo toque de trombeta da roleta do carnê do
baú da felicidade após pagarem todas as infinitas prestações após
décadas furtando as economias da mamãe querida

e que se entregaram as orgias de incatalogáveis filosofias assistindo
os debates das rodas-vivas e outros entrevistadores-cult

encontrando em cada revista de celebridades os reis príncipes
e condessas deste mundo ao lado do Redentor do momento;


continua...



leonardo de magalhaens

http://meucanoneocidental.blogspot.com
http://desencontrosgrafados.blogspot.com

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