quarta-feira, 27 de outubro de 2010

2 poemas de Gary Snyder




GARY SNYDER


Hay For The Horses
Feno para os Cavalos


Ele dirigiu metade da noite
Vindo longe de San Joaquin
Atravessando Mariposa, acima
Nas perigosas estradas da serra,
E descarregou às oito da manhã
A carga de fardos de feno
atrás do celeiro.
Com guinchos, cordas e ganchos
Nós amontoamos todos os fardos
Até o madeirame rubro do telhado
Alto no escuro, farpas de alfafa
Giravam nas frestas de luz,
Coceira de pó de feno adentra
Calçados e roupas suorentas.
Almoço sob o escuro carvalho
Fora do aquecido curral,
- A velha égua farejando baldes de ração,
Gafanhotos estalando na grama -
“Estou com 68” ele disse,
“Passei a juntar feno aos 17.
Pensei quando comecei naquele dia,
Que odiaria fazer isso a vida toda.
E dane-se, eis o que
Tenho feito e refeito.”


trad. Leonardo de Magalhaens
.

Hay For The Horses
He had driven half the night
From far down San Joaquin
Through Mariposa, up the
Dangerous mountain roads,
And pulled in at eight a.m.
With his big truckload of hay
behind the barn.
With winch and ropes and hooks
We stacked the bales up clean
To splintery redwood rafters
High in the dark, flecks of alfalfa
Whirling through shingle-cracks of light,
Itch of haydust in the
sweaty shirt and shoes.
At lunchtime under Black oak
Out in the hot corral,
--The old mare nosing lunchpails,
Grasshoppers crackling in the weeds --
"I'm sixty-eight" he said,
"I first bucked hay when I was seventeen.
I thought, that day I started,
I sure would hate to do this all my life.
And dammit, that's just what
I've gone and done."
...

Por todos (ou Para todos)
For All


Ah! estar vivo
numa manhã de meados de setembro
cruzando um riacho
com pés desnudos, calças dobradas,
segurando as botas, num embrulho,
à luz do sol, águas gélidas rasas,
montanhas rochosas ao norte.
Murmurar e reluzir das águas gélidas
seixos sob os pés, miúdos e duros
como se fossem dedos
nariz frio gotejando
cantando dentro
música fluvial, música cordial,
cheiro de sol sobre o cascalho.
Eu prometi aliança
Eu prometi aliança ao solo
de Turtle Island, (Ilha da Tartaruga)
e aos seres que lá habitam
um ecossistema
em diversidade
sob o sol
Com a alegre interpenetração de tudo.

.

Trad. Leonardo de Magalhaens

http://desencontrosgrafados.blogspot.com


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For All
Ah to be alive
on a mid-September morn
fording a stream
barefoot, pants rolled up,
holding boots, pack on,
sunshine, ice in the shallows,
northern rockies.
Rustle and shimmer of icy creek waters
stones turn underfoot, small and hard as toes
cold nose dripping
singing inside
creek music, heart music,
smell of sun on gravel.
I pledge allegiance
I pledge allegiance to the soil
of Turtle Island,
and to the beings who thereon dwell
one ecosystem
in diversity
under the sun
With joyful interpenetration for all.
.
.
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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

sobre "As Dores de Indaiá nas Memórias de Tapuia"




Sobre “As Dores de Indaiá nas Memórias de Tapuia
(BH, Rede Catitu Cultural, 2010)
do poeta Marco Llobus (BH / MG)

Revivendo a infância na fala poética

“Poesia, a minha velha amiga
eu entrego-lhe tudo
a que os outros não dão importância nenhuma
...”
(Mário Quintana)
.
.
Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da / despalavra.
/ Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades
/ humanas.” (“Despalavra
”)
(Manoel de Barros)
.

A Crítica

A presença da Crítica literária se evidencia não apenas em leituras e julgamentos, mas no reconhecimento de que a Obra mereça ser lida e julgada. Obras existem que apenas devem ser destinadas à lixeira. Sem piedade. Se a Crítica dedica um momento de atenção a algum escrito – no sentido de ler com atenção, não apenas folhear, mas LER – é porque algo mais é notado pelo 'olhar de lince' do Leitor chato.

Afinal, quem é o crítico? O crítico é um Leitor chato. Chato no sentido de obstinado, persistente. Cuidadoso em examinar linhas e devassar entrelinhas – mas é também um curioso – e assim cada livro é devorado com voracidade – e visto como desafio – 'decifra-me ou te devoro'.

Quando a Crítica vem à lume, espera-se que ao menos seja lida como uma 'leitura atenta' – não A leitura da Obra, pois cada Crítico poderá pessoalmente apontar detalhes que demonstram idiossincrasias do olhar crítico. O nível de cultura em um Crítico determina muitas vezes a 'profundidade' de sua leitura.

Tal um Tradutor que precisa saber das mil citações & referências de Proust – leitor ávido da tradição literária francesa! - e das milhares de releituras & paródias de J. Joyce – leitor fanático das tradições literárias europeias - para melhor traduzir as obras-labirintos, o Crítico precisa ler as influências – conscientes ou não – ou a 'angústia da influência' – que vicejam na Obra lida obstinadamente.

A Obra

A expectativa do lançamento do primeiro livro do poeta Marco Llobus, um poeta que sempre produziu, e sempre mencionou a existência de uma vasta lavra de versos (beirando a 700 poemas segundo ele mesmo revelou) então quando poderíamos ler os poemas tão prometidos?

Sob o luar inspirador no Centro Cultural da Lagoa do Nado veio ao mundo o “As Dores de Indaiá nas Memórias de Tapuia”, o primeiro rebento do Poeta que viceja nas margens, que não é apenas 'marginal', mas interiorano, no sentido de espontâneo, de livre das convenções urbanas.

Conserva um ouvido apurado para a fala popular – a importância da melopeia - ' a melodia dos versos' (conceito usado por Ezra Pound) aqui bem lembrada na apresentação de Gabriel Bicalho, que destaca “um dedo de prosa e porteiras abertas a um mundão inteiro de pura poesia!”

O Autor Marco Llobus preserva – mesmo a morar em cidade grande, metrópole – ainda dentro de si uma alma interiorana – não exatamente 'caipira', que tem um tom 'depreciativo' – uma sensibilidade para as coisas pequenas – tal um Manoel de Barros – e para coisas simples, cotidianas – tal um Mário Quintana.

O Olhar do Poeta

Assim o poeta é espontâneo E perfeccionista: a poesia enquanto 'pérola'. A destilação, decantação, seleção da vivência para se extrair uma gota de poesia.

Por trás da simplicidade, um recorte do cotidiano, ou uma lembrança dos tempos de infância – aliás, parece-me que o maior sofrimento de Marco Llobus é assumir o 'fim da infância' – o sentimento de “childhood's end” tão presente em poemas românticos ingleses (Blake, Shelley, Byron, até um David Gilmour - Pink Floyd - atualmente) .

A idealização da infância no modo de re-evocar os 'felizes momentos de outrora' – também presente nos poetas brasileiros, vide o romântico Casimiro de Abreu, com “Meus oito anos”,

Oh! Que saudades que tenho/da aurora da minha vida,/ da minha infância querida/que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ naquelas tardes fagueiras,/ à sombra das bananeiras,/ debaixo dos laranjais!”

Assim, na poética de Marco Llobus o 'prosaico e o irônico' – presente em Manuel Bandeira e Mário Quintana – é cercado de moldura afetiva – com as lembranças, re-evocações de lembranças. As coisas são carregadas de afeições, que se manifestam na saudade do tempo passado, como diz o poema de Quintana,

Os antigos retratos de parede
não conseguem ficar longo tempo abstratos”
(“Os Retratos”)

Memórias de infância estão tecidas com uma negação do adulto. Como uma tentativa de resgate do ser interiorano ainda preservado no 'passado idílico' – assim é em muitos momentos a escrita de Guimarães Rosa (nas páginas de “Campo Geral” onde aparece o menino Miguilim) ou na obra do poeta Antônio Souza (lido em ensaio anterior), autor de “Flores no Pote”.

As paisagens,os locais são descritos com afetividade, pois estão carregadas de sentimento – a saudade diante da infância perdida, conservada na memória,

olho pelo “olho mágico”
da porta do tempo
o desfile de imagens
de algumas histórias
que ascendem às velas
ds minhas memórias”

(p. 14)

O que o Autor quer preservar é o 'olhar de crianças' – um olhar de Alberto Caeiro, o singelo heterônimo de Fernando Pessoa, com um olho aberto para a “eterna novidade do mundo”, a notar em cada recanto um 'mistério' a despertar curiosidade (enquanto o adulto teima em julgar-se sabedor de tudo...), a cada etapa da vida,

o mundo, respira
derramando mistérios em cada despedida

(p. 18)

Mas o Poeta sabe que por mais que revivifique a infância através da palavra, o tempo de outrora é sempre fugidio, que a palavra não pode conter o acontecido,

vê? O caminhão de leite?
Passageiro...
quase parece
que não existe”

(p. 83)

Quando o passado passa é como se auto-anulasse. O que sobra é um registro de alegria e dor na faculdade da memória. Caso contrário renasceríamos a cada dia, formaríamos um novo 'eu' a cada momento, re-criando e re-novando em constante ausência de um ontem.

Por mais que ousemos escrever, é sempre uma experiência algo frustrante, incompleta. Não dizemos nunca o que ansiamos tanto em dizer. É o sentimento que Quintana assim expressa,

Cada palavra é uma borboleta morta espetada na página:
Por isso a palavra escrita é sempre triste...”
(“Tristeza de Escrever
”)

Ao voltar o olhar para si mesmo – não para o passado ou a paisagem – o eu-lírico se percebe um sujeito no mundo. Uma singularidade a indagar sobre a identidade que alcança em 'estar-aí' (segundo o Dasein, de Heidegger), consigo mesmo e com os 'outros' 'eus',

aonde...
mastro solitário
destas mares de montanhas
navegam “eus” e todo o mundo
?”
(p. 40)

Esse “eus” já mostra uma pluralidade de sujeito num só 'eu-lírico' que entra em contradição com o 'solitário' – como estar sozinho se o sujeito se sente 'muitos'? Como se sentir solitário se o Poeta se divide no ser que sentiu e o ser que expressa o que sentiu?

O Poeta se diz solitário – como vimos – mas também sabe que em si há todo o “sentimento do mundo” (também a la Drummond),

o mundo todo
todo mundo
cabe em tapuia

(p. 69)

Em seu mundo de infância encontra uma representação de um universo que ele mesmo povoa – vivências, leituras, viagens - tudo adentra e co-habita em Tapuia, onde se situa a fazenda onde cresceu o Poeta, na região próxima à Dores de Indaiá – aqui a Macondo (um microcosmo) do Autor. Pois o quintal pode ser o 'umbigo do mundo', o centro da galáxia.
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O Poeta e a Linguagem

Aprendemos com Mallarmé que poesia é 'feita de palavras, não com ideias', e com Octavio Paz que afirma não ter a poesia um 'conteúdo', mas é ela-mesma o conteúdo, e aqui Llobus trabalha com palavras, não com conceitos a partir das palavras – a metafísica aqui é da própria palavra (por que usar a palavra Y e não a palavra X ?)

A ênfase na palavra constitui a estrutura do verso – daí a poesia ser intraduzível (“poesia é aquilo que se perde na tradução”, dizia Robert Frost) e para tentar traduzir poesia, o poeta-tradutor – ou tradutor-poeta – interpreta 'conceitos' a partir de palavras, e transplanta para outras palavras, em outro idioma.

Ao lidar com palavras para evocar lembranças – resgate da 'infância perdida' – o Poeta se vê entre a labuta física na lavra no campo e a “luta com as palavras”(1) na lavra dos versos,

Os jargões são em timbre de enxadas
lamentos regidos no sulco da terra
[...]
labuta suores e signos
há fartura nos dias

(p. 17)

(1) de Carlos Drummond de Andrade, “O lutador

O Poeta precisa se apropriar das palavras através de ligações – metáforas, metonímias, analogias - , através de ressignificações – a feitura de um 'vocabulário peculiar', próprio à expressão poética. A 'enxada' é uma parte do trabalho, mas que passa a significar todo o 'esforço'.

O eu-lírico pretende reencantar o mundo presente pela evocação do mundo de outrora, e assim resgata o vocabulário de criança interiorana, de fala espontânea, tal qual aquele Miguilim, da obra de Guimarães Rosa, que se espelha pela fala sem 'retorsões', a comunicar um vivência plena de 'mistérios',

mesmo não vendo... passa,
parecendo que não percebe nada
mais tudo se percebe
aí... tum... foi tanta coisa.”
(p. 82)

e

um destino
que segue o ritmo
de algum mistério,
travestido de ideia”
(p. 85)

O conceito é abstrato até o momento em que a Poesia o re-insere no mundo na forma de coisa – ou metáfora da coisa. Uma imagem (aqui poética ) diz mais do que mil conceituações. Sabemos que 'saudade' é dificilmente conceituada, delimitada num conceito. Mas ao ler um poema, parece que conseguimos 'compreendê-la',

vive no silêncio de todas as coisas
que se apagam na vigília,
transformando-se
na eterna
saudade
da vida”

(p. 89)

e

picumã defumado
é ninho de tempo
decora teia, fogão...
e os “ói” de saudade"
(p. 64)

Assim todo conceito – entidade abstrata – é materializada em versos que são recodificados pelo/a leitor/a em sentimento – nova abstração, onde há uma modificação se há percepção do 'insight' que motiva a Escrita, motivação do sujeito, daí 'subjetiva'.

É isso que Quintana queria dizer ao fazer 'desmaterializações' – pois sua mágica era 'poetar', colocar o sujeito nas coisas, fazer 'subjetivação',

Há os que fazem materializações...
Grande coisa! Eu faço desmaterializações.
Subjetivações de objetos.
Inclusive sorrisos, [...]”
(“Operação Alma
”)

Resumindo: há a Coisa, há uma Palavra, há UMA palavra cativada pelo Poeta, que a ressignifica e atira novamente ao ouvinte/leitor que a re-codifica enquanto subjetivação da subjetivação do Poeta. Toda a Cultura se move assim: as Coisas sempre significam OUTRAS Coisas.

Por que? Porque além das Coisas, temos os Sujeitos que se comunicam. Enchemos o mundo de Coisas metafóricas, ressignificadas, vivente, pulsantes, em suma, refletindo o que sentimos.

Em alguns momentos, Marco Llobus entra em conflitos com as palavras, adentra aventuras linguísticas, daquelas que afetam o poeta das 'coisas mínimas' o sempre inclassificável Manoel de Barros, “Tentei uma aventura linguística. / Queria propor o enlace de um peixe com uma lata. / uma lata é uma lata é uma lata. / Busquei contiguidades verbais.” (“O Casamento”)

Temos aqui a mesma questão da linguagem que é referencial no pensador francês Michel Foucault, autor de “As Palavras e as Coisas” (1966) onde procura entender quais as relações existentes entre os entes e as palavras que os representam – os signos. O que há na palavra 'mesa' que remete ao objeto 'mesa' – de quatro ou três ou uma perna, que serve para escrever, ou para amparar objetos, etc.

Justamente a indagação presente na poética de Manoel de Barros, “As coisas todas inanimadas. / Água não era ainda a palavra água. / pedra não era ainda a palavra pedra. / E tal. / As palavras eram livres de gramáticas e / podiam ficar em qualquer posição.” (in: “Poemas Rupestres”)

É perceptível a condição do Poeta enquanto ser de palavras - “Vão dizer que não existo propriamente dito. / que sou um ente de sílabas. / Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém.” (“O Poeta”, M de Barros) - Daí o Poeta precisar se 'fazer vivo' nas palavras – se apoderar das palavras – domar as palavras - “em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer / nascimentos - / O verbo tem que pegar delírio.” (in “O Livro das Ignorãças”)

A palavra vem depois das coisas – vem com o olhar humano que NOMINA o mundo - “O mundo não foi feito em alfabetos. Senão que primeiro em água e luz. Depois árvore. Depois lagartixas. Apareceu um homem na beira do rio. [...]” (também em “Livro das Ignorãças”) Vivendo entre as Coisas e os Conceitos, o contato do Poeta com a palavra é sempre com estranhamento – onde as palavras não são evidentes – são 'desvios' em relação às coisas,

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas / leituras não era a beleza das frases, mas a doença / delas.” e “Pois é nos desvios que encontra as melhores / surpresas e os ariticuns maduros. / Há que apenas saber errar bem o seu idioma.”

É assim, portanto, que o poeta aprende uma “agramática”, a demonstrar o real deslocamento do poeta interiorano diante do 'progresso tecnológico', como também é sensível na poética do poeta popular, o cearense Patativa do Assaré, “Meu peito ainda parpita / Cheio de rescordação / Dessas historia bonita / Que contava o Botijão. / Mas hoje, nas farinhada, / Nem histora, nem toada, / Nem mêrmo advinhação, / tudo é tristeza e deslêxo, / E eu, seu moço, só me quêxo / do diabo das invenção.” (“O puxadô de roda”)

Assim não é gratuita a Linguagem com sotaque caipira do eu-lírico que re-vive a fala do sertão, do 'interior das gerais',

assobio,
sem alarde,
prumodi das concordância.
... a casa sente
sem susto
e sabe
i eu... que vou vortando”

(p.36)

Indiferente à gramática normativa, a fala espontânea é um símbolo do resgate – não é mais o eu-de-hoje quem fala, é a criança que anda de pé descalço na beira do açude, no meio do capim, onde “o orvalho frio, / pinica/ molha // i é bão (p. 62)

Só mesmo esta fala sem-amarras pode voar tal uma pipa até os céus, na bela imagem de um dos poemas que merecem admiração pela simplicidade e pela evocação de imagens, de assombro para o incalto Ícaro que ousou desafiar o calor do sol, na mitologia grega,

papagaio amarelo
de brinco e argolas,
bambu, seda,
goma de “porvilho”
carretel e linha
leva sorrisos,
recados
para ícaro”

(p. 70)

É assim que vemos a poesia – aqui simples e direta – condensar imagens em poucos versos e deixar-nos livres para imaginar. Vejamos como a simplicidade expressiva de Marco Llobus se mostrará nas próximas obras já prometidas aos curiosos leitores.


28set10



Por leonardo de magalhaens
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sábado, 16 de outubro de 2010

MINHA GERAÇÃO (ou O Uivo Ecoa) P2


Minha Geração
(ou O Uivo Ecoa)


e que tentaram entender a fórmula de suas moléculas orgânicas
a cada transe hipnótico e iluminação transcendental
procurando nos neurônios convalescidos algo além de
aminoácidos


e devastaram as bibliotecas a procura da prova de deus e da
alma imortal atentos as nuances da beatitude e da visão
angélica


mas pouco se importando com do preço do pão e da cerveja
esquecendo nos bares sórdidos a grana destinada ao aluguel
de suas masmorras e sótãos


entregando ao primeiro gatuno em vestes de romeiro o cheque
assinado para a vencida prestação e a dívida de droga,


concedendo generosos um terço de seus contracheques
como dízimo e oferta de penitência fazendo as fortunas dos
chaveiros do Paraíso;


jovens que estabeleceram a moda da anti-moda exibindo cabelos
longos e moicanos nas cores do arco-íris e meninas com
tatuagens e piercings na língua com suas madeixas tosadas


e desfiguraram seus corpos para figurarem nos pódios da
popularidade lutando meio as gangues pela posse da dignidade;


nunca duvidando de uma possível vitória com direito a
tratamento VIP e entrada franca nos shows de som pesado


onde se misturaram aos singelos consumistas de camisetas
de bandas e de compact discs e batatas fritas de conhecida
rede de fast-foods


proclamando em gemidos seus figurinos em trapos suas
vestes negras e sombrias suas faces pálidas e funestas
trocando beijos úmidos com os coleguinhas de escola


que passaram as noites no cemitério mais próximo e que
tentaram cortar os pulsos com os cacos de uma garrafa de
um vinho barato qualquer;


os perdidos na noite ( que jamais se encontrarão) na estrada
pedregosa das existências vás e dos olhares de bocejos
e fastio;


todos ainda sonhando com o orgulho de uma nação com o
porvir da fraternidade e o fim das desigualdades de renda e
raça enquanto aguardam o diploma


ainda que se preocupem com as medalhas das olimpíadas
e o placar do amistoso internacional consultando a nova
tabela do IDH roendo as unhas e rezando algarismos


dispostos a venderem a roupa do corpo desde que possam
ir a praia e dar uma volta em Miami no fim do ano


trocando a Avenida Afonso Pena pela imagem digital
da paulista e por um cartão-postal de Manhattan – ainda
com as duas torres gêmeas – ao crepúsculo;


desejando uma jaqueta made in USA ainda que na camiseta
deixem à mostra a carranca de famigerado terrorista


pinchando um A anarquista nos sanitários dos botecos
enquanto ouvem no discman um lançamento da maior banda
européia de todos os tempos;


os jovens que se envenenaram para esquecer que se casaram
para não se converterem que se fizeram batizar para deixarem
a cadeia e que pouco não foram reeducados nos massacres e
rebeliões


que se jogaram do alto de edifícios símbolos do progresso e
que se deixaram flagelar por sádicos homens-da-lei e que se
entregaram ao meretrício copulando com marqueteiros e
vendendo idéias arrojadas


e que não desistiram de entregar originais manuscritos ou
digitados ao mercado-negro das publicações subversivas mas
deixaram engavetadas suas críticas minuciosas sobre os
mangás pedófilos


e colecionaram apostilas de vestibular após freqüentarem todos
os cursinhos e suas salas lotadas de faces entediadas e carreiras
fracassadas


e eu se lançaram aos empreendimentos mais inusitados desde
vendedores de figurinhas de craques da seleção masculina
de futebol até entregadores à domicílio de bíblias em versão
moderna


além de técnicos de estúdios caseiros e tradutores de poesia
alemã e promotores de eventos culturais nos feriados e
datas festivas


e ousaram sobreviver ao preço do feijão e ao lançamento faustoso
de um novo tônico cerebral enquanto se mantém inalterada a
disputa pelos cargos administrativos a nível municipal;


jovens de olhares tristes e ávidos que deixaram morrer seus
sonhos dilacerados pelas hecatombes da fome pelas ameaças
de guerra total pelas imagens conservadas dos campos
de extermínio


e que pedem bênçãos aos portadores de falsas verdades que
consolam tanto quanto um barril de vinho do Porto


e que insistem em esperarem a previdência social caso
sobrevivam ao seqüestro e a matança dos menores de
dezoito nas ruas escuras e sujas dos subúrbios


e que ainda ousam marcar compromissos para daqui a oito dias
sabendo que hoje as gerações mais velhas enterram as
mais novas;


e seguem todos, vultos da decadência, rumo aos bares e templos
enquanto os bancos solicitam seus depósitos e a justiça
eleitoral ordena o salutar exercício da democracia


enquanto se erguem as vozes da propaganda oficial em
eventos patrióticos e insistem as redes de TV aberta e
mentem os professores com seus salários desajustados


sobre uma geração de bastardos do selvagem capitalismo
com a besta apocalíptica da insegurança concebida numa
noite de conhaque e tédio.


Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas
pela loucura, esfomeados nus e histéricos,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro ao poente
em busca de algo injetável...”

(Allen Ginsberg, Howl)


Evohé Allen Ginsberg!!



17set04

digt. em 2006



Leonardo de Magalhaens
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

MINHA GERAÇÃO (O Uivo Ecoa) P1


Minha Geração

(
ou: O Uivo Ecoa)



Eu vi os jovens de minha geração loucos por orgasmos inomináveis
se entregando a volteios lúbricos

prontos para alcançarem o clímax de seus anseios por não
suportarem o peso de toda a futilidade

prontos para se entregarem ao primeiro tóxico para preencherem
o vazio da época

tragando doses e overdoses em bares em surdina ou de pé
ouvindo sermões intermináveis nas mesquinhas igrejas de
periferia;

os roqueiros com cabeça de sacerdote prontos a semearem a palavra
do deus ébrio no templo da voracidade técnica

e que se mancharam na vida proscrita em velhos bordéis sem
se arrependerem da putaria

e que se deram ao prazer e bebidas espumosas e alcoólicas de
todos os rótulos e cores

sem perderem a postura e o orgulho de fugitivos na noite
após baterem o cartão e assassinarem mentalmente o
patrão

sem ousarem desmentir suas fábulas quanto ao futuro visto
nas estatísticas e nas cartas de tarô;

e uma geração sem empregos e sem ideais contando as moedas antes
de subirem aos ônibus de poltronas sujas e janelas quebradas;

os jovens entregues aos torneios de paixão torcendo para
o time do coração e para um significativo aumento de
salário,

incapazes de entenderem que o mundo se faz com o suor de suas
faces e a deformação de seus dedos nos teclados o deus-máquina

do deus-byte que percorre a rede de neuroglias e chips de costa
a costa satélite a satélite,

incapazes de escaparem a tão potente rede de imagens em outdoors
domésticos acessíveis ao leve toque das falanges lesadas

por todas as doenças psicossomáticas por todas as síndromes
adquiridas por todas as deformidades genéticas por todo o stress
não-digerido;

sim, as melhores mentes de minha geração consumidas pela propaganda
de massa pelos apelos de diversão farta e frustração pela lascívia da mídia
globalizante

presos nas malhas dos shoppings midiáticos e dos reality shows da banalidade
e insones cambaleando numa noite sem audiência em busca de emoção
injetável

nas ruelas do bairro pobre nas avenidas largas dos centros comerciais
roubando carros nos inferninhos e abandonando as garotas sob os viadutos
do anel rodoviário

desejosos de cumprirem em suas vidas os enredos de todos os romances
lidos e todos os filmes nunca antevistos em instantes de neura e paranóia

mandando para dentro de seus corpos em copos sujos e seringas
todos os produtos e venenos existentes com suas bem informadas
concentrações alcoólicas e dosagens letais anunciadas em bulas e rótulos
ilegíveis

delirando diante de filmes pornô e novas estações de rádio tocando
rock’n’roll dos anos setenta prometendo a redenção no céu com diamantes

todos prostrados diante dos clips musicais vinculados diariamente na
programação juvenil adultescente da TV transnacional

misturando rock’n’roll com samba e pitadas de pop inglês com ritmos
latinos e cocaína;

loucos cuja loucura era a liberdade e o desejo solto
das correntes do prazer obrigatório

e que se deram às balas perdidas nas bocas de fumo e às surras
educativas ministradas por policiais à paisana

indiferentes todos às câmeras ocultas ou ironicamente anunciadas
de sorria você está sendo filmado para aparecer em rede nacional
no telejornal das oito horas

famosos por míseros cinco minutos e tempo suficiente para chamarem
os parentes da sala vizinha e iniciarem um assunto qualquer;

os jovens que nunca conheceram seus pais e cujas mães são sob
o mesmo teto esfinges indecifradas,

os jovens prontos a se alistarem no serviço militar e fazerem
carreira na aeronáutica e morrerem pela pátria amada

e prontos para serem policiais caso não consigam emprego até
aos vinte anos e selarem a guerra fria com os reis do tráfico
em suas carreiras de agentes duplos tendo cargo garantido
e despesas pagas

os jovens que jogaram todos os games eletrônicos de atari a
playstation assistindo a todos os desenhos animados importados
alimentados ao longo de suas infâncias por todo o refinado e sutil
sadismo multicor

e que aprenderam a falsificar carteirinhas de estudante nas escolinhas
de periferia ansiando por uma fila de cinema

e que entraram no baile a fantasia da burguesia sem se apresentarem
e saíram com os bolsos recheados de doces deixando as donzelas
desonradas

e que ansiaram pelo toque de trombeta da roleta do carnê do
baú da felicidade após pagarem todas as infinitas prestações após
décadas furtando as economias da mamãe querida

e que se entregaram as orgias de incatalogáveis filosofias assistindo
os debates das rodas-vivas e outros entrevistadores-cult

encontrando em cada revista de celebridades os reis príncipes
e condessas deste mundo ao lado do Redentor do momento;


continua...



leonardo de magalhaens

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sábado, 9 de outubro de 2010

A Crítica e a Poética de Roberto Piva




A Crítica e a Poética de Roberto Piva
(sobre a Poética de Roberto Piva (1937-2010)
poeta brasileiro)

Quando toda uma Poética é reduzida a rótulos

A poesia Beatnik

O movimento Beatnik (ou geração Beat) representou um momento de contestação e espontaneidade em plena consonância com a geração pós-guerra, a mesma geração que proclamaria uma 'Contracultura', uma subversão da civilização e uma libertação da libido. Com a grande potência norte-americana em destaque, não é de se admirar que no seio dos próprios EUA surgisse um grupo de literatos e poetas engajados (ou não) em contestação contra o poderio hegemônico da nova potência.

Graças às traduções e releituras críticas de Cláudio Willer, graças à tradução de On The Road feita pelo Peninha (Eduardo Bueno), o movimento Beatnik teve acolhida e influência nos poetas e literatos brasileiros, a partir dos anos 70 – principalmente na chamada 'poesia marginal' e na nova poética surrealista (em contraponto ao concretismo). Com vinte anos de atraso, mas finalmente os poetas brasileiros podem receber a influência beatnik.

Os poetas beatniks mostram uma variedade de estilos e dicções, estão ao lado do ritmo (da batida, 'beat') quanto da 'beatitude' (no sentido de plenitude de viver, não de resignação ou mortificação piedosa) mas enquanto característica geral – se podemos mesmo falar em 'movimento' – temos o fato de se tem duas coisas que todos odeiam são MORALISMO e HIPOCRISIA. Estão disposto a apregoar uma 'Contracultura' – e estamos falando dos EUA pós-guerra – com a guerra na Coreia e as intervenções militares no Caribe, e depois nas selvas do Vietnã – anos 60 e 70.

A Crítica vê o Poeta

A primeira crítica publicada sobre as poesias de Roberto Piva está na Antologia 26 Poetas Hoje, de 1975, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, que aborda os poetas da 'geração mimeógrafo', ditos 'marginais', à margem do sistema editorial e da literatura acadêmica (mesmo que depois muitos se integrassem à academia, como são os exemplos do crítico Robert Schwarz, especialista em Machado de Assis, e do ensaísta Antonio Carlos Secchin, agora na ABL). Outros morreram (o Waly, em 2003) outros se mataram (a Ana Cristina, em 1983), alguns continuam ainda no campo 'excêntrico', vejam o Chacal na ativa.

O crítico João Silvério Trevisan, em 2004, destacava as leituras & influências do poeta Piva,

A entrada em cena de Hölderlin e dos poetas expressionistas alemães Gottfried Benn e Georg Trakl temperaram essa experiência com uma ponta de pessimismo, que deixou de ser circunstancial quando, ainda na década de 60, Roberto Piva teve contato com a obra de um filósofo praticamente desconhecido, no Brasil do período: Friedrich Nietzsche.

À experiência juvenil de Piva agregou-se a contundência desse profeta pessimista e decifrador da alma moderna. Mas nem só de espírito, nem só de intelecto fez-se o aprendizado juvenil de Roberto Piva, que cedo descobriu Rimbaud e Lautréamont, recebendo a influência desses dois poetas visionários, que extrapolam os limites da expressão racional e das escolas literárias.
Trevisan aponta sempre os traços de 'transgressão' na poética de Piva, em consonância com Heloísa Buarque, na antologia dos 'poetas marginais,'

Os traços mais presentes na obra de Roberto Piva giram em torno dessas influências ou ao menos partem delas. Trata-se, antes de tudo, de uma poética de transgressão: na abordagem, na temática e na quebra de fronteiras entre os contrários. Portanto, uma transgressão que desemboca no paradoxo - por exemplo, entre carne & espírito, vida & obra, contemporâneo & arcaico. Sua expressão poética persegue o rastilho da escrita automática de extração surrealista: recuperar para a poesia os estados primitivos do sonho e da loucura.

crítica de João Silvério Trevisan na Revista Agulha nº 38 (abr/2004)
disponível online em
http://www.revista.agulha.nom.br/ag38piva.htm
também disponível – num versão em versos – no Germina
http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_out05_robertopiva8.htm
Aliás, o Germina disponibiliza toda uma 'fortuna crítica' sobre o Piva, majoritariamente sob a óptica da 'transgressão' – enquanto C. Willer (em “A Poesia do Milênio Seguinte”) ressalta dois aspectos: a estilística de Piva e o fato do poeta ter sido 'ignorado', praticamente 'varrido para debaixo do tapete'. Em entrevista (veremos) Piva comenta justamente este 'silêncio' da Crítica, ignorando-o.

Após a leitura de Willer, encontramos a de Maria Estela Guedes também abordando a estilística numa aproximação com a vanguarda surrealista. É no Surrealismo, que a crítica encerra o xamanismo, o esoterismo da Poeta - e de sua Poesia. Os racionalistas concedem um estado de 'não-razão' para encaixar a poesia xamanista-existencial. O 'xamanismo é surrealismo' – e portanto já está datado. Modernismo já está datado. Não é algo além – é um 'estilo de época'. Coisa que Piva, no mínimo, responderia com boas risadas, ou expansivo sarcasmo (que logo seria classificado como 'agressivo sarcasmo'). Xamanismo é outra coisa. É outra forma de ver o mundo. Assim como Budismo não simplesmente não-Hinduísmo, ou o Islamismo não é não-Cristianismo. (Uma identidade X, não uma categoria não-Y...)

Aliás, religião é algo indigesto para o Poeta Piva. Isso de religiosidade e piedade sem o aspecto dionisíaco da vida era um conto da carochinha. A verdadeira religiosidade congrega aspectos de apolíneo e dionisíaco pelo simples motivo que somos apolíneos-dionisíacos, estamos em bipolaridade, ora up ora down, somos excelentes médicos e monstros. Ora beijamos as criancinhas, ora abusamos das criancinhas. Ora salvamos a pátria, ora bombardeamos países inteiros. (Isso de apolíneo-dionisíaco está na Obra de F. Nietzsche quando analisou a tragédia grega e os rituais de Dionísio...)

Os aspectos do Xamanismo são reduzidos a 'alucinação' ou 'estranho' ou 'orgia', mas nada disso se encaixa – uma vez que é outro modo de viver (aliás, sentir) o mundo. Não há palavras em nossa linguagem racionalista para expressar uma viagem de alucinógenos, por exemplo. Os pajés têm toda uma outra percepção de existência que nos escapa. Assim o xamanismo nem seria 'anti-iluminista', mas pré-Iluminismo – assim como as demais religiões (com a exceção do espiritismo-kardecista), quando o xamanismo seria anticartesiano – ao não separar corpo e pensamento, existir e pensar, ao trocar o 'penso, logo existo' pelo 'sinto, logo sou'. O animal-homem não é mais vítima do homem-consciência. Tudo se integra no sentir.

A crítica de Maria Estela Guedes está disponível em
http://www.triplov.com/poesia/roberto_piva/estrangeiro/index.htm
No polo 'transgressão' – que tem ainda o foco sobre a Biografia – temos o ensaio que aborda o homossexualismo do Poeta. E tentam aquela 'leitura de gênero' – há uma literatura de homem branco, de homem negro, de mulher branca, de mulher negra, de homossexual, de lésbica, etc – como se a Arte fosse uma mera coleção de segmentos próprios de cada 'sexualidade' ou 'opção sexual' – havendo um 'modo heterossexual de escrita' ou uma 'escrita homossexual', etc.

Não apenas uma homossexualidade revelada, mas uma homossexualidade AGRESSIVA, onde o reprimido se volta com agressão contra a sociedade repressora. Alguns críticos batem nessa tecla sem escrúpulos. Como se o escritor homossexual precisasse agora dar um 'revide' nos 'normais', padronizados – atacando a cultura (a Cultura golpeada pela Contracultura ) mas somente uma cultura pode 'substituir' uma outra cultura, não basta 'criticar'. Tanto que depois de aliviar a repressão depois dos anos 60 e 70, com a liberação da libido, a burguesia conservou a civilização da exploração da mais-valia. Mudou para continuar o mesmo. Invalidou assim as críticas de Marcuse e Reich, por exemplo, ao conceder a liberdade de sexo e mercado, e negar a autonomia política.

É como se o autor 'pervertido' precisa defender-se atacando – daí o 'desprezar' os piedosos, os certinhos, os que vivem no 'senso comum' – tal como explícito no poema "A Piedade", segundo a crítica de Adriano Bitarães Netto, no Estudo de Obras Vestibular UFMG 2008, que cita o poema,
eu iria a bailes onde eu não poderia
levar meus amigos pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e
eles diriram que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso...
e em seguida assim julga a 'poética' de Piva dentre os demais 'marginais',
A escrita de Piva é feita para 'desauralizar' a santidade de um sociedade hipócrita, para desestabilizar os valores 'éticos' que são instituídos sem qualquer ética. Por isso seus textos agridem uma sociedade que é extrememamente agressora, ferem os ouvidos de quem se julga 'ingênuo', 'digno', 'prudente'. Essa violência (sic) aparece em sua poética principalmente por meio de takes que retomam artistas, muitos dele marginais, considerados como 'transgressores' ou 'pervertidos' sexuais [...]”

aqui o crítico lembra a questão da 'perda da aura' do poeta, tematizada em Baudelaire e analisada por Walter Benjamin, filósofo judeu-alemão leitor atento do flâneur parisiense, à cerca do momento moderno quando a Arte perde a 'aura' e se integra como mais uma mercadoria. Em seguida mostra com coerência que Piva despreza a hipocrisia reinante – mas então desliza feio quando aponta uma 'violência' na fala poética – enquanto a violência é do sistema que vem coagir a espontaneidade – o poeta é antes uma vítima que esperneia diante dos golpes da repressão! A 'violência' é da instituição – não do Poeta! O rótulo de 'pervertido' é dado pelo 'instituído' não pelo eu-lírico.

Tal visão do Outro enquanto Agressor ('eu sou o perverso e detesto o normal', p.ex.) diminuíria a abrangência da poética do 'marginal' Piva, segundo alguns leitores ( e críticos). Mas preconceito por preconceito, tal fato revela antes a perpetuação de rótulos – e segmentação de mercado, onde gays leem autores GLS, e os heterossexuais leem os autores do Movimento Machão Mineiro (MMM). A Literatura perde um tom universal e se dividem em gêneros – literatura GLS, feminista, negra, asiática, etc, o que mostra a explosão de particularismo (e se dizendo 'multiculturalismo, pluralidade, um everest de nomes pomposos...)

Ora, os autores que amamos não escrevem para 'segmentos de mercado' – ainda que identificações existam – pois não vamos ler Whitman porque ele é homossexual (ou bissexual), mas porque é o grande poeta Whitman. E não apenas homossexuais (e/ou bissexuais) leem Whitman, pelo contrário! (Caso fosse assim, antes de ler um autor eu teria que pesquisar qual a opção sexual do artista, e caso ele/ela não se encaixe na 'minha opção', então é ignorado, descartado.)

Seria cômico (quando não trágico) se alguém dissesse não ler mais o Proust porque o 'romancista da memória' era um homossexual, ou queimar livros de Oscar Wilde em praça pública porque 'atenta contra a moralidade'. Passamos esta época (ou esperamos ter passado...)

Sorte nossa é que o crítico se apercebe disso, quando deixa claro,

Sua escrita, no entanto, não é militante, mas crítica. Segundo o próprio poeta, essa idéia de “se assumir” gay, lésbica é uma reprodução de um modelo bancário de sociedade, que tenta dividir as coisas, rotular para controlar. Dizer como cada um deve ser e se comportar. Sua afirmação da homossexualidade se dá pela primazia do sexo como manifestação e afirmação da potência de vida, exercício da liberdade sobre formas repressoras de controle social.
Impressionante como a nossa instância Crítica precisa de 'rotulações' e compartimentos – assim a equação homossexualidade = transgressão se colou à Poética de Piva – e não saiu nem depois da morte do Poeta! Reduz toda a Obra a uma dúzia de subtemas e subtítulos e estamos conversados. O Poeta deve ser logo catalogado.

Assim a Crítica sobre a Poesia de Piva oscila ora entre a Biografia – o poeta porra-louca – ou a tentativa de encaixar a Poética numa órbita já 'catalogada' (o Surrealismo, por exemplo), sem adentrar o 'universo simbólico', ou seja, sem realmente SENTIR a Obra. Não se trata de julgar, ou compreender (quem compreende quem?), mas de se colocar na PERSPECTIVA do Poeta. Ao se ler um poema o/a leitor/a sentirá em si SER o/a Poeta.

A experiência da Leitura é a Alteridade – o sentir-se outro. Rimbaud já dizia, “Eu sou um Outro” (“Je suis un autre”) e o leitor sai de sua prisão mental e re-vivifica o/a Poeta – quando eu leio Whitman, EU SOU Whitman, quando eu leio Álvares de Campos (Fernando Pessoa) EU SOU Álvares de Campos. Eu estou diante da Tabacaria, eu mesmo entoo canções em honra de mim mesmo.

Ser o Outro é aceitar o Outro, é mudar de Perspectiva – é deixar a condição de 'homem unidimensional' (como diria Marcuse) e ter um olhar em prisma, em perspectivas várias, assim como deseja o Whitman, que percebia contradizer porque elee era capaz de 'conter multidões' dentre de si mesmo. O Canto a Mim Mesmo seria um manifesto de egocentrismo e individualismo caso não tivesse esse valor pluralista.

No mais, definir Piva – ou qualque outro poeta/artista - como 'marginal' é uma forma de encaixar o Poeta em algum rótulo, em algum canto da sociedade – mesmo que fora! 'Marginal' como assim ? Que identidade é essa? Um menino da FEBEM gosta de ser chamado de 'marginal' ?

Definir se Piva é 'direita' ou 'esquerda' – se é revolucionário ou contra-revolucionário – é tentar politizar através de rótulos o que é mais amplo que as questões de ação política. A Poética de Piva é um desabafo mais que um panfleto – e muitas vezes ele mesmo ironizou as 'plataformas políticas' – basta ver os Manifestos – o “Manifesto Utópico Ecológico em Defesa da Poesia e do Delírio” e o “Manifesto da Poesia Xamânica e Bio-Alquímica”,

Os partidos políticos brasileiros não têm nenhuma preocupação em trazer a UTOPIA para o quotidiano. Por isso em nome da saúde mental das novas gerações eu reivindico o seguinte:
1 - Transformar a Praça da Sé em horta coletiva & pública.
2 - Distribuir obras dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da Febem, únicos capazes de transformar a violência & angústia de suas almas em música das esferas.
3 - Saunas para o povo.
[...]
O que a poesia 'xamânica' demonstra é que a Civilização (Kultur) só é possível devido a repressão dos intintos, através da 'renúncia instintiva' – principalmente libidinal, sexual – que abafa o animal humano com uma consciência moral. E quando se quer seguir o animal é o sujeito logo rotulado de 'bárbaro' – e passa a sofrer a culpa (ou o 'mal-estar na civilização', como dizia Freud)
Aqui temos um Piva já encaixado numa 'tradição' (ou seja, depois de 50 anos, os beatniks já são clássicos!) Segundo o prof. Pécora (Alcir Pécora, literato da Unicamp) citado por Grings, Piva seria um leitor voraz, compulsivo, igual a um Álvares de Azevedo, um Dostoiévski, um Baudelaire, um Borges, um 'antropófago' da literatura alheia igualzinho a um Oswald de Andrade. A tecer um 'rol de citações' o Poeta entra naquele dialoguismo, naquela intertextualidade que mostra um debruçar metalinguístico da literatura sobre o próprio fazer literário. “Ler Piva é se deparar com literatura embebida em literatura que fala o tempo todo de literatura”. Assim, a obra de Piva é literatura de absorção de influências, não apenas um delírio iconoclasta ou transgressão de um homossexual reprimido. Tem um valor literário – não é mero desabafo para ruborizar mocinhas inocentes e piedosas senhoras.
Em Paranoia, isso fica muito claro com orfeus amortalhados, Dotoiévskis em ciclone de almofadas, anjos de Rilke dando nos mictórios e a estátua de Álvares de Azevedo sendo devorada pela paisagem de morfina. Lá está também García Lorca, à espera do seu dentista ou num hospital da Lapa, e até mesmo Rimbaud, passeando na Praça da República. Piva gosta de incorporar explicitamente suas referências, dando nome aos bois e deixando atordoado o leitor médio com um incontável rol de citações.
A Poética de Piva então toma corpo literário a ponto de sair do biografismo – sobreviver ao Autor – aqui tem validade LER a Obra mais do que preocupar-se com as opções sexuais de quem escreve/declama. A Obra tem valor em si-mesma? Então vamos ler. Assim o texto de Grings tem um grande valor aqui ao ser escrito em março de 2010, durante a crise fatal que vitimou o poeta. (Roberto Piva passava por internações, devido ao mal de Parkinson)

Após a morte do Poeta

No blog de Celso Barbieri, temos uma postagem de 3 de julho dedica um espaço a rememorar a importância cultural de Roberto Piva, não apenas na literatura, na poesia, mas na música, na Contracultura.
Mas o mais interessante é uma entrevista dada por Piva ao Ricardo Lima, que propõe perguntas que remetem às críticas de Pécora, sobre a contextualização da poética de Piva na 'geração Beatnik', influências de Whitman e Fernando Pessoa, além de uma não-inserção no concretismo ou na 'tradição cabralina' (de João Cabral de Melo Neto),

RL: Seus primeiros livros (em 1963 e 1964), conforme nos apresenta Alcir Pécora no prefácio da obra reunida, tem um "viés beat, whitmanniano e pessoano". Você ignora o concretismo, não adere à poesia participante, de conteúdo social e, tampouco, segue a secura da tradição cabralina. O verso livre, desprovido de toda e qualquer regra, era também um grito de liberdade naquele momento de sufoco e repressão?

RP: Que sufoco? Isso era muito relativo, os militares não ficavam atrás de você o dia inteiro. Eles ficavam lutando bang-bang com os terroristas e deixavam o resto da população em paz. O verso livre tem a ver, antes de mais nada, com o estilo da minha vida.

Aqui o Poeta deixa claro que não escreve para os outros, mas por ser a escrita parte integrante da vida – do modo de vida – e não vive em referência à estilos de época – seguir um movimento poético. Por isso é difícil encaixar o Piva num dado movimento – ele é beatnik? É surrealista? É o que? É subversivo, mas não é engajado? É subversivo, mas não é terrorista? Se julga acima dos comunistas (“os comunistas são piedosos”) se julga acima dos religiosos, os normalpatas ? Como assim se 'julga acima'? O poeta não está numa 'torre de marfim' – dá aulas, é professor, luta para sobreviver, tem uma doença crônica – conhece o mundo em que vive – a condição histórica da condição humana. O desejo do Poeta? Viver o próprio modo de vida – sem restrições – e não contra quem quer que seja.

Na entrevista, Piva ressalta também o silêncio da crítica que insistia em ignorar um Poeta que não enquadrava em 'rotulações', o que desafia o próprio 'saber crítico' que se sente incapaz de 'conter multidões' ou 'multiplicidades de interpretações', como é notório na própria Poesia,

RL: Segundo Alcir Pécora, esse primeiro momento já traz algumas características marcantes da sua "poesia explosiva": o jogo de extremos e a escolha do autor ("condição desta escrita libertina"); a centralidade do sexo e a tangência do sagrado ("ato profanatório ou excesso amoroso e orgiástico"); e, por fim, a recusa ao sentido (a incompreensão como "um tipo de violência exigida pelo verso novo contra o comodismo"). Como a crítica, na época, reagiu a essa novidade poética?

RP: Ela não reagiu. Não saiu nada. O Pasolini, depois de cineasta famoso, publicou um livro que foi ignorado. Ele mesmo teve que fazer uma resenha, com pseudônimo, para chamar atenção da crítica e ter o trabalho reconhecido.

Na edição de 4 de julho deste ano (2010) o jornal Globo (online) assim anuncia a morte do poeta (esquecido, sem recursos num leito de hospital) “Morre aos 72 anos o poeta Roberto Piva, grande nome da poesia marginal” - até no obituário do poeta os jornalistas não podem deixar de colocar um rótulo – então Piva é isso aí? Um 'poeta marginal'. Na verdade, ele não é marginal – ele não está à nossa margem , nós é que estamos à margem dele.

No mais, a Poesia é uma Arte para poucos - “agora, você está assustado que a Poesia é uma arte minoritária? Ela sempre vai ser uma arte minoritária...!” dizia o próprio Piva. A Poesia não feita por gente que apenas lê poesia – ler é um dos pilares! - mas por gente que vivencia a Poesia, que é possesso pela Poesia, que incorpora a fala xamânica da Poesia!

Set/10

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

dois poemas de SYLVIA PLATH




SYLVIA PLATH


Rival


Se a lua sorrisse, se pareceria contigo
Deixas a mesma impressão
De algo belo, mas aniquilante.
Ambos não têm luz própria.
De boca aberta ela sofre pelo mundo; a tua
é indiferente,
E teu talento é transforme tudo em pedra.
Acordo num mausoléu; estás aqui,
Tateando a mesa de mármore em busca de cigarros,
Ressentido tal um mulher, mas não tão nervoso,
E doido pra dizer algo irrespondível.


A lua também humilha os súditos,
Mas de dia ela é ridícula,
Tuas insatisfações, de outro modo,
Vem pelo correio com amável regularidade,
Em branco e vazias, expansivas igual monóxido de carbono.


Nenhum dia está salvo de notícias tuas,
Andando pela África, talvez, mas pensando em mim.


Trad. Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com


SYLVIA PLATH


THE MOON AND THE YEW TREE

(trad. Leonardo de Magalhaens)


Esta é a luz da mente, fria e planetária,
A árvore da mente está escurecida. A luz azulada.
O relvado joga as mágoas deles aos meus pés
como se eu fosse Deus,
Espetando meus tornozelos e murmurando deles
a humildade
Esfumaçadas, espirituosas névoas habitam este lugar
Afastadas de minha casa por uma fileira de lápides.
Simplesmente não posso ver até onde se estendem.


A lua não é porta. É uma face em seu próprio direito.
Alva tal um punho cerrado e terrivelmente transtornado.
Ela draga o mar atrás de si tal um crime obscuro,
calma
com o bocejo de completo desespero. Eu vivo aqui.
Duas vezes aos domingos os sinos estremecem os céus -
Oito grandes línguas afirmando a Ressurreição.
Ao fim, sóbrias proclamaram os próprios nomes.


O freixo aponta acima. Tem uma forma gótica.
Os olhos se elevam em seguida e encontram a lua.
A lua é minha mãe. Ela não é doce igual Mary.
Dela azuladas vestes soltam pequenos morcegos e
corujas.
Como eu gostaria de acreditar na ternura -
A face da efígie, abrandada pelas velas,
Descendo, sobre mim em particular, seus olhos
meigos.


Tenho caído um longo caminho. Nuvens deslizando
Azuladas e místicas sob a face das estrelas
Dentro da igreja, os santos estarão todos azulados,
Flutuando com seus pés delicados sobre os bancos frios,
Deles as mãos e faces rígidas de santidade.
A lua nada vê disso. Ela calva e selvagem.
E a mensagem do freixo é escuridão - escuridão
e silêncio

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original poem em
http://www.sylviaplathforum.com/thread.html

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mais sobre Sylvia Plath
http://www.culturapara.art.br/opoema/sylviaplath/sylviaplath.htm
http://www.sylviaplath.de/plath/portpoems.html
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sábado, 2 de outubro de 2010

Eles são piedosos.... (A Piedade) R. Piva




Eles são piedosos...

(releitura-paródia de “A Piedade” de Roberto Piva)

Os poetas são piedosos
Os democratas são piedosos
Os padres progressistas são piedosos
A classe média é piedosa.
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Os eco-capitalistas são piedosos
Os social-capitalistas são piedosos
Os social-democratas são piedosos
O meu patrão neoliberal é piedoso
O meu patrão espírita é piedoso
Os banqueiros, os senhores deputados
são piedosos.
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O partido trabalhista é piedoso
Os agentes secretos e os torturadores
são piedosos
Os companheiros são piedosos
As Elites são piedosas
Os ecologistas e os religiosos midiáticos
são plenamente piedosos.
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O getulismo é piedoso
A oposição é piedosa
Os inúteis senadores são piedosos
Os médicos e os suicidas
são claramente piedosos.
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Os promotores de festinhas e
os marketeiros
são piedosos
Os párias e os bastardos são
piedosos
Os movimentos sociais são piedosos
Os amigos e os inimigos são piedosos.
A minha ex-namorada é piedosa
O meu ex-amante é piedoso
O amante da minha mulher é piedoso
O pederasta do meu ateneu é piedoso.
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Os fiscais de trânsito são piedosos
Os rodoviários são piedosos
Os especialistas em radiação &
Os empresários do agronegócio &
Os excelentíssimos juristas &
Os aposentados são piedosos.
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Os sambistas e os bicheiros
são piedosos
Os decadentes e os filisteus
são piedosos
Os estadistas e os futebolistas
são piedosos
Os editores e os filantropos
são piedosos.

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Os jogadores de futebol são piedosos
Os profissionais liberais são piedosos
Os professores universitários são piedosos
Os patrocinadores de cultura são piedosos
Os metaleiros do Senhor são piedosos.
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Os cristãos de fim-de-semana são piedosos
Os cristãos de boca de urna são piedosos
A candidata governista é piedosa
A candidata alternativa é piedosa
O candidato opositor é piedoso.
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Só eu que não sou piedoso.

26set10

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A PIEDADE

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedosose eu fosse piedoso
meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudeseu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos.
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Roberto Piva
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