Lord Byron
Linhas Inscritas numa Taça feita de Crânio Humano
Lines Inscribed upon a Cup formed from a Skull
1.
De início não me julgue sem gênio:
Não veja em mim apenas o crânio,
Do qual, não sendo cabeça viva,
Deixa fluir sem perder o ânimo.
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2.
Vivi, amei, bebi, do mesmo modo:
Morri: deixe à terra os meus ossos;
Encha a taça – a mim não é ofensa;
O verme tem lábios mais toscos.
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3.
Melhor conter a uva radiosa,
Que abrigar as larvas na lama;
Conter num formato de taça
A bebida divina, longe da cova.
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4.
Onde outrora brilhou o gênio,
Deixe agora brilhar para outros;
Ah!, quando se perde os miolos,
Há melhor recheio que o vinho?
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5.
Beba enquanto pode! Outros virão
Depois de nós, a ficarem iguais;
Livre-se do abraço da terra
Recite e festeje com um morto.
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6.
Por que não? No dia-a-dia da vida
Nas cabeças abrigamos tristezas;
Salvo dos vermes e do barro,
Ao menos ter alguma utilidade.
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Lord Byron
Lines Inscribed upon a Cup formed from a Skull
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1.
Start not--nor deem my spirit fled:
In me behold the only skull,
From which, unlike a living head,
Whatever flows is never dull.
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2.
I lived, I loved, I quaff'd, like thee:
I died: let earth my bones resign;
Fill up--thou canst not injure me;
The worm hath fouler lips than thine.
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3.
Better to hold the sparkling grape,
Than nurse the earth-worm's slimy brood;
And circle in the goblet's shape
The drink of Gods, than reptile's food.
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4.
Where once my wit, perchance, hath shone,
In aid of others' let me shine;
And when, alas! our brains are gone,
What nobler substitute than wine?
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5.
Quaff while thou canst: another race,
When thou and thine, like me, are sped,
May rescue thee from earth's embrace,
And rhyme and revel with the dead.
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6.
Why not? since through life's little day
Our heads such sad effects produce;
Redeem'd from worms and wasting clay,
This chance is theirs, to be of use.
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Newstead Abbey, 1808.
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A tradução (ou transcriação)
feita pelo poeta brasileiro Castro Alves
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A uma taça feita de um crânio humano
(Traduzido de Byron)
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“Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás — pobre caveira fria —
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.
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Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.
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Mais val guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
—Taça — levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do reptil.
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Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro...
Podeis de vinho o encher!
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Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.
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E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lodo
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...”
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Bahia, 15 de dezembro de 1869
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