sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Poema de Tristan Corbière




CRIS D'AVEUGLE

(1873, de Tristan Corbière)

Grito do Cego

O olho morto não morreu
Ainda mais a fenda cresceu
Pregado, estou sem caixão
No olho um prego então
O olho morto não morreu
Ainda mais a fenda cresceu

Deus misericors
Deus misericors
O martelo me prega à cruz
O martelo que fará a cruz
Deus misericors
Deus misericors


As aves agourentas
Sobre o meu corpo em tormentas
Meu Gólgota não findou
"Por que, por que me abandonou?"
Pombas da Morte agourentas
Sobre o meu corpo, sedentas.

Lamma, lamma sabachtani?
Lamma, lamma sabachtani?

Rubra, aberta à mostra
A ferida está exposta
Como gengiva doente
De uma velha sem dente
A ferida está exposta
rubra, abertura à mostra


Vejo círculos dourados
O sol tem me devorado
Tenho dois furos internos
Rubros da forja do inferno
Vejo círculos dourados
O fogo tem me devorado

Do âmago me esvai
Uma lágrima que sai
Vejo dentro do paraíso
Miserere de profundis
De meu crânio se esvai
Em prantos que sai

Bem-aventurados os mortos
Salvos dormem os mortos
Felizes os mártires, eleitos
À Virgem e à Jesus afeitos
Ó bem-aventurado o morto
Julgado dorme o morto


Um cavaleiro lá fora
Repousa, sem remorsos, agora
Em um cemitério bendito
Em um sono de granito
Homem de pedra lá fora
Olhos sem remorso agora.

Ó ainda sinto com ardor
Searas amarelas d'Amor
Sinto o rosário em minha mão
E Cristo em sua crucifixão
Ainda pasmo com fervor
Ó céu defunto d'Amor.

Perdoe-me rezar tão forte
Senhor, eis a minha sorte
Meus olhos, pias ardentes
O diabo furou insolente
Perdoe-me gritar tão forte
Senhor, contra a minha sorte

Posso ouvir o vento do norte
Uma buzina num acorde
Eis o clamor dos finados
É meu o ladrar angustiado
Posso ouvir o vento do norte
Posso ouvir dos sinos o acorde

(1873)

Tristan Corbière

trad. leonardo de magalhaens

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