CRIS D'AVEUGLE
(1873, de Tristan Corbière)
Grito do Cego
O olho morto não morreu
Ainda mais a fenda cresceu
Pregado, estou sem caixão
No olho um prego então
O olho morto não morreu
Ainda mais a fenda cresceu
Deus misericors
Deus misericors
O martelo me prega à cruz
O martelo que fará a cruz
Deus misericors
Deus misericors
As aves agourentas
Sobre o meu corpo em tormentas
Meu Gólgota não findou
"Por que, por que me abandonou?"
Pombas da Morte agourentas
Sobre o meu corpo, sedentas.
Lamma, lamma sabachtani?
Lamma, lamma sabachtani?
Rubra, aberta à mostra
A ferida está exposta
Como gengiva doente
De uma velha sem dente
A ferida está exposta
rubra, abertura à mostra
Vejo círculos dourados
O sol tem me devorado
Tenho dois furos internos
Rubros da forja do inferno
Vejo círculos dourados
O fogo tem me devorado
Do âmago me esvai
Uma lágrima que sai
Vejo dentro do paraíso
Miserere de profundis
De meu crânio se esvai
Em prantos que sai
Bem-aventurados os mortos
Salvos dormem os mortos
Felizes os mártires, eleitos
À Virgem e à Jesus afeitos
Ó bem-aventurado o morto
Julgado dorme o morto
Um cavaleiro lá fora
Repousa, sem remorsos, agora
Em um cemitério bendito
Em um sono de granito
Homem de pedra lá fora
Olhos sem remorso agora.
Ó ainda sinto com ardor
Searas amarelas d'Amor
Sinto o rosário em minha mão
E Cristo em sua crucifixão
Ainda pasmo com fervor
Ó céu defunto d'Amor.
Perdoe-me rezar tão forte
Senhor, eis a minha sorte
Meus olhos, pias ardentes
O diabo furou insolente
Perdoe-me gritar tão forte
Senhor, contra a minha sorte
Posso ouvir o vento do norte
Uma buzina num acorde
Eis o clamor dos finados
É meu o ladrar angustiado
Posso ouvir o vento do norte
Posso ouvir dos sinos o acorde
(1873)
Tristan Corbière
trad. leonardo de magalhaens
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