sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Iguais às coisas feitas de barro




REINER KUNZE

(Oelsnitz, Sachsen, RDA, 1933)


Wie die ding aus ton

Iguais às coisas feitas de barro


"Mas eu junto as minhas metades

igual a um despedaçado vaso feito de barro"

(Jan Skácel, carta de fevereiro 1970)


1.

Queremos ser iguais as coisas feitas de barro

Existência para aquele(a)s

às cinco horas da matina a beber café

na cozinha

reunidos nas mesas mais modestas

Queremos ser iguais as coisas feitas de barro, feitas

da terra dos canteiros

Ainda que ninguém conosco possa matar


Queremos ser iguais as coisas feitas de barro

No meio

de tanto

aço

rolante

2.

Nós seremos iguais aos cacos

das coisas feitas de barro: não mais

algo completo, talvez

algo brilhante

no vento.

.

Trad. Leonardo de Magalhaens

.

.

Wie die dinge aus ton


Aber ich klebe meine hälften zusammen

Wie ein zerschlagener topf aus ton.

(Jan Skácel, brief vom februar 1970)


1.

Wir wollten sein wie die ding aus ton

Dasein für jene,

die morgens um fünf ihren Kaffee trinken

in der küche


Zu den einfachen tischen gehören


Wir wollten sein wie die dinge aus ton, gemacht

aus erde vom acker


Auch, dass niemand mit uns töten kann


Wir wollten sein wie die dinge aus ton

Inmitten

soviel

rollenden

stahls

2.

Wir werden sein wie die scherben

der dinge aus ton: nie mehr

ein ganzes, vielleicht

ein aufleuchten

im wind.
.

.

mais info sobre o autor em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Reiner_Kunze



quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

WALT WHITMAN - A um estranho





WALT WHITMAN




TO A STRANGER

A um Estranho




Estranho que vai passando! Você não sabe o quanto tenho te
olhado,

Você deve ser aquele que eu procurava, ou aquele que eu
procurava, (e veio a mim tal um sonho)

Em algum lugar certamente vivi uma vida feliz ao seu lado.

Recordo tudo quando quase nos encostamos, fluídos, afetivos,
castos, maduros,

Você cresceu ao meu lado, e foi um menino ou uma menina,

Comemos e dormimos juntos, seu corpo não era apenas seu
Nem meu corpo apenas meu,

Entrega-me o prazer de seus olhos, face, carne, quando passamos,
você leva minha barba, meu peito,
minhas mãos,

A você nada direi, eu fico a pensar em ti quando estou sentado
sozinho ou acordado noite adentro,

Estou a esperar, não duvido que te encontrarei novamente,

Estarei atento para não te perder.



Trad. Livre by Leonardo de Magalhaens

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Baudelaire - A une passant










CHARLES BAUDELAIRE

A une passant

A uma passante


A rua ruidosa em torno de mim.
Alta, pesarosa, dor majestosa
Uma mulher passa, com mão faustosa
Erguendo, balançando a saia assim;

Ágil e nobre, de estátua o porte.
Eu bebia, louco tal extravagante,
No olhar, céu lívido e ondulante,
Doçura a fascinar, prazer de morte.

Clarão... e a noite! – Fugitiva beldade
Com olhar que me fez assim renascer,
Não te verei senão na eternidade?

Longe daqui! Tarde! Nunca mais rever
Pois não sei onde vais, onde vou não sabes,
Ó tu que eu amaria, tu bem o sabes!


Trad. Livre by Leonardo de Magalhaens

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Poema de Tristan Corbière




CRIS D'AVEUGLE

(1873, de Tristan Corbière)

Grito do Cego

O olho morto não morreu
Ainda mais a fenda cresceu
Pregado, estou sem caixão
No olho um prego então
O olho morto não morreu
Ainda mais a fenda cresceu

Deus misericors
Deus misericors
O martelo me prega à cruz
O martelo que fará a cruz
Deus misericors
Deus misericors


As aves agourentas
Sobre o meu corpo em tormentas
Meu Gólgota não findou
"Por que, por que me abandonou?"
Pombas da Morte agourentas
Sobre o meu corpo, sedentas.

Lamma, lamma sabachtani?
Lamma, lamma sabachtani?

Rubra, aberta à mostra
A ferida está exposta
Como gengiva doente
De uma velha sem dente
A ferida está exposta
rubra, abertura à mostra


Vejo círculos dourados
O sol tem me devorado
Tenho dois furos internos
Rubros da forja do inferno
Vejo círculos dourados
O fogo tem me devorado

Do âmago me esvai
Uma lágrima que sai
Vejo dentro do paraíso
Miserere de profundis
De meu crânio se esvai
Em prantos que sai

Bem-aventurados os mortos
Salvos dormem os mortos
Felizes os mártires, eleitos
À Virgem e à Jesus afeitos
Ó bem-aventurado o morto
Julgado dorme o morto


Um cavaleiro lá fora
Repousa, sem remorsos, agora
Em um cemitério bendito
Em um sono de granito
Homem de pedra lá fora
Olhos sem remorso agora.

Ó ainda sinto com ardor
Searas amarelas d'Amor
Sinto o rosário em minha mão
E Cristo em sua crucifixão
Ainda pasmo com fervor
Ó céu defunto d'Amor.

Perdoe-me rezar tão forte
Senhor, eis a minha sorte
Meus olhos, pias ardentes
O diabo furou insolente
Perdoe-me gritar tão forte
Senhor, contra a minha sorte

Posso ouvir o vento do norte
Uma buzina num acorde
Eis o clamor dos finados
É meu o ladrar angustiado
Posso ouvir o vento do norte
Posso ouvir dos sinos o acorde

(1873)

Tristan Corbière

trad. leonardo de magalhaens

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Elegia 1938 / Elegy 1938 - CDA


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


ELEGIA 1938


Elegy 1938


You work without joy for a so very old world,
where the forms and the actions do not keep any example.
You practice so hardly the universal gestures,
you feel heat and coldness, lack of money, hunger and sexual wish.


Heroes fill the parks of the city in where you crawl through,
and they praise the virtue, the resignation, the cold-blood, the conception.
At night, if fog, they open umbrellas from bronze
or they are gathered to the volumes of sinister libraries.


You love the night for the power of annihilation that it keep in
and you know that, sleeping, the problems excuse you of dying.
But the terrible awakening proves the existence of the Great Machine
and it puts you back, little one, in view of indecipherable palms-trees.


You walk among the dead and you talk with them
about things of the future time and business of the spirit.
The literature ruined your best hours of love.
To the telephone you wasted much, much time to sow.


Proud heart, you are in a hurry to confess your defeat
and to postpone for another century, the collective happiness.
You accept the rain, the war, the unemployment and the unfair distribution
because you cannot, alone, explodes the Manhattan island.


Trad. Livre by Leonardo de Magalhaens



Elegia 1938


Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,

onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,

sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.


Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze

ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.


Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra

e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.

Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina

e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.


Caminhas entre mortos e com eles conversas

sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.

A literatura estragou tuas melhores horas de amor.

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.


Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século, a felicidade coletiva.

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CDA - The flower and the nausea





Carlos Drummond de Andrade

A FLOR E A NÁUSEA
The flower and the nausea

Held to my class and some clothes,
I go in white through the grey street.
Melancholies, products, goods spy on me.
Must I follow up to the nausea?
Can I, without guns, to revolt ?

Dirty eyes in the clock of the tower:
No, the time did not arrive of complete justice.
The time is still of feces, bad poems, hallucinations
and wait.
The poor time, the poor poet
melted on the same impasse.

In vain I try to explain myself, the walls are deaf.
Under the skin of the words there are ciphers and codes.
The sun consoles the patients and does not renew them.
The things. What so sad are the things considered
without emphasis.

To vomit this boredom on the city.
Forty years and no problem
resolved, even put.
No letter written nor received.
All the men return for their houses.
They are less free but they take newspapers
and they spell the world, knowing that they lose it.

Crimes of the land, can I to forgive them?
I took part in many, hid others.
I found them beautiful, they were published.
Gentle crimes, which they help to survive.
Daily ration of mistake, distributed at house.
The ferocious bakers of the evil.
The ferocious milkmen of the evil.

To put fire in everything, inclusive in me.
To a boy of 1918 they were calling anarchist.
However my hate is my best.
With it I escape
and I give to few ones a little hope.

A flower was born in the street!
Pass from far away, trams, bus, river of steel
of the traffic.
A flower still discolored
Delude the police, it breaks the asphalt.
Do complete silence, paralyse the business,
I guarantee that a flower was born.

Its color is not perceived.
Its petals do not open.
Its name is not in the books.
It's ugly. But it's really a flower.

I sit down in the ground of the capital of the country
at five hours of the afternoon
And slowly I pass the hand in this insecure form.
From the side of the mountains, massive clouds increase.
Small white points are moved in the sea, chickens
in panic.
It's ugly. But it's a flower. It pierced the asphalt,
the boredom,
the loathing and the hate.


Trad. Livre by Leonardo de Magalhaens

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

NIETZSCHE - A Canção Noturna





NIETZSCHE

DAS NACHTLIED
A CANÇÃO NOTURNA

Tradução: LEONARDO DE MAGALHAENS

A noite caiu: ressoam agora todas as fontes transbordantes. E também minha alma é uma fonte transbordante.
A noite caiu: agora despertam todas as canções daqueles que ama. E também minha alma é a canção daqueles que amam.
Há algo insaciado, insaciável em mim, e deseja falar. Um desejo de amor, em mim, que fala a própria linguagem do amor.
Eu sou luz: ah, se eu fosse noite! Porém eis a minha solidão: estou cercado de luz.
Ah, se eu fosse sombrio e noturno! Como eu desejaria sugar os seios da luz!
E até vós mesmos, eu abençoaria, pequenos astros cintilantes e vagalumes,
nas alturas! - e seria feliz com as vossas dádivas de luz.
Porém eu vivo em minha própria luz, absorvo em mim mesmo as chamas que saem de mim.
Não conheço a alegria dos que recebem: e muitas vezes tenho sonhado que roubar é melhor do que receber.
Eis a minha pobreza: que minha mão não pára de dar presentes; é esta a minha inveja: que vejo olhos à espera e as noites iluminadas de Desejo.
Ó desgosto de todos os generosos! Ó eclipse de meu sol! Ó desejo de desejar! Ó fome devorante na saciedade!
Eles recebem os meus presentes; porém ainda atingirei as almas deles? Existe um abismo entre o dar e o receber; e também o menor dos abismos deve ser transposto.
Uma fome brota de minha beleza: desejaria ferir aqueles que ilumino; desejaria saquear aqueles que presenteio: pois tenho fome de maldade.
Afastar a mão, quando a outra se lhe estende; hesitar, tal uma cascata, que hesita ao precipitar-se: pois tenho fome de maldade.
Minha riqueza medita tal vingança: tal malícia nasce de minha solidão.
Minha alegria em dar extinguiu-se ao dar, minha virtude cansou-se de si mesma em sua abundância.
Quem presenteia, corre o perigo de perder a vergonha; quem sempre compartilha, de tanto compartilhar, cria calos em suas mãos e coração.
Meus olhos não choram mais diante da vergonha dos suplicantes; minha mão está muito áspera, para sentir o tremor das mãos satisfeitas.
Onde estão as lágrimas de meus olhos e a leveza de meu coração? Ò solidão de todos os generosos! Ò silêncio de todos os doadores de luz!
Muitos sóis gravitam nos espaços vazios: para toda a escuridão eles falam através da luz - comigo, continuam silenciosos.
Oh, essa é a inimizade da luz contra tudo o que é luminoso: sem piedade, ela segue sua órbita.
Injusto com tudo o que é luminoso, no íntimo do coração, frio para com os outros sóis - assim vagueia todo sol.
Tal um temporal, os sóis seguem em suas órbitas: é esse o seu curso. A inexorável vontade eles seguem: é essa a sua frieza.
Oh, somente vós, obscuros, sombrios seres, podeis sugar o calor dos corpos luminosos! Somente vós podeis beber o leite e o conforto dos úberes de luz!
Ah, o gelo ao redor de mim, minha mão queima-se no gelo! Ah, uma sede em mim, que anseia por vossa sede.
A noite caiu: ai de mim, que preciso ser luz! E sede do que é noturno! E solidão!
A noite caiu: tal uma nascente, rompe de mim o meu desejo - ao impelir-me ao falar.
A noite caiu: as vozes se alteiam de todas as fontes transbordantes. E também minha alma é uma fonte transbordante.
A noite caiu: eis agora despertas todas as canções dos que amam. E também a minha alma é uma canção dos que amam.
Assim cantou Zaratustra.

Das Nachtlied
A Canção Noturna

Trad. livre: leonardo de magalhaens