Sobre o poema “Aos Deturpadores do Amor”
do poeta Diovani Mendonça
Denunciando os deturpadores do Amor
Intro (panorama)
Temos ouvido nas rádios, temos visto nos telejornais, temos presenciado em nossas vidas cotidianas, um fenômeno que tem estarrecido as mentes sensíveis. Um fenômeno que julgávamos ser de sombrios tempos de outrora, de sociedades patriarcais, ou de povos orientais semifeudais, mas está entre nós. Em nossa sociedade entulhada de regras de normas, leis, estatutos, etc., precisamos também legislar sobre o Amor.
Chegamos ao ponto de não apenas conceituar Amor, mas também de criar direitos e deveres daqueles que amam.
Outrora somente um agente possuía direitos, assim como possuía um objeto. O agente era o masculino que possuía um objeto feminino. Na sociedade patriarcal o homem tem direito de posse sobre a mulher, o que equivale a dizer que ele é dono dela, a mulher sai da família e entra na propriedade do marido, de modo que ele pode dispor dela como mais um item do inventário. Ele tem direito de vida e morte sobre ela. Ela não pode abandoná-lo somente, ele tem esse direito quando pode acusá-la de adultério e puni-la com o exílio ou com a morte.
Com a falência da sociedade patriarcal, nos últimos cem anos, por incompetência masculina ou por superação feminina, novas formas de relacionamentos se estabeleceram, quando as mulheres receberam educação e passaram a ingressar no mercado de trabalho. Ou seja, as mulheres passaram a ser concorrentes dos homens. Ainda: as mulheres passaram a ser independentes financeiramente. Foi o boom da moda, da venda de cosméticos, dos estojos de maquilagem, mil tipos de calçados, em suma, todo um segmento de mercado voltado para as consumidoras. As mulheres passaram a mover a economia.
Diante da concorrência feminina, os homens podem demonstrar dois tipos de comportamento. Aceitá-las como parceiras de jogo ou eliminá-las do jogo. Aqueles que aceitam elogiam a presença feminina como um elemento de elegância nos ambientes de trabalho, ali entre ternos e gravatas transitam vestidos e perfumes. Porém, aqueles que temem as mulheres, sutil ou despudoradamente, procuram desestimular a ascensão feminina, quando as mulheres recebem cargos ou salários inferiores, é uma eliminação do jogo.
Agora presenciamos a eliminação física: homens que seduzem as amadas, torturam psicologicamente, constrangem socialmente e não hesitam em cometer homicídio. Assim também maridos ou namorados que se julgam traídos executam suas esposas ou namoradas, e na hora do julgamento alegam “crime passional”. Ou seja, eles seduzem, constrangem, torturam e matam, e depois dizem que fizeram por “Amor”. É surpreendente que agora em nome do Amor tenhamos assassinos.
Precisamos repensar o que seja esse “Amor”, será que podemos chamar o sentimento de posse, o ciúme, a sedução, a tortura psicológica, a limitação de liberdade, chamar tudo isso de “Amor”? Que “Amor” é esse? Como pode esse sentimento (a tal ponto doentio) justificar atos tão cruéis? Seria uma questão de sadismo e misoginia? Seria uma questão de provar quem manda?
Mesmo em países desenvolvidos como a Suécia encontramos crimes brutais contra as mulheres. E isto não é apenas enredo de best-sellers. Mulheres que são perseguidas nas ruas, sequestradas e violentadas, desaparecem sem deixar vestígios. São vitimas de psicopatas.
E quando as mulheres são vitimadas dentro do próprio lar? Como explicar as estatísticas nas quais as mulheres sofrem nas mãos de familiares, pais, irmãos, tios, e depois sequestradas por namorados, torturadas por maridos? Aqueles que deviam defendê-las tornam-se os agressores! O homem que se julga dono da mulher ele não hesita em destruí-la quando ela resolve ter voz própria, se defende e ameaça abandoná-lo. Na verdade, o homem não sente a falta, mas sente perder o poder sobre o ser submisso.
O aumento da violência domestica levou a criação da Lei Maria da Penha que determina limitações e punições aos agressores. O problema é aplicar a lei. Mulheres pedem ajuda, imploram por proteção, e são ignoradas. Só nos lembramos delas quando aparecem nas fotos de jornais nas colunas policiais.
O poeta se manifesta contra
Diante desta realidade tão sofrível pode o poeta silenciar-se? Pode o poeta ficar indiferente? Pode o poeta fechar os olhos e tampar os ouvidos? Espera-se do poeta não uma voz advinda de uma “torre de marfim”, mas uma voz que testemunhe a realidade. Um discurso poético, nem fantasista nem panfletário, mas de depoimento. Ao denunciar as mazelas e violências o poeta surge como uma voz de alerta, ajuda a jogar o foco sobre os sofrimentos das vítimas.
Assim o poeta Diovani Mendonça resolveu abordar liricamente um tema tão anti-lírico. Não basta sofrer com os crimes, com as violências – é preciso denunciá-las! Assim munido de palavras, ritmo e rimas, o poeta faz o seu trabalho. Mostra o quanto de “Amor” é realmente egoísmo, sentimento de posse, necessidade de auto-afirmação (como se o homem apenas se afirmasse ao humilhar uma mulher!), em suma, de imaturidade e ignorância.
A agressão se houver que seja contra o agressor – que o sádico ouse torturar a si-mesmo, que o violentador ouse ferir a si próprio, que a mão que apedreja venha atirar pedras contra si mesma. Que a agressão seja contra o desejo de agredir!
Se tiver que amputar, ampute.
Os músculos de sua pré-potência.
Se tiver que socar, soque.
A boca da própria ignorância.
Se tiver que quebrar, quebre.
Os dentes da própria arrogância.
O poema aproveita-se de imagens fortes de violência e desconstrói ao dirigir o impulso agressivo contra quem ousa agredir – se o agressor levanta a mão que seja corajoso o suficiente para agredir a agressão dentro dele mesmo! Claro que o poema fala tudo isso sem explicar ou moralizar. Não senta ninguém no divã. Mostra tão somente as nossas contradições.
Se algo parece moralismo é porque o poeta já está farto de violência e chegou o momento de denunciar, de se revoltar contra. Se alguém vê moralismo é porque percebe em si os impulsos de agressão. Para vivermos em sociedade o que fazemos? Reprimimos os nossos impulsos agressivos e deslocamos para outras atividades, outras construções.
Mas na esfera da sexualidade a agressão ainda está presente. O homem se sente ainda potente ao humilhar uma mulher, ao percebê-la submissa aos caprichos dele, que chama de “Amor” apenas o sentimento de posse e o desejo de auto-afirmação. O homem não se preocupa com a mulher, quando ela é um objeto que serve aos interesses dele. Interesses de vaidade, de luxúria, de exibicionismo. Ou seja, o “Amor” aqui não passa de egoísmo,
Se tiver que afogar, afogue.
As próprias mágoas enfim.
Se tiver que matar, mate (e bem matado!).
O egoísmo dentro de si.
Então se há um tom moralista é porque o poeta resolve intervir. Aconselhar? Moralizar? Não, apenas chamar a atenção para refletirmos sobre a violência – que não está lá fora. Está dentro de nós mesmos. Uma violência que explode à menor provocação, à menor faísca de contrariedade. Somente nós mesmos podemos nos conter, nos represar, nos precaver, para não cometermos mais crimes ditos passionais.
Reflita... Erga a cabeça e vire o disco
e que ninguém tenha que fazer nada disso.
08/09fev12
Leonardo de Magalhaens
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o poema “Aos Deturpadores do Amor”
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AOS DETURPADORES DO AMOR
Diovani Mendonça
Se tiver que bater, bata.
Mas na cara da própria covardia.
Se tiver que arrancar, arranque.
Os cabelos da própria valentia.
Se tiver que rachar, rache.
A testa da própria hipocrisia.
Se tiver que furar, fure.
Os olhos do próprio ciúme.
Se tiver que puxar, puxe.
As orelhas do sentimento de posse.
Se tiver que apertar, aperte.
O gatilho no nariz da própria sorte.
Se tiver que lascar, lasque.
As unhas da própria vaidade.
Se tiver que enjaular, enjaule.
A própria irracional animalidade.
Se tiver que incendiar, incendeie.
A casa e o quintal da própria maldade.
Se tiver que amputar, ampute.
Os músculos de sua pré-potência.
Se tiver que socar, soque.
A boca da própria ignorância.
Se tiver que quebrar, quebre.
Os dentes da própria arrogância.
Se tiver que cortar, corte.
A própria língua que enfeitiça.
Se tiver que enforcar, enforque.
A garganta da vingança.
Se tiver que envenenar, envenene.
O ventre da própria insegurança.
Se tiver que metralhar, metralhe.
A vidraça da própria desconfiança.
Se tiver que atirar, atire.
No peito da própria amargura.
Se tiver que amarrar, amarre.
As patas da própria força-burra.
Se tiver que decepar, decepe.
Os dedos da própria loucura.
Se tiver que esfaquear, esfaqueie.
As longas pernas da própria mentira.
Se tiver que aprisionar, aprisione.
As mãos e os pés da própria ira.
Se tiver que sufocar, sufoque.
O grito do próprio desespero.
Se tiver que afogar, afogue.
As próprias mágoas enfim.
Se tiver que matar, mate (e bem matado!).
O egoísmo dentro de si.
Reflita... Erga a cabeça e vire o disco
e que ninguém tenha que fazer nada disso.
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