terça-feira, 24 de janeiro de 2012

sobre ARRANJOS DE PÁSSAROS E FLORES



sobre a obra ARRANJOS DE PÁSSAROS E FLORES [2002]

[obra reeditada em 2011]

do poeta, ator e editor Wilmar Silva


Plumagens Líricas


'pintassilgo por ti - madona da floresta

gemido de liberdade eu, sempre vadio

difuso, pálpebras no pico da neblina - '


Arranjos florais e emplumados, ornamentando as retinas todas ressentidas na aridez do mesmo, adornos de contemplações e êxtases,versos que vertem imagens de campinas que avançam cerrados e deixam escoar ribeiros.

Continua assim a busca do toque na seiva primeva, alçando um olhar amplo, panfletando, para cada dia, uma foto verbal na visceral linguagem original, pois é certo que, o bardo mesmo o diz, 'guardo no cântaro da palavra, o verbo / de ação que entorpece tico-tico, eu '

Convida ao passeio, 'antes da chuva, no amargor da tarde Súbito / êxtase que enveredo, rumor de asas e pássara', os mesmos campos onde vislumbramos o voo do Anu, de rústico voejar, sobre o corpo estendido da Terra, a disseminar trinados de erotismo que assanha.

O arrepio do sempre fascinar, sentindo a eterna carícia da novidade a suceder-se em ciclos de germinar e brotar, vicejar e maturar, pétalas que se abrem, ramos que se estendem, folhas que caem a deixarem galhos nus.

Insinua-se um EU que voa fendendo o óbvio, 'eu-pássaro, canto por Ti clave e amavio', 'eu, vertical, crispo nuvens de juncos', ainda a comunicar avidez e horizontes, pássaro-semântico-proto-língua, em sílabas esvoaçantes, 'féerico eu, pássaro / preto imito a dança do vento...', pássaro petulante e aprumado nos meandros das falas agrestes.

Assim, 'eu/ cavaleiro, invisível é meu galope / atrás do perfume que exala no breu', nas traquinagens do eu-erradio, 'eu-menino, divido espatifilos por ti', convocando ao salto aquelas almas atadas a padrões e catálogos, normatizadas em gestos maquinais, 'eu / dia-a-dia no exercício de liberdade / e vôo, rasante - ', 'eu, teu avoante sem brida e sem ardil, / cristal, firo as cordas vocais e esqueço - ', o livre fluir da linguagem, 'preparo semântica de verbo lírico, eu / pássaro-preto coloro íris de líris', 'meu corpo nu é meu substantivo', 'meu ideograma é mais do que romper / o ícone situado vias-espinhas-dorsais', a confundir com o verbo coisas, encontra-se 'eu-novilho, perco a noção da palavra / apenas devoro mangas em teu corpo'. Assim, esvanecendo-se Logos, temos Eros ?

É o erotismo livre, sem culpas e desgastes outros, que goteja destes trinados, 'e bico não apenas teu peito de paetê / , cítrico é meu desejo, azedo sou eu', 'é teu corpo abandonado no meandro / de falésias em guelras que me trissa - ', e insiste, 'erudir através de teu erval, violáceas / que arrebentam à beira dos lábios - ', até violento, 'sim, te violo e te tálamo, zoológico-me', mas com ternura, 'lavo teu corpo com a própria lima e / enxugo o suor de virilha à língua', e sutileza, 'aqui, desnudo, cavalo, eu : teu-marruá / longe, eu te afago e agora te-afogo / hímen a-dentro antes da madrugada', e confessa, sem pudores, assim, 'eu teu herdeiro da volúpia, vértice sol / devasso é o mundo de nuvens'.

Ama o pássaro a liberdade, o voejar-além, o erguer-se nas aragens-redemoinhos, com a Natureza mesclar-se, sendo 'afluente- eu, riacho alcanço o cerrado', 'resisto através do rodopio dos eixos','eu-lobo insone entre amapola t cervo', 'sem avena e avenca no lusco-fusco', e assim um-com-o-Todo, 'eu-espelho d'água, narciso e orfeu / flautas e flores, eu-pássaro cais e flora', ei-lo aqui o resfolegar dos quatro elementos !

Mas há todo um amor a verter-se, um amor dedicado ao seio da Terra, fértil e entregue. A presença da Terra enquanto símbolo da fertilidade, a Mãe-Terra, matrona, madona e a amante, as três faces da Deusa, seja Geia, Gaia, Ceres. A Terra-fêmea, doadora da Vida, ventre-matriz reprodutora,vejamos, eis, 'dispo veludo de Ceres, êxtase no campo', e 'cultivo o possível / gosto de encontro aos lábios de ceres', e dedicação, 'separo sementes para o almoço de ceres', e lembrança, 'caniço / e perdas que estilhaço no convés / da memória, eu frutífero, arpo ceres', para esclarecer, 'é meu desejo por ti que eu chamo Ceres,' e o beijo nas entranhas da Terra, não túmulo, mas Útero.

E festeja o gozo, 'eu, de sede te sedo / foz de orgasmo no festim floral', 'eu framboso por ti /, cio ávido, azul~ao de orgasmo bravio' e tal nas danças de solstícios e equinócios, 'outono-inverno, abóbada e elevado / calor, altitude beira-margem, rio / paranaíba, sabre eu-pan, flautins', sob as estrelas, 'invólucro de plêiades, do ventre estelar/ de omega ou zega', 'de ornato e letra sinal das três marias / margeia tua pele de brilhantes e íris', selando, 'eu / agora impávido e celeste, anjo de fogo'.

É assim que Wilmar Silva nos convida, 'eu-menino-do-campo, te faço conviva / e digo que a palavra que escrevo é / origem, invento gaivotas no sertão' e espera companheiros de voos, comensais das seivas dos deuses e dríades, ele mesmo a sussurrar que na poesia continua 'encantado no meio da floresta - / trinados que estarreço de medo e fuga / sim, é fuga o que move os meus pés / eu / quase bicho do mato, viro veneno' e inocula neófitos com a embriaguez das palavras.

dez/2005

revsd : jan/2012

by

Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com




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