sábado, 18 de dezembro de 2010

2 poemas de Charles Baudelaire






Charles Baudelaire


A Morte dos Artistas


Quantas vezes é preciso sacudir meus guizos
E beijar tua fronte baixa, morna caricatura?
Para furar o alvo, de mística natura,
Quantos, ó meu cesto, perder de dados?

Usaremos nossa alma em sutis complôs,
E destruiremos muita pesada armadura,
Antes de contemplar a grande Criatura
Cujo infernal desejo enche-nos de dor!

Não há quem não conheça seu ídolo,
E esses escultores condenados, em afronta,
Que vão se golpeando o peito e a fronte,

Sem uma esperança, estranho e sombrio Capitólio!
É que a Morte, tal um novo sol a planar
As flores de seus cérebros fará desabrochar!

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Trad. livre: Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com
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La Mort des Artistes (CXXIII)

Combien faut-il de fois secouer mes grelots
Et baiser ton front bas, morne caricature?
Pour piquer dans le but, de mystique nature,
Combien, ô mon carquois, perdre de javelots?

Nous userons notre âme en de subtils complots,
Et nous démolirons mainte lourde armature,
Avant de contempler la grande Créature
Dont l'infernal désir nous remplit de sanglots!

Il en est qui jamais n'ont connu leur Idole,
Et ces sculpteurs damnés et marqués d'un affront,
Qui vont se martelant la poitrine et le front,

N'ont qu'un espoir, étrange et sombre Capitole!
C'est que la Mort, planant comme un soleil nouveau,
Fera s'épanouir les fleurs de leur cerveau!


Les Fleurs du Mal

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Charles Baudelaire


A Tampa


Onde quer que ele vá, ou sobre mar ou terra,
Sob um clima de chama ou sol branco,
Servidor de Jesus, cortesão de Citera,
Mendigo tenebroso ou Creso rutilante.

Cidadão, camponês, vagabundo, sedentário
Que seu pequeno cérebro seja ativo ou lento,
Em todo lugar o homem sofre o terror do mistério,
E olha ao alto senão com olhar trêmulo.

Acima, o Céu! o muro da cova que sufoca,
Teto iluminado para uma ópera bufa
Onde cada histrião pisa um chão de sangue;

Terror do devasso, esperança do tolo eremita;
O Céu! Tampa escura da grande marmita
Onde se confina a sutil e vasta Humanidade.

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Trad. livre: Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com
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Le Couvercle (na 3ª edição)


En quelque lieu qu'il aille, ou sur mer ou sur terre,
Sous un climat de flamme ou sous un soleil blanc,
Serviteur de Jésus, courtisan de Cythère,
Mendiant ténébreux ou Crésus rutilant,

Citadin, campagnard, vagabond, sédentaire,
Que son petit cerveau soit actif ou soit lent,
Partout l'homme subit la terreur du mystère,
Et ne regarde en haut qu'avec un oeil tremblant.

En haut, le Ciel! Ce mur de caveau qui l'étouffe,
Plafond illuminé par un opéra bouffe
Où chaque histrion foule un sol ensanglanté;

Terreur du libertin, espoir du fol ermite;
Le Ciel! Couvercle noir de la grande marmite
Où bout l'imperceptible et vaste Humanité.


Les Fleurs du Mal
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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

sobre Klein Zaches / Pequeno Zacarias - de E T A Hoffmann








Sobre o conto “Pequeno Zacarias chamado Cinábrio
(Klein Zaches genannt Zinnober, 1818/19)
do escritor alemão E T A Hoffmann (1776-1822)


Fábula irônica sobre o desencantamento do mundo


O conto extenso (quase novela) O Pequeno Zacarias chamado Cinábrio é uma fantasia alegórica e crítica – aos moldes de um Voltaire ou de um Sade – sobre a sociedade e política prussianas na época da Revolução Francesa e dos 'déspostas esclarecidos' que pretendiam implantar o 'Iluminismo' por meio de decretos-lei.

É uma fantasia irônica onde o Narrador não é personagem, mas também não é onisciente, e até 'dialoga' com o leitor (considerado 'bondoso' ou 'amável'). O Narrador até se reconhece em erro (“Ich war im Irrtum”), e não menos que suas personagens.

Este tom de sátira pode ser comparado dos clássicos “Cândido” de Voltaire, ou ao “O Nariz” de Gógol, ou ainda “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto. Aqui se denuncia a hipocrisia em sociedade, os inescrupulosos em ascensão social.

O protagonista é um anão (o que podemos comparar com o Oskar de “O Tambor” (Die Blechtrommel, 1959, de G Grass), um ser deformado que passa a criticar o mundo ao redor, ao sentir rejeitado devido a própria feiúra – assim como acontece com o monstro criado pelo Dr. Frankenstein na obra de Mary Shelley.

Sabemos que Edgar Allan Poe leu obras de Hoffmann, e aqui saberemos quais as leituras do contista alemão. Ao longo do texto encontramos citações de ( e referências a) Shakespeare, Goethe, Schiller, Schlegel, Schubert, Jean Paul, Motte Fouqué, Georg Rüxner, além de Ludwig Tieck (autor alemão também citado por Poe, em “The Fall of House of Usher”).
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[Aliás, Tieck (1773-1853) foi autor de contos macabros ou fantásticos (Phantasus, 1812-16) , além de tradutor de Don Quixote (Cervantes) e amigo dos irmãos Schegel – August, o crítico literário, e Friedrich, o filósofo -, em Jena. Segundo os críticos, Tieck influenciou também os contos / fábulas de Nathaniel Hawthorne]
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Obras de Tieck (em zeno.org)
http://www.zeno.org/Literatur/M/Tieck,+Ludwig
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Tieck
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O Narrador é aquele que conta a estória, está presente, mostra-se ao Leitor, adianta as cenas futuras, ou volta (em flashbacks) aos acontecimentos passados, tudo para dar um sentido à narrativa, ainda que o enredo (o conteúdo) seja fantástico.

Um Narrador constantemente pedindo a 'condescendência' do Leitor, evidenciando o quanto a leitura (ou 'recepção') é essencial para 'montar' a narrativa – o leitor que muitas vezes lê 'nas entrelinhas' – e é importante que o escritor desde o início 'conquiste' a simpatia daquele/a que dedica-se ao ato de 'decifrar' o texto.

“Você, bondoso leitor, deve ter percebido” (“du würdest, günstiger Leser, dennoch wohl ahnen”) ou “você poderia, prezado leitor, apesar de” (“du könntest, lieber Leser, aber doch”) ou ainda, “o que, estimado leitor, estou disposto a narrar para você em detalhes” (“was ich dir, geliebter Leser, des breiteren zu erzählen eben im Begriff stehe.”)

“Em toda a vasta Terra seria bem difícil achar um lugar mais agradável que o pequeno principado, onde está a propriedade do Barão Pretextatus von Mondschein, onde morava a Senhorita von Rosenschön, em suma, onde tudo isso aconteceu, o que, estimado leitor, estou disposto a narrar para você em detalhes.”
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(“Auf der ganzen weiten Erde war wohl sonst kaum ein anmutigeres Land zu finden, als das kleine Fürstentum, worin das Gut des Baron Prätextatus von Mondschein lag, worin das Fräulein von Rosenschön hauste, kurz, worin sich das alles begab, was ich dir, geliebter Leser, des breiteren zu erzählen eben im Begriff stehe.” c. 1)


Eis então a presença do 'fantástico' – afinal, a Senhoria von Rosenschön é uma fada! - no conto que pretende contrapor o racional ao féerico.

“Era sabido que ela, durante os passeios solitários na floresta, falava claramente com vozes fantásticas que pareciam soar das árvores, dos arbustos, das fontes e dos riachos.”
(“Dann war es gewiß, daß sie auf einsamen Spaziergängen im Walde laute Gespräche führte mit wunderbaren Stimmen, die aus den Bäumen, aus den Büschen, aus den Quellen und Bächen zu tönen schienen.” c. 1)

Enfim, um ser em contato com as forças da natureza – assim um “Manfred”, no poema-drama de Lord Byron – ou o eu-lírico de Poe no poema “Alone” - em contraponto aos seres que vivem na 'civilização'. É um idealização romântica do ser humano livre dos imperativos civilizatórios (como veremos em obras obras, aliás também em “Mal-Estar na Civilização”, de Freud)

Outra personagem se destaca por semelhante amor à Natureza. É o estudante Balthasar, uma imagem do melancólico com miríades de versos líricos de exaltação da Natureza – em contraponto ao estudante de ciências naturais (e que exalta as Ciências) Fabian.

Esta dicotomia Natureza X Civilização é mais nítida quando as personagens debatem o que seria Iluminismo – um conceito que ainda não assimilaram, vivendo num absolutismo de 'pátria' fragmentada (ainda não existia a Alemanha, só unificada em 1871), longe de um 'liberalismo' tal como concebido pelos ingleses e franceses.

O liberal Hoffmann não acreditava numa real atuação do Iluminismo (Aufklärung) na terra alemã – onde os 'déspotas esclarecidos' pretendem instituir os ideais iluministas – racionalidade, funcionalidade, liberdade comercial – por meio de decretos.

É o déspota que não pode aceitar a presença do fantástico (“Como? O que estás dizendo? - Fadas! - aqui no meu reino?” - “Wie? - was sagt er? - Feen! - hier in meinen Lande?”) e decreta o 'desencantamento do mundo' (“Entzauberung der Welt”, assim a expressão de Max Weber) quando a 'razão iluminista' passa a dominar o mundo de lendas através de um processo de 'secularização' (Verweltlichung). A fada então recolhe-se ao convento e aos arredores do bosque.

Temos também a figura dos estudantes e seus excêntricos professores. Os estudantes de ciências naturais e de artes. A imagem do melancólico com versos líricos de exaltação da Natureza, o jovem Balthasar. E seu amigo, também estudante, o folgazão Fabian.

Na floresta, os amigos encontram o pequeno Zacarias à cavalo, sempre desastrado e ridículo. Mas com demasiado orgulho, o pequeno declara ser o novo estudante da Universidade. Seu estranho fascínio contagia a todos – que simplesmente não percebem a estatura minúscula e a deformidade física do Cinábrio/ Zinnober. [Esclareçamos. Zinnober – Cinábrio – é um tipo de mineral, ou minério de mercúrio, de formato trigonal e cor vermelha, cuja denominação química é sulfeto de mercúrio.]


Quando o pequeno se comporta mal, é sempre um outro que é culpado – mas se alguém se destaca em talento, é sempre o pequeno Zaches que recebe os elogios! Até os nobres se deixam mesmerizados diante do pequeno – no qual enxergam um homem elegante e admirável !

Mas o estudante e poeta Balthasar desconfia de que ali há qualquer feitiço – isto é, se ele acreditasse em contos de fadas! (Irônico, não? Pois ele é personagem justamente de um conto-de-fadas! ou sátira de contos-de-fadas...)

“Com ele deve haver algo de secreto, e se eu acreditasse em contos-de-fadas até diria que o jovem está enfeitiçado e até sabe, como se diz, fazer o mesmo [enfeitiçar] às outras pessoas.” (“Es muss mit ihm irgendeine geheimnisvolle Bewandtnis haben, und sollt ich an alberne Ammenmärchen glauben, ich würde behaupten, der Junge sei verhext und könne es, wie man zu sagen pflegt, den Leuten antun.” cap. IV)


Claro que com exceção de Balthasar a maioria acredita que o Iluminismo baniu as fadas e os encantamentos. Que haveria sempre uma explicação racional para o poderoso 'carisma' de um Zinnober – que diríamos então do líder nazista Hitler seduziu toda a Alemanha, cem anos depois?

“Feiticeiro!”, exclamou o Refendário em entusiasmo, “Sim, feiticeiro, um maldito feiticeiro é este pequeno, com certeza! Mas, caro Balthasar, o que há afinal, estamos num sonho? Bruxarias, encantamentos, isto já não acabou há muito tempo? Pois há muito o Príncipe Paphnutius o Grande não introduziu aqui o Iluminismo e não baniu do país tudo o que é sem-sentido e incompreensível, e então deve ainda ter se intrometido entre nós alguém dessa corja maldita? Raios! Isso deveria ser denunciado à polícias e às autoridades alfandegárias!”

(»Hexenkerl,« rief der Referendarius mit Begeisterung, »ja Hexenkerl, ein ganz verfluchter Hexenkerl ist der Kleine, das ist gewiß! – Doch Bruder Balthasar, was ist uns denn, liegen wir im Traume? – Hexenwesen – Zaubereien – ist es denn damit nicht vorbei seit langer Zeit? Hat denn nicht vor vielen Jahren Fürst Paphnutius der Große die Aufklärung eingeführt und alles tolle Unwesen, alles Unbegreifliche aus dem Lande verbannt, und doch soll noch dergleichen verwünschte Konterbande sich eingeschlichen haben? – Wetter! das müßte man ja gleich der Polizei anzeigen und den Maut-Offizianten! cap. IV)


A sensação de não se saber acordado ou sonhando – tal é o nível do desvario – percorre todo o conto. “Eu não sei”, disse Pulcher”, não sei o que acontece nesse momento comigo, se eu estou acordado ou em sonhos; (“Ich weiß nicht,” sprach Pulcher, “ich weiß nicht, wie mir in diesem Augenblick zumute, ob ich wache, ob ich träume;” cap. IV)


O fato é que o 'carisma' de Cinábrio conquista a simpatia de autoridades, nobres, até a figura imperial do Príncipe. Ainda mais se houver algum talentoso por perto – todo o elogio será depositado aos pés do novo figurão. Príncipe enxerga ali um 'estadista'. “Valiosa auto-confiança”, disse o Príncipe com voz altiva, “valiosa auto-confiança demonstra uma força interior que deve existir em cada estadista.” (“Wackeres Selbstvertrauen”, sprach der Fürst mit erhobener Stimme, “wacres Selbstvertrauen seugt von der innern Kraft, die dem Würdigen Staatsmann inwohnen muss!” cap. V)

Assim, exibindo forças e intelecto que definitivamente não possui, Cinábrio se aproveita do encantamento e se vinga de todo o desprezo que sofreu quando era apenas o 'pequeno Zacarias'. Todos os talentos alheios são creditados ao disforme Ministro que todos agora julgam um homem belo e grandiloquente.

Claro, percebemos que estamos num conto de fadas – e um conto de fadas que constantemente faz referências aos... contos de fadas. São inúmeras as amostras de metalinguagem, quando as personagens ora duvidam, ora acreditam em magia e fadas, e julgam ser tudo possível em 'contos da carochinha' , como diríamos.

Assim a constante referência (ou auto-referência) aos contos de fadas, às fábulas (Fabelhaftes – coisa meio fabulosa; Ammenmärchen – contos de fadas ) as quais as personagens muitas vezes até tratam de modo pejorativo – por acaso estamos num conto da carochinha? - o que soa irônico, com certeza.

Afinal, na era do 'Iluminismo' todos se julgam no mundo explicável da racionalidade e da previsibilidade. Então o 'fantástico' surge rompendo as fronteiras entre o que se vivencia e o que é imaginável. Vejamos. A aparição do Dr. Prosper Alpanus é cercada de visões e enigmas – até que em dado momento teremos certeza de que ele não é exatamente um médico, mas um mago, um ser das eras de outrora, que fingia ajudar aos 'iluministas', mas ajudava seus irmãos fabulosos - magos, fadas, duendes, etc.


Temos cenas que em muito lembram “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll ou “O Mágico de Oz” de Baum - as aparições extravagantes do Dr. Alpanus, a própria morada do tal Dr., além do duelo de magia – no capítulo VI - entre o mago Alpanus e a fada Rosabelverde (que se passa por uma dama reclusa, a Senhorita von Roseschön), aquela mesma que 'encantou' o pequeno Zacarias.


Enquanto os estudantes – e os políticos atraiçoados por Zinnober – tentam desmascarar os truques do pequeno ardiloso, duas outras figuras se destacam em paralelo – o Professor Mosch Terpin, sempre em pesquisas ditas científicas, sendo deveras oportunista, afinal promete a filha Candida (aquela que é a paixão do estudante Balthasar) em casamento ao novo poderoso – Zinnober - que é braço direito do Príncipe; e o Doutor Alpanus que em nome do racional flerta com o irracional sempre que age para 'equilibrar' as coisas (no caso, reduzir o efeitos dos poderes de Zinnober).

Assim eis a polarização – a ciência oportunista e a magia benfeitora – que estabelece o duelo final. Sendo que a magia de Alpanus deve desfazer o encanto da fada Rosabelverde, de modo a não desestabilizar o reinado 'iluminista' do Príncipe. Entre o racional e o irracional, muitas vezes o apaixonado Balthasar não sabe em quem confiar. Afinal, Terpin está mesmerizado por Zinnober, e pode ser que Alpanus não passe de um bruxo com segundas intenções – por exemplo, jogando as cartas para 'restaurar' o mundo das fadas?

Mas é preciso que Alpanus mostre que a magia tem seu lado benemérito. Que o Iluminismo em si não é suficiente para desencantar o mundo.


“Saiba que Cinábrio é o filho deformado de uma pobre camponesa e que, de verdade, chama-se Pequeno Zaches. Foi por vaidade que ele adotou o nome Cinábrio. A dama reclusa von Rosenschön, ou, mais exatamente, a famosa fada Rosabelverde, pois ninguém mais é esta dama, a que encontrou o monstrinho num caminho. Ela acreditando que compensava tudo o que a Natureza mãe-desnaturada negou ao pequenino, deu a ele um presente, um dom estranho e misterioso, que possibilita que tudo de excelente que um outro alguém pense, diga ou faça, seja mérito para ele, também que ele em boa sociedade, junto às pessoas bem-formadas, eruditas, inteligentes, seja ele assim considerado bem-formado, instruído, entendedor, e em tudo se dando bem, acima de todos, que entrarem em disputa com ele.”
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(“Wisse, daß Zinnober die verwahrloste Mißgeburt eines armen Bauerweibes ist und eigentlich Klein Zaches heißt. Nur aus Eitelkeit hat er den stolzen Namen Zinnober angenommen. Das Stiftsfräulein von Rosenschön oder eigentlich die berühmte Fee Rosabelverde, denn niemand anders ist jene Dame, fand das kleine Ungetüm am Wege. Sie glaubte, alles, was die Natur dem Kleinen stiefmütterlich versagt, dadurch zu ersetzen, wenn sie ihn mit der seltsamen geheimnisvollen Gabe beschenkte, vermöge der alles, was in seiner Gegenwart irgendein anderer Vortreffliches denkt, spricht oder tut, auf seine Rechnung kommen, ja daß er in der Gesellschaft wohlgebildeter, verständiger, geistreicher Personen auch für wohlgebildet, verständig und geistreich geachtet werden und überhaupt allemal für den vollkommensten der Gattung, mit der er im Konflikt, gelten muß.” cap. VII)


Assim é o mago que consegue entender o encantamento – e está disposto a salvar o reino do príncipe 'iluminista' – que de Iluminismo só tem a casca de 'falsa erudição' e burocracia estatal. E por que? Por que essa 'boa ação'? Ainda mais num mundo de oportunistas? É que Alpanus acredita na força interior do estudante Balthasar – que é um poeta – e o mago acredita que no mundo moderno somente os poetas poderão assegurar aquela 'faísca' mágica – da 'música interior' - que animava o mundo das fadas.

“Estimo muito”, continuava Prosper Alpanus, “Estimo-te muito a adorável juventude, jovens iguais a ti, que trazem a nostalgia e o amor nos corações puros, em cujo íntimo ainda ressoam aqueles majestosos acordes que pertencem a um distante país cheio de maravilhas divinais, que é a minha pátria. Os felizes, os homens dotados com esta música interior, são os únicos que podem se chamar de poetas, apesar de que muitos assim se chamem, os que pegam em mãos, de primeira, um instrumento de corda e passam o arco em ruídos confusos, criados pelo gemer das cordas sob a ação dos punhos, e que consideram música excelente que ressoa de seu próprio íntimo.”
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(“»Ich liebe,« fuhr Prosper Alpanus fort, »ich liebe Jünglinge, die so wie du, mein Balthasar, Sehnsucht und Liebe im reinen Herzen tragen, in deren Innerm noch jene herrlichen Akkorde widerhallen, die dem fernen Lande voll göttlicher Wunder angehören, das meine Heimat ist. Die glücklichen, mit dieser inneren Musik begabten Menschen sind die einzigen, die man Dichter nennen kann, wiewohl viele auch so gescholten werden, die den ersten besten Brummbaß zur Hand nehmen, darauf herumstreichen und das verworrene Gerassel der unter ihrer Faust stöhnenden Saiten für herrliche Musik halten, die aus ihrem eignen Innern heraustönt.” cap. VII)

Nem todos que assim se chamam 'Poetas' estão ligados aquela 'música interior' do mundo das maravilhas. Pois, por mais que tantos tenham 'sentimentos', nem todos são Poetas. A sensibilidade é um dos itens – mas falta talento, intuição, observação, educação estética.

Por fim, antes de abandonar o mundo dos 'iluministas' – numa viagem rumo a Índia – o mago Alpanus que ser compreendido, por mais que venha a soar 'non-sense', a reconhecer que é um tanto excêntrico, que deveria mesmo ter saído de um conto fabuloso,

“deves estar admirado com a minha fala, além disso muita coisa em mim deve parecer a ti bem incomum. Pense, porém, que eu, de acordo com o julgamento das pessoas sensatas, sou uma pessoa que deveria estar num conto-de-fadas, e sabes bem, caro Balthasar, que as pessoas podem se comportar de forma estranha e dizerem bobagens quando bem quiserem, sobretudo quando por trás de tudo há oculto algo que não pode se desprezar.”
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du magst dich wohl über meine Reden verwundern, dir mag überhaupt manches seltsam an mir vorkommen. Bedenke aber, daß ich nach dem Urteil aller vernünftigen Leute eine Person bin, die nur im Märchen auftreten darf, und du weißt, geliebter Balthasar, daß solche Personen sich wunderlich gebärden und tolles Zeug schwatzen können, wie sie nur mögen, vorzüglich wenn hinter allem doch etwas steckt, was gerade nicht zu verwerfen.” cap. VII)


No final, até os céticos Fabian e Pulcher passam a acreditar em encantamentos, magias, e outros 'irracionalismos' que desafiam a soberania da erudição, da ciência, do bom andamento do Estado e o bem-estar dos cidadãos. Precisam seguir os conselhos do lado bom da magia contra o oportunismo da magia degenerada – onde os fins justificam os meios – para então restaurarem o equilíbrio – a meritocracia.

Assim é que o drama se resolve. Os nobres poderosos percebem que Cinábrio – ou Pequeno Zaches – não é um deles, é um plebeu – e deve ser expulso da 'boa sociedade'. E os demais personagens adentram os círculos de poder – o príncipe, o Estado, a Universidade, a Família - pelos méritos pessoais. Balthasar é puro e apaixonado, então será aceito no coração de Candida, enquanto os talentosos estudantes podem sonhar com um cargo – e as condecorações - que o oportunista Zinnober não hesitou em usurpar.

O próprio Pequeno Zaches é expulso do poder e do mundo – ele morre num momento de rebelião dos plebeus – e reencontra a origem – a mãe camponesa é aquela que o reconhece no final. O fim reata-se ao início, e na morte, na solidão derradeira, Zaches não parece tão feio ou mesquinho – ele que, na verdade, foi apenas mais um 'bobo da corte' numa encenação de poderes dos quais ele mesmo foi vítima.


out/10
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Vamp Tale - O Homem Caolho (LdeM)




O Homem Caolho

A tempestade vem castigar a orla marítima, ameaçando uma aldeia de pescadores, sob a luz do farol bruxuleando na noite avançada. Arrogantes, por entre os arrecifes, as ondas ameaçam os litorais, ofertando à aldeia uma atmosfera úmida e salgada.

Os dois vultos, sob o abrigo dos galpões, ali no cais, observam a borrasca, que vem agitar os seus sobretudos. Um tremor a transmitir-se dos clamores rudes dos trovões até as faces rígidas, e pálidas.

O que se chamara Wendy Stake, traços de maturidade e experiência, num corpo saído da adolescência, se abriga melhor, nas vestes acolchoadas, contra o vento insinuante.

Ao seu lado, o outrora Cyril Walpole, estende os olhares até a manta alvacenta onde o firmamento tempestuoso encontra a massa das águas oceânicas.

Ambos em resguardado silêncio, presos a seus próprios fragmentos de recordações. Enquanto o vento dança e rodopia, difundindo gotículas e sal marinho, os dois vultos, imagem decadente de corpos vivos, podem vislumbrar nas águas turbulentas a metáfora de suas desgraçadas existências.

Outrora homens ligados, e dependentes. Hoje, restos de peregrinações incertas e inúteis. O antigo Sr. Stake, comerciante, mercador, voz ativa no Conselho de sua importante cidade, portuária e administrativa. O antigo senhor Walpole, acionista majoritário de uma companhia de navegação, dono de estaleiros, batizara muitos navios, que singraram audaciosamente os mares durante a última Grande Guerra.

Porém suas existências sob os nomes civis são névoa tênue, que emergem dos profundos abismos da fatalidade em momentos de insondável contemplação. Ondas açoitando um litoral indefeso - eis um cenário propício!


Slug, ou Lesma, como agora é invocado o antigo Sr. Walpole, devido a seus movimentos de apurada lentidão, vê na fúria das ondas o espumar da resistência de suas vítimas. Ou o borbulhar do sangue no corpo amedrontado. Ou o esguinchar da vida na carícia do beijo fatal.

Agasalhado, Stake é ainda incapaz de vencer a frieza que o envolve. Um frio desde dentro. Ele que aceitara sua horrenda condição e para a qual convidara um candidato a elo na sua corrente de rivais. Ele estendera a mão, ainda que rude, ao poderoso Walpole, ou Slug, convidando-o para uma bem diversa existência de competição e caça. A sobrevivência predatória no jardim selvagem sem deuses.

Súditos de Sua Majestade, imaginavam as Ilhas além-mar, os prados verdejantes e as Terras Altas, os castelos e as lendas as quais davam abrigo. Ambos viam na superfície da água a mão a receber a espada do antigo rei bretão.

E meio século de errância! E onde o Sr. Stake, herdeiro, voz persuasiva, bem-sucedido, jovem esposo? Onde seu sonho? The House of Commons? E onde o Sr. Walpole, construtor de navios e de um império? O pai de cinco existências caído nas malhas da teia de um jovem enlouquecido?

Ambos haviam desaparecido a bordo de um transatlântico, enquanto temiam os submarinos alemães. Corpos jamais encontrados, diziam as manchetes. Mas ninguém notara que um deles já estava morto, meses antes.

Mas não se jogaram ao mar. A vítima fora ocultada, em torpor, meio aos caixotes, nos decks inferiores. No cais da cidade mediterrânea a carga foi desembarcada normalmente.

Sim, quantas lembranças! Mas agora não apenas as ondas eufóricas atraem a atenção dos vultos de sobretudo. Observam que numa esquina está um sujeito. Aparentemente também a observar o mar. E há muito a se observar! Barcos são invadidos, virados. Velas são rasgadas, casebres destelhados. A avenida litorânea tomada pelas águas.

O cidadão atento às convulsões da tormenta, e os vultos atentos ao mínimo gesto do cidadão. Sim, observam-no cuidadosamente. O sujeito parece olhar meio de lado, assim inclinado para a direita. Em dados momentos até parece que é o sujeito que observa os vultos.

Este mútuo interesse incomoda os seres de ar tão sombrio, que abandonam a contemplação da tempestade, e adentram as ruas enlameadas da cidade portuária.

Porém, nas trevas densas, os pálidos vultos sentem a companhia. Na escuridão um único olho brilha. Um homem se aproxima. Não se incomoda com os sinistros. Até parece segui-los! Será o sujeito do cais?

Seguindo para Oeste, antes do amanhecer estão em Le Havre. De onde, no entardecer do segundo dia, saíra um navio para a Escandinávia, com parada em Rotterdam. Eis a conexão que trouxera os vultos ao litoral norte, tão próxima de casa. a antiga casa, o único lugar, o último lugar ao qual puderam considerar um lar.

Stake lança um olhar ao seu amante de gestos lentos. Slug seguia em passadas ritmadas, sem sobressaltos. Ambos em silêncio. Stake atento aquele que poderia ser seu pai, mas no entanto, no mundo sombrio, é o seu filho. Como ousaria abandonar Walpole na morte? Ainda aquela admiração adolescente?

Stake imerso em seu manto de ternura, Slug em seu silêncio lento e pegajoso, e as pegadas de um terceiro ecoam nas paredes lodosas. A presença do curioso incomoda, a situação é toda muito peculiar.

O homem está próximo. Em sua face um olho atento, intimidante, enquanto o outro jaz inerte, a órbita num corte grotesco. Um ciclope?

Uma voz sóbria e profunda:

- Senhores, espero que nesta escuridão possa lhes servir, como guia, o meu único olho.

Os vultos entendem. Sim, o "homem caolho", One-eyed Man. A advertência de Montauban. Sobre o homem cegado por uma estaca, quando tentava cravá-la em um dos nossos. Agora, seu ódio guia-o por décadas, ou serão séculos?, dentro da noite, caçando impiedosamente. Sua vingança espelhada em seu único olho de ciclope!

Stake segura o braço de Walpole, agora à espera da fatalidade. Ambos sabem que acabam de encontrar o fim. O fim, realmente. Nada de lutas, resistências vãs.

E sabem que assim, em tal atordoamento, facilitam o trabalho do homem de um olho só.

Na escuridão um único olho brilha.

Agora o jovem pai procura o velho filho e no silêncio do gesto se despedem. Ansiosos, aguardam, enfim, a segunda morte.


Jul/01/Jan/05


sábado, 11 de dezembro de 2010

Edgar Allan Poe - Alone / Só




Edgar Allan Poe

ALONE / Só

Desde a infância eu tenho sido
Diferente d'outros – tenho visto
D'outro modo – minhas paixões
Tinham uma outra fonte e
Minhas mágoas outra origem -
No mesmo tom não despertava
O meu coração para a alegria -
O que amei – eu amei só.
Então – na infância – a aurora
Da vida atormentada – estava
Em cada nicho de bem e mal
O mistério que me prendia -
Da correnteza, da fonte -
Da escarpas rubras do monte -
Do sol que me rodeava
Em pleno outono dourado -
Do relâmpago nos céus
Quando sobre mim passava -
Do trovão, da tormenta -
E a nuvem tem a forma
(Quando o resto do céu é azul)
D'um demônio aos meus olhos.
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Trad. Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com/
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Alone

From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life - was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.
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Edgar Allan Poe
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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

To The Lighthouse - trechos - Virginia Woolf







To the Lighthouse

Virginia Woolf

Time passes / O tempo passa

(trechos)

trad. Leonardo de Magalhaens

VII

Noite após noite, verão e inverno, a tormenta de temporais, a aguda quietude do bom clima, mantinha sua soberania sem interferência, ouvindo (se tivesse alguém para ouvir) dos cômodos superiores da casa vazia apenas gigantesco caos riscado com relâmpagos poderiam ter sido ouvidos rolando e sacudindo, enquanto os ventos e ondas se entretiam como massas amorfas de Leviatãs cujos semblantes eram perfurados por nenhuma luz da razão, e amontoados um em cima do outro, e jogavam-se e mergulhavam no escuro ou na luz do dia (pois noite e dia, mês e ano juntos corriam sem forma) em jogos idiotas, até parecer como se o universo fosse batalhar e contorcer, na bruta confusão e luxúria sem rumos.

Na primavera os vasos do jardim, casualmente cheios com plantas brotadas no vento, eram joviais como sempre. Vieram violetas e nrcisos. Mas a quietude e a claridade do dia eram tão estranhas quanto o caos e o tumulto da noite, com as árvores eretas, e as flores lá elevadas, olhando diante delas, olhando pra cima, e ainda nada observando, sem olhos, e, assim, terríveis.


7


Night after night, summer and winter, the torment of storms, the arrow-
like stillness of fine (had there been any one to listen) from the
upper rooms of the empty house only gigantic chaos streaked with
lightning could have been heard tumbling and tossing, as the winds and
waves disported themselves like the amorphous bulks of leviathans whose
brows are pierced by no light of reason, and mounted one on top of
another, and lunged and plunged in the darkness or the daylight (for
night and day, month and year ran shapelessly together) in idiot games,
until it seemed as if the universe were battling and tumbling, in brute
confusion and wanton lust aimlessly by itself.

In spring the garden urns, casually filled with wind-blown plants, were
gay as ever. Violets came and daffodils. But the stillness and the
brightness of the day were as strange as the chaos and tumult of night,
with the trees standing there, and the flowers standing there, looking
before them, looking up, yet beholding nothing, eyeless, and so
terrible.

IX

A casa estava abandonada; a casa estava deserta. Foi deixada como uma concha numa duna a encher-se com areia e grãos de sal agora que a vida se foi. A longa noite parece ter se instalado; as brisas frívolas, beliscante, os sopros viscosos, gaguejantes, pareciam ter triunfado. A panela tinha enferrujado e o tapete se desfeito. Rãs lá dentro faziam barulho. Inutilmente, sem rumos, o oscilante xale vagava pra lá e pra cá. Um cardo irrompera entre as telhas da despensa. As andorilhas fizeram ninho na sala; o chão coberto com palha; o reboco em pazadas; as vigas se mostravam nuas; ratos transportavam isto ou aquilo para roer atrás do madeirame das paredes. Mariposas pequena-tartaruga irrompiam de suas crisálidas e tamborilavam suas vidas contra as vidraças. Papoulas disseminavam-se entre as dálias; o gramado ondulava com a grama alta; alcachofras gigantes cresciam entre as rosas; um franjado cravo florescia entre os repolhos; enquanto o gentil golpear de uma erva daninha na janela tem se tornado, nas noites de inverno, um tamborilar de árvores insistentes e espinhosas urzes que deixam verde toda a sala no verão.

Que poder poderia agora preenir a fertilidade, a insensibilidade da natureza? O sonho da Sra. McNab com uma senhora, uma criança, um prato de mingau? Tinha flutuado sobre as paredes tal o feixe de luz solar e esvanecido. Ela tinha trancado a porta; ela foi embora. Era tudo além da força de uma mulher, ela dizia. Eles não enviavam alguém. Eles nunca escreviam. Haviam coisas lá apodrecendo nas gavetas – era uma vergonha deixar tudo assim, ela dizia. O lugar fora deixado ao destroço e à ruína. Apenas o brilho do Farol entrava nos cômodos por um instante, enviava seu súbito olhar sobre cama e parede nas trevas do inverno, olhava com complacência o cardo e a andorinha, o rato e a palha. Nada agora poderia resistir a eles; nada diria 'não' a eles. Deixe o vento soprar; deixe a papoula se disseminar e o cravo acasalar-se com o repolho. Deixe a andorinha construir na sala, e o cardo afastar as telhas; e a borboleta banhar-se de sol no desbotado forro dos sofás. Deixe o copo quebrado e a porcelana cair no gramado e serem confundidos com a grama e com as frutas silvestres.

Pois agora era o momento, esta hesitação quando na aurora treme e à noite faz pausa, quando se uma pluma leve pousasse e pesasse na balança. Uma pluma, e a casa, afundando, caindo, teria se abatido e mergulhado nos abismos das trevas. No cômodo arruinado, fazedores de piquenique poderiam esquentar suas chaleiras; lá os amantes procurariam abrigo, a se deitarem nas tábuas desnudas; e o pastor guardaria seu jantar entre os tijolos, e o vadio dormiria com seu casaco enrolado para proteger do frio. Então o teto cairia; urzes e ervas daninhas teriam ocupado a trilha, o degrau, e a janela; teriam crescido, desiguais mas animados sobre os escombros, até que algum passante, perdendo-se no caminho, poderia dizer devido a um atiçador entre as urtigas, ou um caco de porcelana nas ervas daninhas, que aqui, certa vez, alguém havia vivido; lá existira uma casa.

[...]



9


The house was left; the house was deserted. It was left like a shell
on a sandhill to fill with dry salt grains now that life had left it.
The long night seemed to have set in; the trifling airs, nibbling, the
clammy breaths, fumbling, seemed to have triumphed. The saucepan had
rusted and the mat decayed. Toads had nosed their way in. Idly,
aimlessly, the swaying shawl swung to and fro. A thistle thrust itself
between the tiles in the larder. The swallows nested in the drawing-
roon; the floor was strewn with straw; the plaster fell in shovelfuls;
rafters were laid bare; rats carried off this and that to gnaw behind
the wainscots. Tortoise-shell butterflies burst from the chrysalis and
pattered their life out on the window-pane. Poppies sowed themselves
among the dahlias; the lawn waved with long grass; giant artichokes
towered among roses; a fringed carnation flowered among the cabbages;
while the gentle tapping of a weed at the window had become, on
winters' nights, a drumming from sturdy trees and thorned briars which
made the whole room green in summer.

What power could now prevent the fertility, the insensibility of
nature? Mrs. McNab's dream of a lady, of a child, of a plate of milk
soup? It had wavered over the walls like a spot of sunlight and
vanished. She had locked the door; she had gone. It was beyond the
strength of one woman, she said. They never sent. They never wrote.
There were things up there rotting in the drawers--it was a shame to
leave them so, she said. The place was gone to rack and ruin. Only
the Lighthouse beam entered the rooms for a moment, sent its sudden
stare over bed and wall in the darkness of winter, looked with
equanimity at the thistle and the swallow, the rat and the straw.
Nothing now withstood them; nothing said no to them. Let the wind
blow; let the poppy seed itself and the carnation mate with the
cabbage. Let the swallow build in the drawing-room, and the thistle
thrust aside the tiles, and the butterfly sun itself on the faded
chintz of the arm-chairs. Let the broken glass and the china lie out
on the lawn and be tangled over with grass and wild berries.

For now had come that moment, that hesitation when dawn trembles and
night pauses, when if a feather alight in the scale it will be weighed
down. One feather, and the house, sinking, falling, would have turned
and pitched downwards to the depths of darkness. In the ruined room,
picnickers would have lit their kettles; lovers sought shelter there,
lying on the bare boards; and the shepherd stored his dinner on the
bricks, and the tramp slept with his coat round him to ward off the
cold. Then the roof would have fallen; briars and hemlocks would have
blotted out path, step and window; would have grown, unequally but
lustily over the mound, until some trespasser, losing his way, could
have told only by a red-hot poker among the nettles, or a scrap of
china in the hemlock, that here once some one had lived; there had been
a house.
[...]

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Quem quer que você seja, segurando-me agora nas mãos




Walt Whitman

Whoever you are, holding me now in hand

Quem quer que você seja, segurando-me agora nas mãos,
Sem uma coisa, tudo será inútil,
Vou avisar antes que você continue,
Não sou o que você supõe, sou bem diferente.

Quem é ele que se tornaria meu seguidor?
Quem se alistaria a ser candidato de meus afetos?

O caminho é suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo.
Você teria que abandonar tudo, somente eu esperaria
ser o teu Deus, único e exclusivo,
Seu noviciado seria longo e exaustivo,
Toda a teoria antiga de sua vida e toda a conformidade
com as vidas ao seu redor, teria de ser abandonada;
Por isso livre-se de mim agora, antes que eu perturbe você -
tire a mão dos meus ombros,
Deixe-me de lado, e siga o seu caminho.

Ou então, furtivos, em algum bosque, por causa da justiça,
Ou atrás de um rochedo, ao ar livre,
(Pois eu não apareço sob um teto de casa, ou junto
de companhia,
E nas bibliotecas estou mudo, inerte,
não-nascido, ou morto,)
Mas, possivelmente, com você num alto de colina,
primeiro vigiando para que alguém, milhas ao redor,
não possa chegar sem ser percebido,
Ou possivelmente com você navegando no mar,
ou numa praia, ou ilha deserta,
Aqui eu permito que você coloque os seus lábios
sobre os meus,
Com o longo beijo de camarada, ou beijo de
novo esposo,
Pois eu sou o novo esposo, eu sou o camarada.

Ou se você quiser, insinuando-me dentro de suas roupas,
Onde eu possa ouvir o palpitar de seu coração, ou
descansar junto ao seu quadril.

Leve-me com você quando seguir por terra ou mar,;
Pois assim apenas ao tocar você será suficiente, - o melhor
E ao tocar você eu poderia dormir em silêncio e ser
conduzido eternamente.

Mas ao conhecer atentamente estas páginas, você conhecerá o perigo,
Pois estas páginas, e a mim, você não pode compreender.
Primeiro, elas vão eludir você, mais adiante,
e eu vou eludir você, com certeza,
Mesmo quando você pensar que me apanhou, veja bem!
Veja que eu já escapei de você.

Pois não é pelo que deixei nele que escrevi este livro,
nem é ao ler que você vai adquiri-lo,
Nem assim conhecem-me bem aqueles que admiram-me
e altivamente louvam-me,
Nem os candidatos ao meu amor, (a menos que sejam uns
poucos) se provarão vitoriosos,
E nem meus poemas farão apenas bem – eles também
farão tanto mal, talvez mais;
Pois tudo é inútil sem o que você poderia adivinhar muitas vezes
e não alcançar – o que insinuei;
Então livre-se de mim, e siga o seu caminho.
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trad. livre: Leonardo de Magalhaens
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in “Leaves of Grass” 1855
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