sexta-feira, 27 de novembro de 2009

WHITMAN - As I lay with my head...



WALT WHITMAN


AS I LAY WITH MY HEAD IN YOUR LAP CAMERADO


Quando eu reclino minha cabeça em seu peito, camarada,
A confissão que eu fiz eu assumo, o que eu disse e o estar
livre que reassumo,
Eu sei que sou inquieto e deixo os outros assim,
Eu sei que minhas palavras são armas cheias de perigo,
plenas de morte
Pois eu desafio a paz, a segurança, e todas as leis
estabelecidas, para derrubá-las,
Estou mais decidido pois todas têm negado a mim o que eu
poderia Ter sido caso todas tivessem me aceitado,
Eu não estive atento e jamais estaria à qualquer
experiência, precaução ou maioria,
nem ao ridículo,
E a ameaça do que é chamado Inferno é pouco ou nada para
mim,
E o fulgor do que é chamado Paraíso é pouco ou nada para
mim;
Querido camarada! Eu confesso que tenho desejado que você
siga ao meu lado, e ainda desejo, sem
a mínima idéia de qual seja o nosso destino,
Ou se nós seremos vitoriosos, ou completamente derrotados e
vencidos.


Trad. Leonardo de Magalhaens



original poem in





domingo, 22 de novembro de 2009

os Detetives clássicos na literatura policial (e no cinema)





Sobre os Detetives clássicos
da literatura policial
(e também no cinema)

A Verdade enquanto Investigação


O conceito de Verdade é um dos mais polêmicos da Filosofia
(ao lado do conceito de “Liberdade” - se é que existe 'conceito',
se é que existe 'liberdade'), e comumente se aceita como
'convenção social', ou seja, o que a maioria diz ser 'verdadeiro',
então é dado como 'verdadeiro' (se de repente a maioria
começar a ver OVNIs por aí, então será 'verdade' a existência
de OVNIs...), ou 'paranóia coletiva' pode ser 'verdade' para
este coletivo (exemplo, os fanáticos e fundamentalistas, que
se flagelam e se matam em nome de uma Divindade...)

Para Nietzsche, a Verdade não existe. Não há uma perspectiva
privilegiada para se ver o mundo, tudo são ângulos/pontos de
vista, e todo julgamento é parcial. Haveria uma 'pluralidade'
de 'verdades', legitimadas em cada contexto. O que é 'verdade'
para o rico, não é 'verdade' para o pobre, e vice-versa. O que
é 'verdadeiro' para o nazista, não é 'verdadeiro' para o judeu...
Assim, a 'verdade' serve aos interesses da parte mais hegemônica
(para usar um conceito de Gramsci) onde se os ricos estão no
poder, logo a 'verdade' será o que os ricos dizem ser a 'verdade'.

Mas, e se a Verdade for um processo que exige uma pesquisa,
uma investigação? Não é assim que pensam os cientistas? E não
é assim que um detetive pensa? Silogismos, lógica pragmática,
observação apurada, deduções e induções, analogias, um faro
fino e uma intuição à toda prova: eis o paradigma do detetive.
Aquele dos clássicos, primeiramente literários, agora também
do cinema. Seres que se elevam acima da média, e desmentem
a suposta 'verdade' da maoria: o fatos existem, e são explicitados.
O 'senso-comum' é desmascarado: há um 'mistério' a exigir solução.

O clássico-mor seria mesmo os 'contos de detetive' escritos pelo
norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849), com a presença
memorável e surpreendente do pensador francês Auguste Dupin,
a desvendar os “crimes da Rue Morgue”, também o “mistério de
Marie Roget
”, e encontrar uma “carta roubada”. Todos estes
contos apresentam um Narrador, dito amigo, do pensador-detetive,
que se deleita com a descoberta da 'verdade'. Verdade esta que
a polícia parisiense é incapaz de encontrar.

Tal ênfase na observação e dedução inspirou outro detetive dos
clássicos romances e contos de Sir Conan Doyle (1859-1930).
Trata-se de ninguém menos que Sherlock Holmes, o gênio
londrino, sempre acompanhado pelo amigo (e Narrador) Dr. Watson,
a desafiar os investigadores da prestigiada Scotland Yard. As obras
principais, onde Holmes atua, são “Estudo em vermelho”,
Sinal dos Quatro” e “Cão dos Baskervilles”, além de numerosos
contos, que celebrizaram o autor.

O detetive de Conan Doyle conhece e segue o estilo “whodunit
(quem fez isso? Quem cometeu o crime?) do detetive de Poe,
quando a partir do ocorrido consegue – em pensamento
retrospectivo – encontrar as causas, reconstituir a cena do crime
(quem matou, como matou, porque matou, basicamente)

O mesmo 'modelo' usado pela escritora inglesa Agatha Christie
(1890-1976) com seus detetives, o belga Hercule Poirot e a
inglesa Miss Marple, cuidadosos e fleumáticos, assombrosamente
observadores. Poirot é mais famoso, afinal de contas ele atuou
em dois clássicos: “Assassinato no Expresso do Oriente” (1934)
e “Assassinato no campo de golfe” (The murder on the links)
(1923), onde há um Narrador em 3a pessoa, ou o ponto de vista
de um certo Capitão Hastings, que guiam o Leitor (em numerosas
narrativas!) nas investigações, verdadeiras aulas de como caçar
criminosos. (Talvez essa seja a moral da literatura policial:
cuidado, criminosos, pois sempre encontramos vocês!)

Ao estabelecer um 'denominador comum', uma 'interseção'
entre os vários depoimentos, as várias testemunhas e suas
perspectivas, Poirot estabelece as 'popssibilidades do fato', onde a
realidade é dada pela 'verossimilhança' (ou o 'real' recriado pelo
'imaginário'), quando o detetive finaliza a montagem do 'puzzle',
o quebra-cabeças. Tal um cientista diante de um fenômeno natural,
o detetive está diante do mistério, e com seu método (aliado ao
seu talento) explica o que é 'nebuloso' e 'inacessível' aos leigos
(incluindo o Leitor...)

Poirot é belga, e também belga é o escritor Georges Simenon
(1903-89), criador do Comissário Jules Maigret, que atuando
em Paris, é mais 'psicólogo' do que 'filósofo', ou seja, aplica
uma maior ênfase às personalidades dos suspeitos, não
adentrando labirintos de deduções e analogias (tais aquelas 'aulas
de lógica' dadas por Dupin e Holmes). São também numerosas
as obras onde Maigret atua (os autores de 'literatura policial'
são realmente 'máquinas' de produzir mistérios e investigações),
com destaques para “La Nuit du carrefour” (1931) e “La Danseuse
du Gai-Moulin
” (1931).

Em reação ao estilo “whodunit” - que se repete em variações do
mesmo – surgiu o estilo mais 'barra pesada', mais 'brutal' e 'noir'
(sombrio) do “hard-boiled” norte-americano (a atingir um ápice
em “In Cold Blood”/ A sangue frio, de Truman Capote, mas esse
é assunto para outro ensaio...), que se destaca com as obras de
S. Dashiell Hammett (1894-1961) e Raymond Chandler (1888-
1959). Hammett é o criador do detetive Sam Spade, durão e
pronto para a ação (não é um 'pensador' exatamente...), como
se percebe em “O falcão maltês” (The Maltese Falcon, 1930), que,
no cinema, foi encarnado pelo ator Humphrey Bogart, em atuação
clássica de um personagem clássico: o detetive que se envolve
emocionalmente, ainda que não demonstre, não deixe visíveis
as emoções (que nos demais estão 'à flor da pele'...)

Assim também é o detetive Philip Marlowe, porém mais 'humano',
pois narra em 1a pessoa, a tornar o Leitor é 'cúmplice', nas obras
de Chandler, principalmente em “O Longo Adeus” (The Long Goodbye,
1953), tendo um faro para avaliar (e julgar) as personalidades,
sem muita erudição (ao estilo Dupin ou Holmes), mas sabendo agir
certo e na hora certa – um oportunismo bem pragmático, ao
estilo ianque...

A diferença em Chandler é o fato de Marlowe narrar ele-mesmo
a suas peripécias. Assim o Leitor tem acesso ao pensar e atuar
do detetive (enquanto em Poe e Conan Doyle é preciso confiar no
amigo-narrador e no Dr. Watson) E se houvesse um maior acesso ao
criminoso? Assim é em “O Silêncio dos Inocentes” (The silence of
the Lambs,
1988), de Thomas Harris (EUA, 1940-), onde a agente
do FBI Clarice Starling se depara com uma mente criminosa que
desafia todo 'humanismo': o psicopata Hannibal Lecter, que se serve
(literalmente!) de seus semelhantes. Canibal e erudito, cínico e
refinado, Lecter é um desafio para Starling (e para o Leitor!) Adentrar
a mente de Lecter é uma viagem (não-metaforicamente) arrepiante:
um senso de Übermenschen com ânsias destrutivas. (O mesmo que
caracteriza um Hitler...)

Hannibal Lecter foi para o cinema, interpretado pelo ator Anthony
Hopkins, e amedrontou muita gente (inclusive este resenhista...),
assim como no cinema é destaque o sombrio “Seven” (1995),
do diretor David Fincher (EUA, 1962-), onde o detetive W. Somerset
(interpretado por Morgan Freeman) e seu colega D. Mills (Brad Pitt)
investigam uma série de assassinatos relacionados aos sete pecados
capitais do Cristianismo (gula, luxúria, preguiça, vaidade, avareza,
soberba e ira), onde as vítimas 'pagam por seus pecados' nas
vinganças de um fanático psicopata (que acaba por 'forçar' o
policial Mills a cometer o 'pecado' da ira, ao assassinar o vilão.
Assim, o crime leva ao crime...) Não há justiça, nem verdade,
apenas 'olho por olho, dente por dente'.


Ainda citaremos dois detetives e um 'monge detetive'. Em estilo
de 'síndrome de influência' encontra-se o Erik Lönnrot, do conto
A morte e a bússola” (“La muerte y la bússola”, 1944), do argentino
Jorge Luís Borges (-1986), onde a mente (e a honra) de Lönnrot é
desafiada pelos crimes de um certo Red Scharlach, apresentando
uma interrelação detetive-criminoso que lembra muito uma
dependência (e o herói não precisa de um vilão? Um Superman
não precisa de um Lex Luthor? Batman não tem sua imagem
espelhada num Curinga?) e uma obsessão (como a perseguir um
'duplo', um 'doppelgänger': a mente criminosa que desequilibra
a mente virtuosa...)(detalhe: a cor vermelha é compartilhada
nos nomes de ambos os antagonistas!)

E também Lönnrot se baseia em Dupin (a crer-se também um “puro
raciocinador”) assim como Holmes e Watson discutem sobre as
reais capacidades do detetive de Poe (o que mostra um explícita
influência), como imagens espelhadas do 'detetive-pensador', a
re-construir o crime passo a passo. Assim também o pensador
Don Isidro Parodi, criado pela dupla Borges e (o amigo deste)
Bioy Casares, claramente inspirado em Dupin, quando a partir
da reclusão de sua cela (Parodi está encarcerado!) soluciona os
'problemas' que são confidenciados pelos amigos visitantes. Assim
é a obra “Seis problemas para Don Isidro Parodi” (1942)

Agora, ao nível da paródia (e de bom nível), destaca-se a figura do
monge detetive em “O Nome de Rosa” (Il nome della rosa, 1980),
romance medievalista do filósofo (e teórico da Semiótica) Umberto
Eco (ITA, 1932-). Gugliemo (ou William) da Baskerville, cujo
nome já é intertextual (lembra William of Occam, da famosa Navalha
de Occam
) e o livro “O Cão dos Baskervilles”, de Sir Conan Doyle),
é um inquisidor e filósofo, que muito observador e meditativo,
consegue desvendar os crimes que ocorrem num afastado mosteiro,
a abrigar um imensa e sombria biblioteca. As peripécias são narradas
pelo jovem monge estudante Adso von Melk (bem ao estilo Watson),
sempre deslumbrado com as observações e deduções do 'mestre'.

No cinema, o monge detetive Gugliemo foi interpretado pelo ator
escocês Sir Sean Connery (o mesmo Agente 007, James Bond, de
Ian Fleming, 1908-64), que também foi o pai do arqueólogo-detetive
Indiana Jones (na pele do ator Harrison Ford), no filme “Indiana Jones
e a última Cruzada
” (1989), do diretor Steven Spielberg (EUA, 1946-),
onde o erudito e exigente Sr. Henry Jones é socorrido (e às vezes
socorre) o filho protagonista. (Connery participa, como Allan
Quatermain, no filme “Liga Extraordinária” (The League of
Extraordinary Gentlemen
, 2003), cheio de heróis victorianos
(os outros são Dorian Gray, Mina Harker (de Dracula), Tom Sawyer,
Dr.Jekyll/Mr. Hyde, Capitão Nemo (do Nautilus), O Fantasma da ópera,
e o Professor Moriarty, o arqui-inimigo de Sherlock Holmes (e aqui
fecha-se o círculo...!). Ou seja, recortes de textos literários é o
que não falta neste filme!

No mais, até J. L. Borges é 'parodiado' em O Nome da Rosa na
personagem Jorge de Burgos, o monge cego e fanático, que guarda
os livros proibidos. O que evidencia que a Literatura pós-moderna
é mesmo intertextualidade, metalinguagem, dialogismo, cópia e citação,
além de síndrome de influência. Todas as personagens se misturam,
todas as experiências se intercambiam, os heróis e os vilões confusos
em paródias e citações. Não que a 'cópia' seja degradada (como diria
um Platão, pensando no 'mundo das Ideias'), mas re-escrita (e
re-contextualizada), num diálogo permanente entre textos, onde
toda escrita é (re)leitura, onde a 'verdade' se estabele pela 'escrita
compartilhada', pelo acúmulo de observações reorganizadas
em um novo (e também mais complexo) quebra-cabeças.


Nov/09


Leonardo de Magalhaens

http://leoliteratura.zip.net/

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A solidão de Idi Amin





A solidão de Idi Amin

LdeM


Fui ao Zoológico para dar pipoca aos macacos.
Logo, informaram-me que era proibido dar pipoca
aos macacos. Limitei-me a ver pastar os elefantes,
a ver matraquear as araras, a ver a sombria harpia,
as acrobacias dos chimpanzés.

De repente, uma jaula (digo, um recinto) imenso.
Não é tão imenso e ciclópico tal aquele dos elefantes.
Nem tanto. Mas é o sonho de casa própria de muita
gente... Quantos metros quadrados? Calculo uns dez
a doze lotes de bairro popular... Para quem? Nem os
chimpanzés exigiam tanto...

Palmeiras, colina, bambuzal, árvores frondosas
e arbustos retorcidos. Uma ampla janela para
observadores de câmeras ativas e celulares
engatilhados. Turmas e turmas de ladies and
gentlemen
afoitos, em gritos, em acenos, ansiosos,
a espera de uma aparição, um acontecimento...

Pois lá habita, cabisbaixo e sem-graça, o gorila, o dono
de todo esse espaço, sozinho, senhor absoluto de tudo,
o gorila, solitário, meio deprê, certamente incomodado
com toda a gente, a cercar seu paraíso tropical, a
procura de atração circense, digo, de zoológico, em
sua cela, ops, digo recinto, onde é a estrela do espetáculo,
sobre o qual sequer foi informado, pois prefere mais
roer umas cenouras em paz.

Obviamente, que o povaréu não deixa o gorila em paz.
Impossibilidade. O astro não tem sossego. Sua vida é
vigiada, fotografada, sem lacunas de privacidade. (O
que um gorila entende de privacidade?) O povaréu
segue os passos do Gorilla gorilla com flashs e risos e
deboches, e até atirariam gravetos e pedras, caso ali
não estivesse o vigia da Fundação Zoobotânica, de
comunicador em punho, a zelar pela segurança do único
gorila em zoológico na América do Sul.

Informação que obtenho do próprio vigia, que se preocupa
com a paz do pobre gorila, nada jovem parece (ele tem
35 anos! e está enjaulado – ou acomodado – aqui há
33 anos!) e tão solitário (já perdeu duas fêmeas!), que
viver só já siginifica viver (como é que é?! 24 anos só e só?),
a solidão é seu habitat natural. E até acho (isso eu ouso
comentar) que arrumar companhia para o gorila é até
arriscado. Vai que ele pode sentir outro Gorilla gorilla
como um rival a invadir o seu espaço aristocrático, ele com
nome de ditador africano sanguinário... Afinal, um macho
e (quantas mesmos?) sei lá, dez fêmeas... (Como ele vai
dar conta do ...?) Pode (ó crueldade animal!) matar a
pobre noivinha gorila...

Fico a pensar (mais não verbalizo, para não melindrar
o gentil vigia de gorila) e a matutar enquanto sigo a lixar
as unhas, pô! se esse gorilão aí, três décadas de solidão,
a sobreviver tão firme e impávido, na mais augusta solitudine,
misgorílica(!) loneliness, por que incomodar o cara agora
com uma (ou duas!) companheiras?! É verdade que a
solidão deprime, mas a companhia estressa (o inferno são
os outros.
..) O pobre Idi é bem capaz de matar a sua
companheira com uma boa cacetada na moleira...


(Moral: Antes só que egoisticamente acompanhado)


out/09


Leonardo de Magalhaens

sábado, 14 de novembro de 2009

poemas de HENRI MICHAUX





HENRI MICHAUX


Cada dia mais exangue
(Chaque jour plus exsangue)



A desgraça insufla seus pequenos e me escolhe.

“É ele, lhes diz, não o deixem mais.”

E eles não me deixaram mais.

A Desgraça insufla seus pequenos.

“É ele, lhes diz, não o deixem mais.”

Eles não mais me deixarão.


Trad. Leonardo de Magalhaens
original em
http://sycosyco.free.fr/texte_michaux_exsangue.htm




HENRI MICHAUX

Emportez-moi
Arraste-me


Arraste-me numa caravela,
Numa velha e doce caravela,
Na roda de proa, ou se venta, na espuma,
E me faça naufragar, lá longe, longe.

Na atrelagem de uma outra época.
No aveludado engodo da neve.
No fôlego daqueles cães reunidos.
Na tropa extenuada das folhas mortas.

Arraste-me sem me quebrar, aos beijos,
Sobre os tapetes de palmas e seus sorrisos,
Nos corredores dos ossos longos, e das articulações.

Arraste-me, ou antes sepulte-me.

Trad. Leonardo de Magalhaens
original em

domingo, 8 de novembro de 2009

As guerras no olhar das crianças (ensaio)








As guerras no olhar das crianças


(ensaio)

A desumanidade do homem para com o homem,
e ainda pior, para as crianças”
(“Man's inhumanity to man and worse still,
to child”)(The Cranberries)

e ainda: “Mais de dois milhões de crianças foram mortas em guerras nos
últimos dez anos, enquanto seis milhões ficaram mutiladas, 12 milhões
perderam suas casas e mais de 10 milhões sofreram danos psicológicos
irrevesíveis. O trágico quadro foi denunciado pela ONU e os dados
mostram que estamos diante de um novo holocausto de inocentes
.”
(Estado de Minas, 13 de outubro de 1998)


Crianças jogadas no furor da guerra dos adultos imaturos,
crianças que não sabem o que sejam certo ou errado (e
os adultos sabem?), não importa sedo 'lado certo' ou do
'lado errado' – precisam se defender e atacar...

Que liberdade tinha a Anne Frank? Ou o Shmuel de “O
Menino do Pijama Listrado
”? Ou a Zlata em Sarajevo,
campo de batalha urbano?

Que liberdade há? Os arautos da liberdade (existencial, política,
social) não sabem... O que Sartre queria dizer com “condenados
à liberdade
”? Ou com “fazermos algo do que fizeram de nós”?
Ou textualmente: “O importante não é aquilo que fazem de nós,
mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram
de nós.”

A liberdade é escolher entre cartas já marcadas? E quando se
nasce num campo de concentração? Ou num campo de batalha?
Nascemos num dado contexto histórico, aprendemos um idioma,
servimos a umapátria, além de um patrão... Os líderes 'formatam'
seus seguidores desde criança – vide a Juventude Leninista,
o Komsomol, ou a Juventude Hitlerista, a Hitlerjugend.


Está na moda (e no mercado) os livros best-sellers sobre crianças
nas guerras, ou melhor, sobre as guerras vivenciadas pelas
crianças. A referência é um dos livros mais famosos (e clássicos)
sobre a temática – o “Diário de Anne Frank”, publicado após
a Segunda Guerra Mundial, pelo pai da menina, ela que não
sobreviveu ao campo de concentração. Trata da invasão da
Holanda, em 1940, a perseguição aos cidadãos judeus,
obrigados a buscar refúgio em porões, em sótãos, a viverem
em dependência de vizinhos, que driblam as políticas nazistas
de prisão e extermínio.

Tamanho é o poder do testemunho de Anne – que praticamente
passou de criança à adolescente num sótão abafado, a lidar com
a puberdade entre os conflitos internos (dos pais, dos vizinhos)
e externos (a guerra entre os Aliados e os nazistas), e tentando
descrever tudo isso numa prosa que evidencia a grande escritora
que perdemos.

Depois, em pleno pós-Guerra Fria, com o fim do 'socialismo real'
(que o capitalismo real festejou!), com a implosão da URSS e com
a guerra civil na Iugoslávia, fez alarde um “Diário de Zlata” (1993),
aqui no Brasil, em edição traduzida o exemplar francês, “Le Journal
de Zlata
”, onde a menina Zlata Filipovic descreve a capital bósnia,
Sarajevo, sob ataque das forças sérvias, em 1992. Zlata foi mesmo
considerada uma “Anne Frank de Sarajevo”, versão moderna do
drama “criança no teatro de guerra.”

Estão bombardeando, as granadas caem. É mesmo a GUERRA.
Papai e mamãe estão muito preocupados; ontem à noite eles
ficaram acordados até tarde, ficaram conversando muito tempo.
Estão tentando descobrir o que fazer, mas está difícil ter bom senso.
Será que devemos partir e nos separar, ou ficar aqui todos juntos?
(...) Percebo que a coisa vai mal. A paz chegou ao fim. A guerra
entrou de repente em nossa cidade, em nossa casa, em nossas
cabeças, em nossas vidas. É horrível. Tão horrível quanto ver mamãe
arrumar minha mala.”
(trad. Antonio de Macedo Soares &
Heloisa Jahn)

Outro best-seller do momento aborda a temática: “A menina que
roubava livros
” (A Book Thief, 2005), do australiano Markus Zusak,
de ascendência germânica, a abordar o bombardeio das cidades
alemãs e o drama do Holocausto – a perseguição nazistas aos
judeus – sob o olhar de uma menina que adora surrupiar livros
alheios, e sobrevive aos golpes da morte ao redor. (Tanto que a
Morte passa a se interessar pela menina e narra a vicissitudes
da protagonista...)

Novamente abordando o Holocausto (já havendo toda uma
literatura, aceita ou não, acadêmica ou não, ficcional ou não,
sobre o tema Shoah...), temos – na perspectiva infantil – a obra
best-seller “O Menino do pijama listrado” (“The Boy in the
Striped Pyjamas
”, 2006, do irlandês John Boyne, onde Bruno,
filho de comandante nazista faz amizade com Shmuel, judeu
(de pijama listrado) na cercanias (e nas cercas) do campo de
concentração de Auschwitz. É uma fábula (diz a propaganda)
sobre a amizade no tempo de guerra, sobre as crianças que
desconhecem o que seja 'inimigo', e morrem inocentes do
perigo ao lado.

O garoto era menor do que Bruno e estava sentado no chão com
uma expressão de desamparo. Ele vestia o mesmo pijama listrado
que todas as outras pessoas daquele lado da cerca, e um boné
listrado de pano. Não tinha sapatos ou meias, e os pés estavam
um pouco sujos. No braço ele trazia uma braçadeira com uma
estrela desenhada
.” (trad. Augusto Pacheco Calil)

O livro gerou tamanha repercussão que já virou filme, em
2008, sob direção de Mark Herman, com o jovem ator
(nascido em 1997) Asa Butterfield, no papel do protagonista
Bruno, que no livro tem nove anos. A inocente criança moída
e consumida pelas engrenagens da guerra. Para muitos, uma
criança 'inocente até demais', que não percebe morar ao lado
de uma enorme prisão, onde as pessoas de pijamas listrados
gradativamente desaparecem...

Como uma alegoria do ex-patriado temos a obra “Memórias
de um menino que se tornou estrangeiro
”, de 2007, do paulista
Marcos Cezar de Freitas, que mostra um menino-narrador,
em fuga, dentro da própria cidade bombardeada, em ruínas,
perdendo as referências, depois seguindo para terras estrangeiras,
onde a guerra ainda não chegou, e vendo-se 'estranho', a
reconstruir sua identidade (dada coletivamente, na família, na
pátria, no mundo), enquanto a guerra cria um imenso muro a
separar as pessoas, os povos. Quem é o estrangeiro? Quem é
o inimigo? A guerra rotula e segmenta, cria abismos sociais e
perpetua preconceitos.

De que país eu era, então? Meu país era um navio?” Indaga-se
o protagonista-narrador, ao ver-se partindo para o exílio, junto
aos refugiados, os cidadãos de outrora, agora obrigados a
depender a boa-vontade de outros cidadãos de outros países,
além das agências internacionais que trabalham para amenizar
os traumas das guerras. Mas em outra cidade de outro país,
serão sempre os estrangeiros, com outro idioma, outro modo
de vida, sempre em guettos, sempre temendo os 'pogroms',
pois a xenofobia é um vírus encubado a espera de uma
ocasião explosiva para se disseminar, atrás de novas vítimas.


Hoje as crianças na guerra são as africanas. O Primeiro-Mundo
vendeu seus arsenais (já ultrapassados!) para o Terceiro Mundo –
e agora são os pobres que se matam. Não há uma Guerra Mundial
entre imperialistas, mas Guerras Regionais entre tribos e etnias rivais,
entre interesses comerciais, entre crenças díspares, entre fronteiras
incertas. Como podemos ver no filme “O Senhor das Armas
(Lord of War, USA, 2005, com Nicolas Cage), que mostra os
conflitos na Libéria, na Serra Leoa, no Sudão, no Líbano, que se
alimentam de armamentos contrabandeados do Leste europeu,
dos Estados Unidos, num grande mercado obscuro de armamentos,
Não importa onde você vá, lá vai haver uma arma.”, diz, irônico,
o protagonista, traficante de armas.

As crianças hoje são soldados-mirins, que empunham armas e
disseminam minas, vitimadas e vitimando, sofrendo ao lado dos
adultos e lutando ao lado (e contra) os exércitos, as guerrilhas,
os terroristas, em nome de deuses e etnias, de crenças e ideologias,
perdendo todas as promessas de um futuro.


Out/09


Leonardo de Magalhaens

domingo, 1 de novembro de 2009

NIETZSCHE - O louco (in Gaia Ciência)





FRIEDRICH NIETZSCHE



in: A Gaia Ciência

125 – o louco

Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna em pleno dia
e corria pela praça, gritando: "Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!"
Mas aqueles que não acreditam em Deus, ficavam rindo, e diziam:
"Estará perdido, tal uma criança?", "Estará escondido? Estará com
medo de nós?", "Terá viajado?"

O louco então gritou:
- Para onde foi Deus? o que vos direi!
Nós o matamos! Vós e eu!
Somos nós, nós todos, os assassinos!
Mas como fizemos isso?
Como esvaziamos o mar? Como apagamos o horizonte?
Como tiramos a terra de sua órbita? Para onde vamos agora?
Não estamos sempre caindo? Para frente, para trás, para os lados?
Mas haverá ainda um acima, um abaixo?
Não estaremos vagando através de um infinito Nada?
Não sentiremos na face o sopro do vazio? O imenso frio?
Não virá sempre noite após noite? Não acenderemos lâmpadas
em pleno dia?
Não podem ouvir o barulho dos coveiros - enterrando Deus?
Ainda não sentiram o fedor da decomposição divina?
Os deuses também apodrecem! E Deus morreu!
Deus está morto! E nós o matamos!
Como poderemos nos consolar? Nós, os assassinos dos assassinos?
O que havia de mais sagrado sangrou sob o nosso punhal,
quem nos limpará deste sangue?
Que água nos poderá lavar?
Que sacrifícios devemos sofrer?
A grandeza deste ato é demasiado grande para nós,
não será preciso que sejamos deuses para
sermos dignos desta grandeza?

O louco ficou calado, e também todos os outros.
Atirou fora a lanterna, que se quebrou.
E dizem que entrava nas igrejas e entoava os funerais de Deus,
e era expulso e interrogado.
Sempre dizia o mesmo: -O que são estas igrejas além de túmulos e
monumentos funerários de Deus?

Trad. adpt. Leonardo de Magalhaens


FRIEDRICH NIETZSCHE

Die fröhliche Wissenschaft (1882)
(la gaya scienza)


125

Der tolle Mensch.— Habt ihr nicht von jenem tollen Menschen gehört, der am hellen Vormittage eine Laterne anzündete, auf den Markt lief und unaufhörlich schrie: "ich suche Gott! Ich suche Gott!"—Da dort gerade Viele von Denen zusammen standen, welche nicht an Gott glaubten, so erregte er ein grosses Gelächter. Ist er denn verloren gegangen? sagte der Eine. Hat er sich verlaufen wie ein Kind? sagte der Andere. Oder hält er sich versteckt? Fürchtet er sich vor uns? Ist er zu Schiff gegangen? ausgewandert?—so schrieen und lachten sie durcheinander. Der tolle Mensch sprang mitten unter sie und durchbohrte sie mit seinen Blicken. "Wohin ist Gott? rief er, ich will es euch sagen! Wir haben ihn getödtet,—ihr und ich! Wir Alle sind seine Mörder! Aber wie haben wir diess gemacht? Wie vermochten wir das Meer auszutrinken? Wer gab uns den Schwamm, um den ganzen Horizont wegzuwischen? Was thaten wir, als wir diese Erde von ihrer Sonne losketteten? Wohin bewegt sie sich nun? Wohin bewegen wir uns? Fort von allen Sonnen? Stürzen wir nicht fortwährend? Und rückwärts, seitwärts, vorwärts, nach allen Seiten? Giebt es noch ein Oben und ein Unten? Irren wir nicht wie durch ein unendliches Nichts? Haucht uns nicht der leere Raum an? Ist es nicht kälter geworden? Kommt nicht immerfort die Nacht und mehr Nacht? Müssen nicht Laternen am Vormittage angezündet werden? Hören wir noch Nichts von dem Lärm der Todtengräber, welche Gott begraben? Riechen wir noch Nichts von der göttlichen Verwesung?—auch Götter verwesen! Gott ist todt! Gott bleibt todt! Und wir haben ihn getödtet! Wie trösten wir uns, die Mörder aller Mörder? Das Heiligste und Mächtigste, was die Welt bisher besass, es ist unter unseren Messern verblutet,—wer wischt diess Blut von uns ab? Mit welchem Wasser könnten wir uns reinigen? Welche Sühnfeiern, welche heiligen Spiele werden wir erfinden müssen? Ist nicht die Grösse dieser That zu gross für uns? Müssen wir nicht selber zu Göttern werden, um nur ihrer würdig zu erscheinen? Es gab nie eine grössere That,—und wer nur immer nach uns geboren wird, gehört um dieser That willen in eine höhere Geschichte, als alle Geschichte bisher war!"—Hier schwieg der tolle Mensch und sah wieder seine Zuhörer an: auch sie schwiegen und blickten befremdet auf ihn. Endlich warf er seine Laterne auf den Boden, dass sie in Stücke sprang und erlosch. "Ich komme zu früh, sagte er dann, ich bin noch nicht an der Zeit. Diess ungeheure Ereigniss ist noch unterwegs und wandert,—es ist noch nicht bis zu den Ohren der Menschen gedrungen. Blitz und Donner brauchen Zeit, das Licht der Gestirne braucht Zeit, Thaten brauchen Zeit, auch nachdem sie gethan sind, um gesehen und gehört zu werden. Diese That ist ihnen immer noch ferner, als die fernsten Gestirne,—und doch haben sie dieselbe gethan!"—Man erzählt noch, dass der tolle Mensch des selbigen Tages in verschiedene Kirchen eingedrungen sei und darin sein Requiem aeternam deo angestimmt habe. Hinausgeführt und zur Rede gesetzt, habe er immer nur diess entgegnet: "Was sind denn diese Kirchen noch, wenn sie nicht die Grüfte und Grabmäler Gottes sind?" —