quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pablo Neruda - Oda a la crítica - Ode à Crítica



PABLO NERUDA

Oda a La Crítica

Ode à Crítica

Escrevi cinco versos: um verde,
outro era um pão redondo,
o terceiro uma casa se levantando,
o quarto era um anel
o quinto verso era
curto como um relâmpago
e ao escrevê-lo
me deixou na razão sua queimadura.

E bem, os homens, as mulheres,
vieram e tomaram
a simples matéria,
fibra, vento, fulgor, barro, madeira,
e com tão pouca coisa
construíram
paredes, pisos, sonhos.
Numa linha da minha poesia
secaram roupa ao vento.
Comeram as minhas palavras,
guardaram-nas
junto a cabeceira,
viveram com um verso,
com a luz que saiu do meu lado.

Então,
chegou um crítico mudo
e outro cheio de línguas,
e outros, outros chegaram
cegos ou cheios de olhos,
elegantes alguns
com cravo com sapatos vermelhos,
outros estritamente
vestidos de cadáveres,
alguns partidários
do rei e sua elevada monarquia,
outros haviam se
embaraçado na figura
de Marx e esperneavam na sua barba,
outros eram ingleses
simplesmente ingleses,
e entre todos se lançaram
com dentes e facas,
com dicionários e
outras armas negras,
com citações respeitáveis,
se lançaram
para disputar a minha pobre poesia
às pessoas simples
que a amavam:
e dela fizeram funis,
enrolaram-na,
prenderam-na com cem alfinetes,
cobriram-na com pó de esqueleto,
encheram-na de tinta,
nela cuspiram com suave
benignidade de gatos,
destinaram-na a envolver relógios,
protegeram-na e condenaram-na,
juntaram-lhe petróleo,
dedicaram-lhe úmidos tratados,
cozinharam-na com leite,
juntaram pequenas pedrinhas,
foram lhe apagando vogais,
foram lhe matando
sílabas e suspiros,
amassaram-na e fizeram
um pequeno pacote
que destinaram cuidadosamente
aos seus sótãos, aos seus cemitérios,
logo se retiraram um a um
enfurecidos até a loucura.
Porque não fui bastante
popular para eles
ou impregnados
de doce menosprezo
pela minha ordinária falta de trevas,
retiraram-se todos,
e então,
outra vez, junto à minha poesia
voltaram a viver
mulheres e homens,
de novo fizeram fogo,
construíram asas,
comeram pão,
repartiram entre si a luz
e no amor uniram
relâmpago e anel.
E agora, perdoai-me, senhores,
que interrompo este conto
que lhes estou narrando
e vá viver
para sempre
junto a gente simples.


In: Odas Elementares (1954)


Oda a la crítica

Trad. Livre : Leonardo de Magalhaens

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