sábado, 24 de outubro de 2009

A dama da rua Espinosa (conto)



Conto

A Dama da Rua Espinosa

Mezzanotte. Desço na Pedro II, avenida morta. Noite
de sexta-feira, de agitos obscuros. Ao deixar um sarau
de poemas calientes e corpos desnudos, já de todo
indiferente às sombras dos mendigos abrigados sob
casebres de papelão sob a marquise de loja de auto-peças.

Antevejo um vulto que diria feminino, mas cultivei
prudente dúvida, a considerar a fauna de
quase-mulheres que tem habitat natural nas penumbras
da Pedro II, para a inglória do Imperador...

Mas não posso estar enganado! O olhar é de mulher,
de promessas de luxúria! Assim, a querer dizer algo,
oferecer algo, ou a si-mesma. Mas não a mim! Eis
que ouço meus passos furando a rua morta, ladeira
acima, a Espinosa, prevendo a torre da Igreja, o
inebriante aroma de dama-da-noite no jardim do sacristão.
Prevejo o horário futuro, os ponteiros indicando meia-noite,
ou mais, não sei ainda, tudo está ladeira acima, meus
passos nada mais fazem do que me conduzir.

Mas a dama da rua Espinosa não olha para mim! Mas
para o primeiro carro a parar no sinal fechado. Ao volante
um jovem baladeiro, a desfrutar a fortuna familiar, mas não
tão generoso – não paga o preço, “você está doido?”, a
voz feminina me alcança, o carro já se afasta, a mulher
cambaleia. Depois endireita-se e espera o próximo veículo.
Que passa por mim.

Ao volante vejo um senhor careca, sóbrio e sério, que durante
o dia (e o resto da semana) é pai de família ou desquitado,
dono de mercearia ou vendedor de seguros, mas nas noites
de sexta-feira, ele mesmo, ou seu clone, sai de carro a
admirar - e caçar – as damas da noite, ali no sinal da
rua Espinosa, ou outra rua escura qualquer. E ele paga o
preço! Ela contorna o carro e se vai, os faróis se derretem no
escuro.

Quanto a mim, o que fazer além de seguir ladeira acima? A
ouvir meus passos, com ou sem moralismos, a admirar a ousadia
do trabalho, a oferta do próprio corpo!, da dama da noite, aquela
de olhos faiscantes, de pele brilhante e mini-saia que entrou
no carro e agora a se debruçar sobre a calça do senhor velho
proprietário, agora não tão sério assim...

Os olhos cintilantes ali na esquina da Espinosa, a prometer prazer
e coisitas mais, naquela noite de sexta-feira, onde vultos se excitam
e se seduzem, se arrastam para antros de desejos, desde que
alguém pague o preço.

23/24out/09

Leonardo de Magalhaens

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