sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Lorca - Ode a Walt Whitman





FEDERICO GARCÍA LORCA

ODA A WALT WHITMAN
(1933)

Ode a Walt Whitman

Através do East River e do Bronx
os rapazes cantavam mostrando suas cinturas,
com a roda, o azeite, o couro, e o martelo
Noventa mil mineiros extraíam prata das rochas
e os garotos desenhavam escadas e perspectivas.

Mas ninguém dormia,
ninguém queria ser o rio,
ninguém amava as folhas grandes,
ninguém a língua azul da praia.

Através do East River e do Queensborough
os rapazes lutavam com a indústria,
e os judeus vendiam ao fauno do rio
a rosa da circuncisão
e o céu desembocava pelas pontes e telhados
manadas de bisões empurradas pelo vento.

Mas ninguém se detinha,
ninguém queria ser nuvem,
ninguém buscava os fetos
nem a roda amarela do tamboril.

Quando a lua saía,
as roldanas rodaram para derrubar o céu;
um limite de agulhas cercara a memória
e os ataúdes levarão os que não trabalham.

Nova York de lama,
Nova York de espanto e de morte.
Que anjo levas oculto na face?
Que voz perfeita dirá as verdades do trigo?
Quem o sonho terrível de tuas anedotas manchadas?

Nem um só momento, velho e formoso Walt Whitman,
deixei de ver tua barba cheia de mariposas,
nem teus ombros de veludo gastados pela lua,
nem tuas coxas de Apolo Virginal,
nem tua voz como uma coluna de cinzas;
ancião formoso como a névoa
que gemia igual a um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha,
inimigo do sátiro, inimigo da vide
e amante dos corpos sob o tecido rude

Nem um só momento, formosura viril
que em montes de carvão, anúncios e ferrovias
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria em teu peito
uma pequena dor de ignorante leopardo.

Nem um só momento, Adão de sangue, macho,
homem solitário no mar, velho formoso Walt Whitman
porque pelas açoteias, agrupados nos bares,
saindo em cachos dos esgotos,
tremendo entre as pernas dos chaffeurs
ou girando nas plataformas de absinto,
os maricas, Walt Whitman, te sonhavam.

Também esse ! Também! E despencam
sobre tua barba luminosa e casta,
louros do norte, negros da areia,
multidões de gritos e gestos,
semelhantes a gatos e serpentes,
os maricas, Walt Whitman, os maricas
turvos de lágrimas, carne para o açoite,
mostra a mordedura dos domadores.


Também esse! Também ! Dedos tingidos
apontam a borda de teu sonho
quando o amigo igual a tua maçã
com um leve sabor de gasolina
e o sol canta pelos umbigos
dos rapazes que jogam debaixo das pontes.

Mas tu não buscavas os olhos arranhados,
nem o pântano escuríssimo de onde submergem os garotos,
nem a saliva gelada,
nem as curvas feridas como pança de sapo
que levam os maricas em carros e terraços
enquanto a lua os açoita pelas esquinas do terror.

Tu buscavas um desnudo que fosse como um rio,
touro e sonho que junte a roda com a alga,
pai de tua agonia, camélia de tua morte,
e gemesse nas chamas de teu equador oculto.

Porque é justo que o homem não busque seu deleite
na selva de sangue da manhã seguinte.
O céu tem praias onde evitar a vida
e existem corpos que não devem se repetir na aurora.

Agonia, agonia, sonho, fermento e sonho.
Este é o mundo, amigo, agonia, agonia.
Os mortos se decompõem sob o relógio das cidades,
a guerra passa chorando com um milhão de ratazanas cinzentas,
os ricos dão às suas queridas
pequenos moribundos iluminados.
E a vida não é nobre, nem boa, nem sagrada.

Pode o homem, se quiser, conduzir seu desejo
por veia de coral ou celeste nudez.
Amanhã os amores serão rochas e o Tempo
uma brisa que vem adormecida pelos ramos.

Por isso não levanto minha voz, velho Walt Whitman
contra o garoto que escreve
o nome da garota em sua almofada,
nem contra o rapaz que se veste de noiva
na escuridão da rouparia,
nem contra os solitários dos cassinos
que bebem com asco a água da prostituição,
nem contra os homens de olhada verde
que amam o homem e queimas seus lábios em silêncio.

Mas sim contra vós, maricas das cidades,
de carne tumefacta e pensamento imundo,
mães de lodo, harpias, inimigos sem sonho
do Amor que reparte coroas de alegria.

Contra vós sempre, que dais aos rapazes
gotas de morte suja com amargo veneno.
Contra vós sempre,
Fadas da Ameŕica do Norte,
Pássaros de Havana,
Podres do México,
Sarasas de Cádiz,
Touros de Sevilha,
Cancos de Madrid,
Flores de Alicante,
Adelaides de Portugal.

Maricas de todo o mundo, assassinos de pombas!
Escravos da mulher, putas de suas camas,
abertos nas praças com febre de abano
ou emboscadas rígidas paisagens de cicuta.

Não há abrigo! A morte
emana de vossos olhos
e agrupa flores cinzas nas beiras dos cílios.
Não há abrigo! Alerta!
Que os confundidos, os puros,
os clássicos, os assinalados, os suplicantes,
fecham para vós as portas do bacanal.

E tu, belo Walt Whitman, dorme às margens do Hudson,
com a barba até o pêlo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, tua língua está chamando
camaradas que velem tua gazela sem corpo.
Dorme, não sobra nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América se afoga de máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais funda
acalme flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do ouro
a chegada do reino da espiga.

Trad. livre por Leonardo de Magalhaens


ODA A WALT WHITMAN original em

Um comentário:

  1. Olá, será que você pdoeria me ajudar a entender este texto?
    Abraço grande.
    Will Dylor.

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