Luís Fernando Veríssimo
[crônica]
SUMIDO
Me disseram "Você anda sumido"
e me dei conta de que era verdade. Eu também, fazia tempo que não
me via. O que teria acontecido comigo? Não me encontrava nos lugares
em que costumava ir. Perguntava por mim e as pessoas diziam "É
verdade, você anda sumido". E "Que fim levou você?"
Eu não tinha a menor ideia que fim tinha me levado. A última vez em
que me vira fora, deixa ver... Eu não me lembrava!
Eu teria morrido? Impossível, na
última vez em que me vira eu estava bem. Não tinha, que eu
soubesse, nenhum problema grave de saúde. E, mesmo, eu teria visto o
convite para o meu enterro no jornal. O nome fatalmente me chamaria a
atenção.
Eu podia ter mudado de cidade. Era
isso. Podia ter ido para outro lugar, podia estar em outro lugar
naquele momento. Mas por que iria embora assim, sem dizer nada para
ninguém, sem me despedir nem de mim? Sempre fomos tão ligados.
No outro dia fui a um lugar que eu
costumava frequentar muito e perguntei se tinham me visto. Não era
gente conhecida, precisei me descrever. Não foi difícil porque me
usei como modelo. "Eu sou um cara, assim, como eu. Mesma altura,
tudo". Não tinham me visto. Que coisa. Pensei: como é que
alguém pode simplesmente desaparecer desse jeito?
Foi então que comecei, confesso, a
pensar nas vantagens de estar sumido. Não me encontrar em lugar
algum me dava uma espécie de liberdade. Podia fazer o que bem
entendesse, sem o risco de dar comigo e eu dizer "Você, hein?".
Mudei por completo de comportamento. Me tornei - outro! Que
maravilha. Agora, mesmo que me encontrasse, eu não me reconheceria.
Comecei a fazer coisas que até eu duvidaria, se fosse eu. O que mais gostava de ouvir das pessoas espantadas com a minha mudança era: "Nem parece você". Claro que não parecia eu. Eu não era eu. Eu era outro!
Passei a me exceder, embriagado pela
minha nova liberdade. A verdade é que estar longe dos meus olhos me
deixou fora de mim. Ou fora do outro. E um dia ouvi uma mulher
indignada com o meu assédio gritar "Você não se enxerga,
não?" E então, tive a revelação.
Claro, era isso. Eu não estava
sumido. Eu simplesmente não me enxergava. Como podia me encontrar
nos lugares onde me procurava se não me enxergava? Todo aquele tempo
eu estivera lá, presente, embaixo, por assim dizer, do meu nariz, e
não me vira.
Por um lado, fiquei aliviado. Eu estava vivo e bem,
não precisava me preocupar. Por outro lado, foi uma decepção.
Concluí que não tem jeito, estamos sempre, irremediavelmente,
conosco, mesmo quando pensamos ter nos livrado de nós.
A gente não desaparece. A gente às
vezes só não se enxerga.
Fonte: facebook do autor
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