Rubem
Alves
Rubens
Alves entrevista Nietzsche tocando flauta
“O
meu nome é Zaratustra,
e me espanto de que você me tenha pedido para tocar uma "variação
filosófica" na minha flauta. Com certeza você não me conhece.
Sou músico. Mas a música que toco não agrada aos filósofos. Basta
que eu comece a tocar para que os filósofos comecem a correr.
A
flauta que tenho na mão é a flauta de Dionísio, o deus grego da
alegria. Ela tem poderes mágicos, semelhantes aos da flauta do
flautista de Hamelin. Quem ouve a sua música fica alegre e se põe a
dançar. (FN III, p.(II) 1146; Ecce
Homo,
" O Caso Wagner", #1).
Por
isso os filósofos correm: eles têm medo de que eu, com minha
música, os faça dançar. A dança é o que mais os amedronte.
Porque dança é coisa que se faz com o corpo inteiro. Mas os
filósofos não têm corpo. Eles só têm cabeça e olhos. É dos
seus olhos que nascem os seus pensamentos. Não sabendo dançar, nem
mesmo pensar eles sabem. Porque pensar é dançar com os pensamentos.
Os pensamentos dos filósofos não dançam. Eles marcham, como
soldados em ordem unida.
Por
muitos séculos esta flauta esteve enterrada. Desde Sócrates, quando
a razão triunfou sobre o instinto. Foi nesse momento, quando a
flauta de Dionísio foi enterrada, que a decadência do mundo grego
começou. (FN-III (II) p. 1109, Ecce
Homo,
Prefácio, 2 ).
Essa
flauta tem o poder mágico de acordar o instinto. Aqui já aparece o
meu conflito com os filósofos: falei em magia. Para os filósofos
magia é superstição. Os filósofos não acreditam que as palavras
tenham o poder de criar. As palavras são, para eles, apenas
"ferramentas" na oficina da razão. Eles "usam"
as palavras. Suas palavras pertencem ao mundo da "utilidade".
Mas magia é, precisamente, criar pelo poder da palavra.
Em
oposição aos filósofos, as palavras para mim são música. Eu as
uso como quem toca um instrumento, porque elas são belas, porque
elas são diáfanas pontes coloridas sobre coisas eternamente
separadas, pelo prazer que me dão. As palavras fazem amor. Minhas
palavras pertencem ao mundo do deleite, da fruição.
Faço
isso não só por puro prazer, mas porque acredito que a beleza e a
alegria são divinas. São elas que dão ao homem o poder de
contemplar e viver a tragédia sem serem destruídos por ela. Foi
assim que os gregos triunfaram sobre a tragédia: eles a
transformaram em beleza. E ainda há alguns que me acusam de
impiedade, de não acreditar em Deus. Como dizer isso, se a beleza
existe? Acredito em deus, sim, num deus que dança...
*[ “Eu
poderia crer somente num deus que dançasse. E quando vi o meu
demônio eu o encontrei sério, rigoroso, profundo e solene: era o
espírito da gravidade – por ele todas as coisas afundam. Não se
mata por meio do ódio. Mata-se por meio do riso. Venham, vamos matar
o espírito de gravidade! Agora estou leve! Agora eu vôo! Agora um
deus dança através do meu corpo.” ( FN II ( II ) p.307 , Assim
falou Zaratustra, “Sobre o ler e o escrever” ]*
É
verdade que, vez por outra, eu uso as palavras como ferramentas, por
vezes como diapasão, para testar a afinação, às vezes como fogo,
havendo alguns que chegaram a me acusar de incendiário, como
martelos e marretas, para destruir e até mesmo como pimenta....
Mas,
se faço isso, eu o faço da mesma forma como o cozinheiro usa a faca
e os fogos, da mesma forma como o escultor usa o martelo e o cinzel,
da mesma forma como o jardineiro usa as cavadeiras e as enxadas, da
mesma forma como o parteiro usa os fórceps: para que uma coisa nova,
bela e alegre possa nascer. Todo criador tem de ser um destruidor.
*[
“Entre as condições para a tarefa dionisíaca estão, de uma
forma decisiva, a dureza do martelo, a alegria mesmo em destruir. ...
Todos os criadores são duros... ( FN III (II), p. 1140. Ecce
Homo,
“Assim falou Zaratustra”, #8) ]*
Não
é assim que os filósofos usam as palavras. A oficina deles só tem
instrumentos de ótica: óculos dos mais variados tipos, lentes,
microscópios, telescópios, prismas, velas, lanternas, lâmpadas,
holofotes, e especialmente espelhos. Muitos espelhos. Os filósofos
desejam ser espelhos, espelhos de cem olhos. Todos os outros
instrumentos existem por causa dos espelhos. A filosofia deseja ser
um reflexo, um reflexo apenas. A isso os filósofos dão o nome de
verdade. ( PN II ( II ) p. 652, Assim falou Zaratustra ).
Stendhal
descreveu com precisão o caráter do filósofo. "Para se ser um
bom filósofo", ele disse, "é preciso ser seco, claro, sem
ilusões. Um banqueiro que fez fortuna tem uma parte do caráter
exigido para se fazer descobertas em filosofia, ou seja, para ver com
clareza dentro daquilo que é". ( FN-III, (II)p. 603; Além
do Bem e do Mal,
40).
Houve
um outro pensador que disse que a única coisa que os filósofos
profissionais queriam era interpretar o mundo. Ora, interpretar é
refletir, produzir uma imagem. Mas até mesmo as mulheres vaidosas
que passam o dia contemplando a sua imagem nos espelhos o fazem para
ver se há formas de ficarem mais belas. De forma alguma se
conformariam com uma imagem feia. O mundo pede para ser transformado.
O
deserto deseja ser um jardim. "Faça amor comigo!", diz o
mundo. A que o filósofo responde: "Isso eu não posso. Para
isso falta-me o órgão apropriado... Mas trago comigo uma câmera
fotográfica. Que tal, ao invés do amor, uma foto colorida?"
Os
filósofos desejam ver. Mas a minha alma é de músico. O mundo, para
mim, é um instrumento cósmico onde dormem as mais belas melodias.
Os filósofos dizem que estão em busca da verdade. Mas a verdade,
para eles, é o que é. Mas aquilo que é não pode não pode ser a
verdade. A verdade do piano não é o piano: são as músicas que ele
pode tocar. A verdade é o possível. Onde estava a sonata antes de
ser tocada no piano? Estava no sonho do compositor. A verdade do
universo está nos corações dos homens, no lugar dos seus sonhos. "
Todos aqueles que tiveram de criar tiveram também os seus sonhos
proféticos e sinais astrais – e fé na fé." Quem só
reflete, como espelho, sem sonhar, é estéril. ( FN – II – (II),
p. 378) Em que lugar do mundo se encontram as peças de Schumann,
para serem refletidas? Em lugar algum. Daí minha tristeza, ao
contemplar os meus contemporâneos. Escrevi, para eles, palavras
amargas e tristes.
*[
“Esta, na verdade, é a amargura das minhas entranhas, que eu não
posso suportar vocês nem nús e nem vestidos, vocês, homens de
hoje. Tudo o que é sinistro no futuro e tudo o que jamais fez
pássaros fugitivos tremer é certamente mais confortável e familiar
que a sua “realidade”. Pois assim vocês falam: “ Somos reais,
inteiramente, sem crenças ou superstições.” E assim vocês
estufam os peitos - mas eles são ôcos! (...). Nos seus espíritos
todas as eras tagarelam umas contra as outras; mas os sonhos e a
tagarelice de todas as eras são mais reais que a sua vigília. Vocês
são estéreis: essa é a razão por que vocês não têm fé. Porque
todos os que tiveram de criar também tiveram seus sonhos proféticos
e sinais astrais - e tiveram fé na fé. Vocês são portas
semi-abertas onde os coveiros esperam. E essa é a sua realidade: “
Tudo deve perecer”.]*
A
evidência de que o possível foi atingido, ainda que num momento
fugaz, está na experiência de alegria. Na alegria o corpo,
encantado, está dizendo: " É isso mesmo! Assim é, assim deve
ser!"*
Tive
essa experiência muitas vezes. Com a flauta de Dionísio eu desejo
acordar o possível, fazer o mundo vibrar, como música. Não me
basta ver sem tocar. Quero sentir o mundo estremecer de amor, ao
sentir o toque mágico das minhas palavras.
É
isso que me separa dos filósofos: sou um amante. Tenho uma caso de
amor com o universo...
Eu
toco a flauta de Dionísio para acordar o instinto. Instinto é a
fonte transbordante de vida que borbulha dentro do corpo. Foi aí,
nessa fonte de vida, dentro do corpo que encontrei a flauta de
Dionísio.
Mas
não salte para conclusões precipitadas, imaginando que eu pertenço
ao rebanho dos psicanalistas. É verdade que também eles descobriram
os instintos. Mas, tendo vergonha de tocar a flauta de Dionísio, por
medo de que os filósofos os acusassem de feitiçaria, ao se
aproximarem da fonte borbulhante de vida as suas palavras agitam o
lodo, e a água cristalina fica suja. Basta que falem para que as
flores se transformam em esterco e a felicidade se transforme em
infelicidade.
Nisto
eles revelam seu parentesco com seus ancestrais, os sacerdotes que,
como disse o poeta William Blake, à semelhança das lagartas que
escolhem as folhas mais belas para nelas botar os seus ovos, escolhem
as nossas alegrias mais belas para nelas botar suas maldições (
William Blake, The
Portable Blake,
p. 254).
Comigo
é diferente: quando eu toco a minha flauta os monstros se põe a
rir. Eu gostaria que os psicanalistas ouvissem o que eu disse de
Édipo, o seu herói: "Ele subjugou monstros, decifrou enigmas:
mas é preciso que ele redima ainda os seus próprios monstros e
enigmas, transformando-os em crianças celestiais. Até agora o seu
conhecimento não aprendeu a sorrir e a ser sem inveja; até agora a
sua paixão torrencial não encontrou a tranquilidade da beleza."
( FN II (II), p. 374; Assim
Falou Zaratustra,
II, " Sobre aqueles que são sublimes").
Concordamos,
os psicanalista e eu, em que o corpo é um mar e " a consciência
é a superfície" ( FN-III - p.(II)1095; Ecce Homo # 9). Mas, em
oposição às suas funduras sinistras, " o fundo do meu mar é
tranquilo: quem poderia imaginar que nele vivem monstros brincalhões?
Minhas profundezas são imperturbáveis. Mas elas cintilam com
enigmas e risos nadantes." (FN-II (II) p.372; Assim Falou
Zaratustra, II, " Sobre aqueles que são sublimes").
Dentro
de todos os abismos eu ainda levo comigo o meu "Sim"
abençoante... - Mas isso, de novo, é o conceito de Dionísio. ( FN
-III, . (II), p. 1136).
Os
psicanalistas desconfiam dos instintos e chegam mesmo a falar de um
instinto de morte. Para eles o instinto é burro, irracional, só
quer prazer. Daí o nome de "princípio do prazer" que o
fundador da psicanálise deu ao princípio mais fundo da alma humana.
Eu
concordo: o prazer, em si mesmo, é burro e irracional. Mas, para
mim, o que se encontra no fundo da alma humana, ali no lugar onde
brotam as fontes das águas da vida, não é o desejo do prazer mas o
desejo da alegria. A alegria está ligada à beleza. A alegria é a
marca da beleza. A alegria é a prova dos nove...Sempre que se tem
alegria pode-se saber que a beleza se mostrou. Freud falou no
“princípio do prazer”. Eu digo “princípio da beleza”...
Ah!
Você pede uma imagem... É assim. Prazer é a experiência do
orgasmo puro. Pode ser produzido até por masturbação. Alegria é o
que sente o amante na simples memória do rosto da pessoa amada. O
orgasmo, como todas as experiências de prazer, uma vez acontecido,
esgota-se. Não se deseja mais. Prazer é descarga. A alegria, ao
contrário, não se cansa. A alegria, pela simples memória do rosto
da pessoa continua suavemente. A alegria é a experiência de união
com objeto amado. O prazer tem a ver com o corpo só. A alegria, ao
contrário, é uma experiência de amor: o corpo em harmonia com o
mundo. Também eu desejo a razão. Mas, por oposição àqueles que
pensam que a razão é um espelho do real, eu afirmo que a razão é
um artista que toma o real como matéria prima para transformá-lo,
de sorte a produzir a beleza e a alegria. "A única felicidade
está na razão. Mas a razão mais alta está na obra do artista, (
que em tudo se assemelha) a gerar e educar um ser humano" ( The
Portable Nietzsche
, p. 50).
Vou
fazer uma confissão que não deveria fazer, porque sei que os
"filósofos" vão usá-la contra mim. Foi num longo período
de doença que a minha filosofia nasceu. Foi então que "eu
descobri de novo a vida, inclusive a mim mesmo. Foi então que provei
todas as coisas boas, mesmo as pequenas, de uma forma que os outros
não podem provar com facilidade. Transformei então a minha vontade
de saúde, a minha vontade de vida, numa filosofia". (FN-III, p.
(II) 1072; Ecce Homo, " Por que eu sou tão sábio" #2.). "
Somente a minha doença me trouxe à razão" (FN - III, (II) p.
1072; Ecce Homo, p.(II)1086, " Por que eu sou tão esperto"
# 2).
É
preciso estar na iminência de perder as coisas para tomar
consciência delas. A possibilidade de perder aguça a capacidade de
sentir o gosto. Assim aconteceu comigo. Minha filosofia, assim,
nasceu da mais alta afirmação da vida, "da abundância, da
exuberância, do Sim sem reservas, mesmo ao sofrimento, mesmo à
culpa, mesmo a tudo aquilo que é questionável e estranho na
existência" ( FN-III- (II) p. 1109, Ecce
Homo,
" O Nascimento da Tragédia" # 2).
Isso
foi coisa que aprendi com os Gregos: para se enfrentar o trágico é
preciso que o corpo esteja possuído pela Beleza.
A
doença, com a possibilidade da perda, transformou os meus olhos. Não
me bastava espelhar o mundo dentro dos meus olhos. Eu queria
possuí-lo, sentir o seu gosto bom. Isso que digo me apareceu "num
sonho, no último sonho da manhã...
"
... eu me encontrava ao pé das colinas - além do mundo; tinha uma
balança nas minhas mãos e pesava o mundo... Com que certeza meu
sonho olhava para esse mundo finito - não fazendo perguntas, não
querendo possuir, sem medo, sem mendigar... - era como se uma maçã
inteira se oferecesse à minha mão, maçã madura e dourada, de pele
fresca, macia, aveludada, assim esse mundo se ofereceu a mim... -
como se uma árvore me acenasse, galhos longos, vontade forte,
curvada como um apoio, lugar mesmo de descanso para o caminhante
cansado, assim estava o mundo ao pé das minhas colinas;
-como
se mãos delicadas me trouxessem um escrínio, um escrínio aberto
para o deleite de olhos tímidos, olhos que adoram, assim o mundo se
ofereceu hoje a mim; -não um enigma que assusta o amor humano, não
uma solução que faz dormir a sabedoria humana: uma coisa boa,
humana: assim o mundo foi, para mim, hoje, embora tanto mal se fale
dele..." ( FN- II, (II),p. 435).
Mas
aqui é preciso ter cuidado. Nem todos aprenderam o segredo da
alegria. "A vida é uma fonte de alegria; mas ali, onde a plebe
também bebe, todas as fontes ficam envenenadas" ( (FN-II- (II)
p. 346; Assim
falou Zaratustra,
II, "Sobre a Compaixão"). A estes, os mais desprezíveis,
plebe, incapazes de dar à luz uma estrela, solo onde nenhuma árvore
alta cresce - a estes eu apelidei de " os últimos homens"
(FN II (II) p.284; Assim
falou Zaratustra,
I, #5).
Eles
dizem haver inventado a felicidade. Pensam que felicidade é ficar
assentados num charco, onde os naufrágios são impossíveis. Pensam
que felicidade é conforto. Sonham com a "terra da Cocanha",
a terra onde o vinho corre no leito dos rios, as paredes das casas
são feitas de bolo, e os leitões e aves assados correm para a boca
dos preguiçosos. Engordam, indolentes e estéreis, sob a sombra das
árvores, incapazes de ficar grávidos e dar à luz Jamais sobem as
montanhas; jamais se arriscam pelos desertos; jamais navegam por
mares desconhecidos.
Minha
felicidade é outra. "Você nunca viu a vela que entra no mar,
redonda, tensa e trêmula com a violência do vento? Como aquela
vela, tremendo com a violência do espírito, a minha sabedoria entra
no mar - minha sabedoria selvagem". ( FN-II-(II) p.362; Assim
falou Zaratustra, II, " Sobre os Sábios Famosos").
Há
uma felicidade que só se experimenta quando se vive "como os
ventos fortes, vizinhos das águias, vizinhos da neve, vizinhos do
sol: assim vivem os ventos fortes. E como um vento forte eu desejo
soprar..." (FN-II (II) p.356; Assim
falou Zaratustra,
II, "Sobre a Plebe")]*. "O segredo da maior
fertilidade e do maior gozo da existência é: vivam perigosamente!
Construam as suas cidades debaixo do Vesúvio! Enviem os seus navios
aos mares desconhecidos! Vivam em guerra com seus iguais e com vocês
mesmos! Sejam ladrões e conquistadores...!" (FN-II-(II) p. 166;
CA ( Ciência
Alegre),
# 283).)
Aos
filósofos bastam os reflexos num espelho. Mas eu preciso de risos,
de dança, de beleza. Por isso eu conto parábolas, faço aforismos,
escrevo com sangue. ( FN-II- (II) p. 305)
Concordo
com Kierkegaard, filósofo que nunca li: a verdade do coração,
morada da alegria, não se encontra na letra; ela se encontra na
música, além das palavras. Ensinar a alegria: é isso que eu
desejo.
Escrevi
que os sacerdotes são meus inimigos. “E, no entanto, meu sangue
está ligado ao deles, e eu desejo saber que o meu sangue é honrado
mesmo no deles" ( FN-II- (II) p. 348; Assim
falou Zaratustra,
II, "Sobre os Sacerdotes")
Pois
eles usavam boas palavras para falar dos mistérios dos seus
sacramentos, sem saber que sacramentos são parábolas. Diziam que o
pão e o vinho eram acidentes onde se escondia uma substância
sagrada, o corpo de Deus. Digo o mesmo dos meus sacramentos: os meus
saberes são apenas acidentes; a substância divina é alegria, o
corpo de Deus que mora neles. Nessa eucaristia eu acredito. Essa
eucaristia eu celebro. Os saberes são taças que transbordam de
alegria. A minha escrita são as minhas mãos que se estendem, à
procura de amigos.
Desejo
aqueles para quem escrevo. Quero que eles dancem ao som da flauta de
Dionísio, que é o símbolo da afirmação incondicional da vida,
mesmo com todo o seu sofrimento e terror. É assim que entendo as
palavras, meus brinquedos. "Palavras e sons: que são eles senão
diáfanas pontes iridescentes entre coisas eternamente separadas?"
( " Sind
nicht Worte und Töne Regenbogen und Schein-Brücken zwischen
Ewig-Geschiedenen?")
" Não foi para isso que os nomes e os sons foram inventados,
para que o homem encontrasse refrigério nas coisas? Falar é uma
deliciosa loucura; por meio da fala o homem dança sobre todas as
coisas. Que adorável é toda fala e o engano dos sons! Por meio dos
sons o nosso amor dança sobre arcor-iris coloridos..." (
FN-II-(II) p.463); Assim
falou Zaratustra,
III, " O Convalescente" # 2) .
"
Da minha beleza cresce uma fome...Dentro de mim há algo insaciável,
que deseja poder ser dito. Um desejo de amor está mim, desejo que
fala a linguagem do amor" ( FN-III, (II) p. 1137), Ecce
Homo,
"Assim Falou Zaratustra", # 7)]*
. E o
que ela diz é que " vida é uma fonte de alegria", "
e que o nosso pecado original é que temos tido muito pouca alegria.
(FN-II-p.(II) p.354, 346) Para isso eu escrevo: para ensinar a
alegria.
Porque
escrevo para fazer rir, para brincar, para mostrar a beleza, filósofo
não sou. Sou bufão, sou criança, sou poeta..."
“Assim,
para fora
da
minha verdade-loucura
eu
mergulhei,
para
fora
da
minha nostalgia pelo dia,
-cansado
do dia, doente da luz,-
mergulhei
para o fundo,
para a
noite,
para a
sombra,
-queimado
pela verdade,
e
sedento:
Tu te
lembras ainda,- te lembras, coração ardente,-
de
como tinhas sede?
Que eu
seja exilado
de
toda a verdade,
somente
um tolo!
Somente
um poeta!
( FN
II ( II) p. 810, Assim
falou Zaratustra )
Ditas
essas palavras ele se pôs a rir. Tomou a flauta de Dionísio,
começou a tocar e, à medida que tocava, foi ficando leve, leve, até
que flutuou, dançante, no ar...
.
Livro:
RUBEM ALVES, Variações
sobre o prazer: Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette.
Ed. Planeta,2011, pp.113/122.
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