terça-feira, 11 de setembro de 2012

trecho de Jack Kerouac - Viajante Solitário


 
Jack Kerouac

Lonesome Traveller Viajante Solitário


trad. Eduardo Bueno LP&M, 2006


Insensatos ferroviários, o condutor, o velho John J. Coppertwang,
35 anos de puro serviço na velha S.P. [Southern Pacific], está na
manhã cinzenta de domingo olhando para seu relógio de ouro, parado
junto à máquina, gritando bobagens para o velho maquinista Jones
e para o jovem foguista Smith, que, com seu boné de beisebol, está
sentado no lugar do foguista ruminando um sanduíche'O que acharam
do velho Johnny ontem, acho que ele não marcou tantos pontos quanto
imaginávamos'. 'Smith apostou seis dólares na agência de Watsonville
e disse que ia descolar 34.' 'Também dei uma chegada nessa agência -.'
Tinham passado nas agências de aposta da vida matando o tempo,
longas noites de pôquer nas casas de madeira escura da linha férrea,
você pode sentir na madeira o cheiro do charuto mastigado, a escarradeira
está ali mais de 750.099 anos, o cão entra e sai, e velhos rapazes
se reclinaram resmungando sob a luz mortiça e acastanhada, e jovens
rapazes também, com seus uniformes novos de guarda-freios dos trens
de passageiros, o da gravata desfeito, o casaco jogado nas costas,
o luminoso sorriso juvenil de ferroviários felizes, fátuos, bem-alimentados,
bem empregados, fazendo carreira, futuros pensionistas hospitalizados
e cuidados. - 35, 40 anos assim, e chegam a condutores, e durante anos
foram chamados no meio da noite pelo chefe do pessoal aos gritos:
'Cassady? É a semana dos trens locais e arranjei uns horariozinhos
especiais para você', mas agora que envelheceram, tudo o que têm é
uma ocupação fixa, um trem fixo, o condutor do 112 com relógio de ouro
está soltando piadinhas para todos os cachorros loucos, inflamáveis,
demoníacos Willis maquinistas, uau, o sujeito mais audacioso desse
lado da França e frankincense, era conhecido por ter conduzido sua
locomotiva ladeira acima... 7h15, hora de partir, corro pela estação
ouvindo o sino tocar e o vapor assobiando, eles estão partindo, oh, voo
pela plataforma e esqueço momentaneamente ou talvez nunca tenha
sabido qual a linha que devo tomar e rodopio confuso por um instante
pensando qual linha e não consigo ver trem algum, e é nesses instantes
que desperdiço cinco, seis, sete segundos, que o trem, embora em
movimento, está apenas começando a soltar vapor devagar, e até um
gordo ferroviário poderia facilmente dar uma corrida e apanhar o trem,
mas enquanto grito para o subchefe da estação: 'Onde está o 112?', e
ele responde que está na última linha, que é a linha que jamais sonhei
que pudesse ser, corro para o mais rápido que posso, driblo as
pessoas como um atacante do Columbia e irrompo nos trilhos rápido
como quem se livra da marcação, quando você carrega a bola consigo
para a esquerda, faz finta com o pescoço e a cabeça e avança com a bola
como se você fosse se arremessar e sair voando à esquerda, e todo mundo psicologicamente segue esbaforido com você naquela direção, e de
repente você se contrai , como uma baforada de fumaça, você se mete
por entre os adversários que tentam agarrar você, jogada de desvio,
você voa pela brecha quase antes que você mesmo perceba, e
estou eu voando para os trilhos, e está o trem a uns trinta metros
de distância, no exato instante em que olho ele começa a ganhar
uma tremenda velocidade, velocidade que eu poderia ter acompanhado
se tivesse olhado um segundo antesmas corro, sei que posso apanhar
ele.
 
Em na plataforma traseira estão o guarda-freios da traseira e um
velho condutor lerdo, o velho Charley W. Jones, um sujeito que teve
sete esposas e seis filhos e uma falta em Lick, não, acho que foi em
Coyote, ele não conseguia enxergar por causa do vapor, e sai, e sua
lanterna depara com a forma de iglu da válvula de escape do meu precursor,
e deram a ele quinze benefícios, de modo que agora ali estava ele na
manhã de domingo ha-ha-ulalá, e ele e o jovem guarda-freios da traseira
observam incrédulos o aprendiz de guarda-freios correndo como um
atleta louco atrás do trem que parte. Me deu vontade de gritar: 'Façam
o teste do ar, façam o teste do ar agora!', pois sabia que , quando um
trem de passageiros parte, mais ou menos na altura do primeiro
cruzamento a leste da estação, o maquinista sinaliza e deixa escapar
um pouco de ar para experimentar os freios, e isso reduz momentanea-
mente a velocidade, o que me permitiria apanhar o trem, mas não
fizeram o teste de ar os bastardos, e agora sei que terei que correr
como um filho-da-puta. Mas de repente me sinto pouco à vontade
pensando no que todos os demais vão dizer ao verem um homem correr
alucinadamente rápido com todas as suas forças, em um pique feroz
como Jesse Owen [atleta norte-americano, campeão olímpico], para
apanhar um maldito trem, e todos eles histéricos a se perguntar se
morrerei ao atingir a plataforma traseira, e blam, caio estatelado e
inerte no cruzamento, de modo que, quando o trem acabar de passar,
o velho com a bandeira verá que tudo jaz no solo na mesma confusão,
todos nós anjos morreremos e nem sequer sabemos como nem
conhecemos nosso próprio diamante, oh, que os céus nos iluminem
e abram nossos olhosabram nossos olhos, abram nossos olhos.
-Sei que não vou me machucar, confio nos meus sapatos, na força
de minhas mãos e pés, na solidez de minhas garras para agarrar e
no meu vigor, e não preciso de nenhuma força mística para avaliar
a musculatura de minha caixa torácicamas, com os diabos, é
socialmente muito constrangedor ser apanhado correndo como um
maníaco atrás de um trem, ainda mais com dois sujeitos embasbacados
na traseira do comboio, sacudindo a cabeça e gritando que não vou
conseguir, mesmo comigo correndo friamente atrás deles de olhos
abertos tentando informar que posso conseguir e que eles não devem
ficar histéricos nem rir, mas então percebo que aquilo tudo é demais
para mim, não a corrida, não a velocidade do trem, que, de qualquer
modo, dois segundos depois de eu desistir da complicada perseguição,
de fato diminuiu no cruzamento para o teste de ar antes de acelerar
definitivamente em direção a Bayshore Highway. Por isso cheguei
tarde ao trabalho, e o velho Sherman me odiou e ainda haveria de
me odiar mais.

pp. 68-71

trecho deA terra das ferrovias


trad. Eduardo Bueno LP&M, 2006


Lonesome Traveller 1960 / Viajante Solitário


Jack Kerouac

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