sobre
'O
Processo'
(Der
Process,
1925)
de
Franz
Kafka
(1883-1924)
O Processo enquanto alegoria do julgamento
Parte 1
Autor
e Obra
Muito
tem
sido
escrito
sobre
o
escritor
judeu-tcheco,
de
língua
alemã,
Franz
Kafka,
sobre
sua
vida
e
obra,
sobre
as
influências
sobre
autores
que
marcaram
o
século
20,
tanto
na
literatura
quanto
no
teatro
e
no
cinema.
Muito
se
debateu
sobre
o
que
se
pode
interpretar
em
sua
escrita,
suas
motivações
e
alusões,
suas
parábolas
com
ou
sem
fundo
moral,
além
do
aspecto
fragmentário
e
incompleto
do
espólio.
Textos
que
deviam
ser
queimados,
segundo
o
desejo
do
autor,
mas
que
foram
preservados
pela
ação
de
um
amigo.
Na
obra
de
Kafka
podemos encontrar a
questão
da
Culpa,
do
insucesso
da
realização
pessoal,
quando
esta
inclui
as
outras
pessoas.
Perceptível
a
incapacidade
de
agradar
ao
outro,
com
toda
a
pressão
para
corresponder
às
expectativas.
Afinal,
a
pessoa
em
sua
individualidade,
o
cidadão
em sua vida social, não
satisfaz
os
imperativos,
as
ordens
das
autoridades,
e
assim
se
assemelha
ao
filho,
ou
a
filha,
que
não
consegue
satisfazer
às
expectativas
do
pai
e
/
ou
da
mãe.
Se
Kafka
pretendia
algo
além
de
desabafar
sua
culpa,
se
pretendia
uma
carreira
literária,
se
queria
avisar-nos
de
algo
sinistro,
só
podemos
fazer
conjecturas.
Em
sua
obra
falta
completar
algo,
os
próprios
textos
apresentam
lacunas,
ou
podem
ler
lido
em
outra
ordem.
No
mais,
há
a
legitimidade
dos
textos:
o
que
exatamente
o amigo Max
Brod
publicou?
Alguns
esboços?
Cadernos
incompletos?
Quais na
íntegra
?
Na
ordem
desejada
pelo
autor?
Como reconstituir uma
ordem
correta?
“(Kafka)
expressava
em
seu
testamento,
o
desejo
de
ver
destruído
'tudo
o
que
escrevi,
e
sem
leitura
prévia'.
Devemos
a
seu
testamenteiro,
o
escritor
Max
Brod,
a
preservação
ds
obras,
em
flagrante
desrespeito
à
vontade
do
amigo.
“ (Erwin
Theodor,
Introdução
à
Literatura
Alemã,
RJ,
1968,
p.
154)
Sabemos
que
M.
Brod
publicou
as
obras
de
Kafka
em
Praga
(em
1934-37),
e
que
uma
edição
(de
10
volumes)
foi
publicada
em
New
York,
em
1950-53,
mas
pelo
menos
até
1995
não
havia
uma
edição
crítica.
O
que
temos
em
demasia
são
as
tentativas
de
interpretação,
e
de
vincular
influências
(assim
em
“Angústia
da
Influência”
de
Harold
Bloom).
Quais as influências
para o realismo mais metafísico para
Kafka?
São citados Pascal,
Kierkegaard
,
Flaubert,
R.
Walser.
Por
outro
lado,
a
obra
de
Kafka
exerceu
influências
sobre
os
autores
Gide,
Sartre,
Camus,
Claude
Simon,
Jorge
Luis
Borges,
Canetti,
Buzzati,
e
provavelmente
Brecht.
Há
uma
vinculação
direta
com
a
literatura
do
século
20.
Mas
intenção
de
Kafka
fazer
literatura?
Ele se
julgava
um
'literato'?
Ou
escrevia
para
desabafar
traumas,
descrever
sonhos
e
pesadelos?
Não
escrevia
para
resguardar
sua
sanidade
mental
num
mundo
opressivo
e
absurdo?
Ou
ousamos
interpretar
a
teologia
de
Kafka?
Ou
a
moral?
Ou
a
simbologia?
Admitimos
uma
leitura
sociológica?
É
possível
também
ler
a
obra
em
seu
contexto.
Quando
e
onde
foram
escritos
os
textos
de
Kafka?
Sabemos
sobre
os
estilos
de época,
principalmente do Expressionismo
e
do
Surrealismo,
e
pensar se Kafka seguia algum estilo, ou transitava entre eles. Kafka
é um expressionista? Kafka é um surrealista?
“Expressionismo.
A
reação
contra
o
positivismo
e
o
materialismo
levou
a
um
retorno
à
metafísica.
Forças,
até
então
caladas,
levantaram-se,
protestando
contra
a
'pequena
existência
burguesa',
contra
as
convenções
sociais
e
preconizando
um
'sagrado
entusiasmo'.”
(Theodor,
ibidem,
p.
135)
“O
Surrealismo
já
se
manifestava
nos
jovens
Döblin
e
Kafka,
(...)”
(idem,
ibidem,
p.
136)
O
Expressionismo
é
percebido
como
um
movimento
de
neo-idealismo,
e
igualado
ao
Surrealismo
pelo
aspecto
irracionalista.
Mas
há
outros
elementos
na
obra
de
Kafka
que
intensificam
aspectos
dos
citados
movimentos
e
outros
que
singularizam
o
autor
judeu-tcheco
que
escrevia
em
alemão.
Temos
o
indivíduo
solitário,
sem
ilusões,
contra
a
família,
contra
as
hierarquias,
num
mundo
totalitário,
numa
vida
sem-sentido,
com
culpa
e
desesperança,
meio
ao
absurdo
de
situações
irracionais,
desconexas,
numa
busca
de
transcendência,
submetido
ao
poder
ora
de
um
Tribunal,
ou
Força
Julgadora
(em
'O
Processo')
ora
de
um
Poder
Supremo
(em
'O
Castelo'),
inalcançáveis
ou
incompreensíveis.
“As
obras
de
Kafka
são,
de
um
modo
geral,
parábolas
sem
conclusão.
Oferecem
ao
leitor
processos,
manifestações
e
feitos
modelares
que,
sem
expressá-lo
nitidamente,
marcam
posições
fundamentais
de
gênero
humano,
sendo
que
assim
provocam
a
perplexidade
de
uns
e
a
curiosidade
de
outros,
vindo
a
exercer
profunda
influência.”
(Theodor,
ibidem,
p.
156)
A
obra
de
Kafka
tem
possibilitado
várias
leituras,
desde
a
alegórica
(com
H.
Bloom,
E.
Theodor)
à
mística-religiosa
(com
M.
Brod),
desde
a
simbólica
(ver
J.
L.
Borges)
à
psicológica
(aspectos
da
introversão,
do
inconsciente,
dos
sonhos,
da
relação
com
a
família,
o
pai
dominante)
à
sociológica
(o
indivíduo
impotente
diante
da
burocracia,
da
Justiça,
da
religião,
do
Estado,
diante
da
Lei
– seja
estatal
ou
paterna)
A
obra
de
Kafka
é
mesmo
inclassificável?
Sua
interpretação,
afinal,
varia
de
acordo
com
a
perspectiva
do
leitor.
Precisaremos ver
a
Estética
da
Recepção.
Algumas
opiniões
se
destacam
mais
na
crítica.
É
considerado
que
Max
Brod
seja um
daqueles
que
fizeram
uma
leitura
'teologizante'
de
Kafka,
segundo
argumenta
W.
Benjamin.
Argumentos
não
faltam,
seja
a
favor
ou
contra.
Trata-se
de
uma
obra
incompleta,
fragmentária,
contraditória,
ambígua;
é
um
judeu
tcheco
que
escreve
em
língua
alemã.
Sabemos
que
Kafka
se
sentia
deslocado
entre
os
judeus,
os
tchecos
e
os
alemães
da
Boêmia.
A
linguagem
é
tecida
em
alemão
padrão,
às
vezes
formal
e
burocrática,
não
popular,
mas
não
acadêmico,
sem
floreamentos
ou
pedantismo,
sendo
simples,
clara,
ainda
que
a
narrar
fatos
estranhos,
sem
verossimilhança,
em
total
falta
de
sentido,
numa
espécie
de
realismo
absurdo
(se
compararmos
com
o
'realismo
mágico'
de
um
Jorge
Luís
Borges,
de
um
Murilo
Rubião,
de
um
Gabriel
García
Márquez).
Nos
contos
de
Jorge
Luís
Borges,
por
exemplo,
podemos
destacar
o
estilo,
além
dos
enredos,
mas
em
Kafka
o
destaque
é
mesmo
o
enredo
– ou
o
absurdo
do
enredo
– pois
o
estilo
é
simples,
claro,
formal,
escrito
num
alemão
padrão
de
um
funcionário
de
Praga.
Segundo
W.
Benjamin
(no
ensaio
“Franz
Kafka”,
1934,
trad.
Sérgio
Paulo
Rouanet,
Brasiliense,
SP,
1987)
“O
mundo
das
chancelarias
e
dos
arquivos,
das
salas
mofadas,
escuras,
decadentes,
é
o
mundo
de
Kafka.”
Ou
dos indivíduos
submetidos
a
(e
afastados
de)
instâncias
todo-poderosas,
tais
como
hierarquias
de
funcionários,
ou
tradições
familiares,
“O
pai
é
a
figura
que
pune.
A
culpa
o
atrai,
como
atrai
os
funcionários
da
Justiça.
Há
muitos
indícios
de
que
o
mundo
dos
funcionários
e
o
mundo
dos
pais
são
idênticos
para
Kafka.
Essa
semelhança
não
os
honra.
Ela
é
feita
de
estupidez,
degradação
e
imundície.”
Também
“O
pai
é
quem
pune,
mas
também
quem
acusa.
O
pecado
do
qual
ele
acusa
o
filho
parece
ser
uma
espécie
de
pecado
original.”
Assim um pecado anterior ao culpado, “'Faz
parte
da
natureza
desse
sistema
judicial
condenar
não
apenas
réus
inocentes,
mas
também
réus
ignorantes',
presume
Kafka.
No
mundo
primitivo,
as
leis
e
normas
são
não-escritas.
O
homem
pode
transgredi-las
sem
o
saber.”
Percebe-se
tais
aspectos
na
obra
'O
Processo',
a
partir
da
qual
podemos
levantar
questionamentos.
Qual
o
crime
cometido
por
Joseph
K.
?
por
que
será
condenado?
É
a
sua
condição
humana?
É
a
perda
de
sua
individualidade?
É
culpa
de
sua
não-adequação
em
relação
ao
mundo?
É
por
que
ele
não
consegue
satisfazer
as
expectativas
dos
outros
(i.e.,
do
meio
social)?
Por
qual
'pecado'
ou
crime
somos
processados
e
condenados?
Por
que
devemos
sempre
nos
justificar?
Quais
leis,
imperativos,
mandamentos,
regras,
devemos
seguir?
'Não
julgarás',
'Não
matarás',
Amarás
o
teu
primo',
'Não
desacatar
as
autoridades',
'Não
pisar
na
grama',
'Jogar
lixo
no
lixo',
etc.
Somos
culpados
ou
inocentes?
Sentimos
que
somos
inocentes?
Esperamos
que
nos
considerem
inocentes?
Ou
a
culpa
é
uma
ferida
íntima?
A
angústia
advém
de
se
sentir
culpado?
Ou
de
sermos
inocentes
e
os
outros
nos
julgarem
culpados?
Devo
ser
inocente
aos
olhares
alheios
ou
para
mim
mesmo?
Podemos
lembrar
de
Raskólnikov,
do
romance
“Crime
e Castigo”
de
Dostoiévski,
para
quem
o
castigo
para
o
crime
é
a
permanente
culpa
obsessiva
que
o
oprime,
mesmo
que
os
outros
não
saibam
de
seus
'pecados'.
'O
Processo'
pode ser lido enquanto
alegoria
do
julgamento.
Ou:
quem
pode
julgar?
Ou
uma
parábola
sobre
a
culpa?
Culpa
diante
de
si
mesmo
e
diante
do
outro.
Tema
propício
às
leituras
psicanalíticas.
Mas
pode
ser
algo
mais.
Uma
premonição
dos
totalitarismos?
O absurdo opressor dos regimes ditatoriais sem habeas
corpus?
Joseph
K.
é processado
sem
provas
do
crime
(que
crime?)
e
é
condenado
sem
motivo.
Kafka
escreve
uma
fábula
sombria
ou
tem
uma
premonição?
Quem
escreve
as
leis?
Quem
determina
o
certo
e
o
errado?
Quem
castiga?
A
instância
de
julgamento
– quem
determina?
Que
determina
o
poder
de
julgar?
O
Estado?
Mas
quem
(o
que)
é
o
Estado?
Quem
pode
dizer
algo
em
nome
do
Estado?
O
que
é
a
'representatividade'?
O
quanto
esta
'representa'
uma
pretensa
'voz
coletiva'?
A
'voz
coletiva'
não
é
criada
pela
propaganda?
E
a
propaganda
não
serve
às
classes
dominantes?
O
'crime',
assim,
depende
de
quem
o
define
como
'crime'.
Subitamente,
ser
democrata
pode
ser
crime.
Ou
ser
gay
ou
judeu
pode
ser
motivo
para
condenação.
Interessante
em
'O
Processo',
os
acusados
são
considerados
'belos'!
“É
um
estranho
fenômeno,
que
podemos
ver
cientificamente...
Não
deve
ser
a
culpa
que
os
deixa
belos...
Nem
o
castigo
que
desde
agora
embeleza-os...
Deve
ser
o
processo
contra
eles,
que
deve
revesti-los”.
Como se os acusados fossem superiores aos cidadãos comuns, que
sequer são lembrados nem mesmo para sofrerem processos!
Mas,
perguntamos,
há
esperanças
de
'absolvição'?
Ao
menos
para
quem
escreve?
Novamente
folheamos
o
ensaio
de
W.
Benjamin,
“O
mundo
mítico,
à
primeira
vista
próximo
do
universo
kafkaniano,
é
incomparavelmente
mais
jovem
que
o
mundo
de
Kafka,
com
relação
ao
qual
o
mito
já
representa
uma
promessa
de
libertação.
Uma
coisa
é
certa:
Kafka
não
cedeu
à
sedução
do
mito.”
Ou
seja,
Kafka
não
se
libertou
ao
criar
fábulas
ao
estilo
La
Fontaine,
nem
contos
encantados
ao
estilo
de
Andersen,
nem
narrativas
dignas
de
Homero
e
Esopo.
É
antes
um
drama
de
incompletitude,
pois “O
mundo
de
Kafka
é
um
teatro
do
mundo.
Para
ele,
o
homem
está
desde
o
início
no
palco.”
Podemos
pensar
se
há
uma
conexão
(ou
influência)
com
o
teatro
de
B.
Brecht,
assim
como
reconhecido
no
'teatro
do
absurdo'
(ver
Beckett
e
Ionesco)
Ainda
W.
Benjamin
sobre
a
obra
de
Kafka,
“Se
perceberá
que
toda
a
obra
de
Kafka
representa
um
código
de
gestos,
cuja
significação
simbólica
não
é
de
modo
algum
evidente,
desde
o
início,
para
o
próprio
autor;
eles
só
recebem
essa
significação
depois
de
inúmeras
tentativas
e
experiências,
em
contextos
múltiplos.
O
teatro
é
o
lugar
dessas
experiências.”
(in
“Magia
e
técnica,
artes
e
política”.
Brasiliense,
1987.
p.
146)
Para
Benjamin,
a
criação
literária
de
Kafka
pode
ser
lida
como
'parábola'
e
citá-las
com
'fins
didáticos'.
“Kafka
dispunha
de
uma
capacidade
invulgar
de
criar
parábolas.
Mas
ele
não
se
esgota
nunca
nos
textos
interpretáveis
e
toma
todas
as
precauções
possíveis
para
dificultar
essa
interpretação.”
(p.
149)
Mas
que não se exagere, a ponto de presumir pretensões de Kafka em ser
moralista religioso, fabulista com intenções teológicas, pois
"Kafka
não
era
adivinho
nem
fundador
de
religiões."
e
"Kafka
também
compunha
parábolas,
mas
não
fundou
nenhuma
religião"
Ainda
que
para
o
crítico
literário
H.
Bloom
há
'espiritualidade'
em
Kafka
(
"Mas
o
melhor
do
Kafka
fragmentário
-
contos,
parábolas,
aforismas
-
vai
além
de
Proust
e
Joyce,
armando-nos
com
uma
espiritualidade
que
de
modo
algum
depende
de
crença
ou
ideologia."),
e
reconhecendo
que
"Não
há
teofanias
em
Kafka",
e
que
certamente
"Kafka
não
foi
um
santo
ou
um
místico."
(BLOOM,
Harold.
O
Cânone
Ocidental.
1994.
trad.
Marcus
Santarrita)
“Ele
(Kafka)
é
um
grande
aforista,
mas
não
um
simples
contador
de
histórias,
a
não
ser
em
fragmentos
e
nos
contos
muito
curtos
que
chamamos
de
parábolas.
Suas
narrativas
mais
longas
-
“Amerika”,
“O
Processo”
e
“O
Castelo”
-
são
melhores
em
partes
do
que
como
obras
completas;
seus
contos
mais
longos,
mesmo
“A
Metamorfose”,
começam
de
um
modo
mais
intenso
do
que
tendem
a
acabar.
Além
de
seus
aforismas
e
parábolas,
as
mais
fortes
fantasias
de
Kafka
são
narrativas
curtas
ou
fragmentos
(...)”
Bloom
permite-se
divagar
em
questões
metafísicas
além
de
alegóricas.
A
pensar:
há
cabala
em
Kafka?
Ou
um
'gnosticismo
judeu'?
Kafka
um
judeu
descrente
com
auto-ódio
judeu?
Vive
uma
'teologia
negativa'?
“Kafka
fala
por
e
para
vários
leitores,
gentios
e
judeus,
que
se
afastaram
de
Freud
por
recusar-se
a
encarar
a
religião
como
uma
ilusão,
mas
concordam
com
Kafka
em
que
nasceram
tarde
demais
para
afirmar
a
validade,
para
eles,
das
tradições
cristãs
e
judaicas.”
A
admiração de Bloom é visível, Kafka : “fantasista
de gênio quase único”,
que é inalcançável por sua genialidade, que não vai nos redimir,
“Certamente
o
Tribunal
e
o
Castelo
não
podem
abençoar,
mesmo
que
o
desejassem,
o
que
é
improvável.”
No
mais,
Bloom
defende
que
a
cada
leitor
de
Kafka
há
uma
interpretação
que
o
satisfaça
ou
inquiete
-
Kafka
não
legitimará
nenhuma
das
interpretações.
Assim
como
poderemos
falar
numa
interpretação
correta?
Como
atingiremos
a
'intenção
autoral'?
Seria
mesmo
possível
?
O
que
argumentamos,
pensando
junto
com
o
pensador
judeu-alemão,
é
a
possibilidade
de
uma
pluralidade
de
visões,
conduzindo
a
várias
interpretações.
“Há
dois
mal-entendidos
possíveis
em
relação
a
Kafka:
recorrer
a
uma
interpretação
natural
e
a
uma
interpretação
sobrenatural.
As
duas,
a
psicanalítica
e
a
teológica,
perdem
de
vista
o
essencial.”
(W.B, p.
152)
É
possível
uma
leitura
sociológica,
onde
aparecem
as
burocracias
opressivas
e
inacessíveis,
simbolizando
as
autoridades
que
estão
acima
do
cidadão;
assim
como
é
possível
uma
leitura
marxista
onde
as
autoridades
apenas
executam
as
vontades
das
classes
dominantes
para
manter
o
domínio
sobre
os
trabalhadores.
Também
uma
leitura
existencialista
onde
se
imagina
um
panorama
da
condição
humana
dominada
por
forças
que
desconhece;
bem
como
uma
leitura
psicanalítica
onde
a
autoridade
paterna
é
sufocante
e
impossível
de
ser
contentada,
assim
como
o
cidadão
jamais
agrada
plenamente
às
autoridades.
A
pluralidade
de
interpretações
é
também
defendida
pelo
autor
argentino
Jorge
Luís
Borges,
quando
menciona
a
singularidade
de
Kafka,
“Na
Alemanha
e
fora
da
Alemanha,
se
hão
esboçado
interpretações
teológicas
de
sua
obra.
Não
arbitrárias
– sabemos
que
Kafka
era
devoto
de
Pascal
e
Kierkegaard
– porém
tão
pouco
são
úteis.
O
pleno
gozo
da
obra
de
Kafka
– como
o
de
tantas
obras
– pode
anteceder
a
todas
as
interpretações
e
não
depender
delas.”
(em “Titãs
da
Literatura”.
El
Ateneo.
RJ,
SP,
1956.
'O
Processo'
(a
obra
que
merece
nossa
atenção
aqui)
caracteriza
por
uma
atmosfera
de
opressão
e
culpa.
Uma
culpa
constante
que
crucifica
o
acusado.
Eis
o
Processo
onde
a
punição
é
o
próprio
processo!
Entre
o
crime
e
o
castigo,
temos
a
culpa.
Desde
o
início
a
culpa
(segundo
H.
Bloom):
“Kafka
parece
ter
entendido
que
a
culpa,
em
Shakespeare,
não
pode
sofrer
dúvida
e
precede
todos
os
crimes
reais.”
Ou
segundo
W.
Benjamin
“No
espelho
da
culpa,
que
o
mundo
primitivo
lhe
apresentou.
Ele
(Kafka)
viu
apenas
o
futuro,
sob
a
forma
do
tribunal.
Como
representar
este
tribunal?
Seria
o
julgamento
final
?
O
juiz
não
se
converte
em
acusado?
A
punição
não
está
no
próprio
processo?
Kafka
não
respondeu
a
essas
perguntas.
(...)”
(p.
154)
Um
Processo
que
não
chega
a
um
veredicto,
que
se
arrasta
de
instância
a
instância,
entre
hierarquias
inalcançáveis,
é
em
si-mesmo
uma
punição
suficiente,
como
percebeu
o
pensador
alemão,
“O
adiamento
é
em
O
processo
a
esperança
dos
acusados
– contando
que
o
procedimento
judicial
não
se
transforme
gradualmente
na
própria
sentença.”
(p.
154)
Para
Benjamin,
Kafka
desejou
a
queima
dos
manuscritos
por
considerar
o
'fracasso'.
Outros
autores
argumentam
que
Kafka
escrevia
apenas
para
si
mesmo,
não
para
uma
carreira
literária
(afinal,
sentiria
culpa
por
seguiria
tal
carreira,
não
desejada
pela
família).
continua...
jul/ago/12
Leonardo
de Magalhaens
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