Por
que ler os best-sellers?
(breve
artigo)
Quando
o escritor italiano Ítalo Calvino escreveu sua obra clássica, “Por
que ler os clássicos?”, em 1991, logo causou polêmica, tanto
para os que reconhecem os 'clássicos', como para os que rejeitam uma
ideia de 'cânone'. De início, o problema foi definir o que seja 'os
clássicos'. Como fazer uma seleção de 'crítico' sem deixar se
levar pelos 'subjetivismos'? Afinal, “Guerra e Paz” pode
ser um 'clássico' para X e não para Y, que vai preferir “A
Volta ao Mundo em 80 dias”, ou então haverá Z que considera
ambas as Obras como 'clássicas'.
Eis
algumas definições do Calvino para o que seja 'clássico', antes de
arriscar alguns títulos, como exemplos,
“2.Dizem-se
clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os
tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem
se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores
condições de apreciá-los.”
“3.Os
clássicos são livros que exercem uma influência particular quando
se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras
da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.
“6.Um
clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha
para dizer.
Interessante
que na época, enquanto Calvino se perguntava sobre ler ou não os
clássicos, outro fenômeno se estruturava no 'mundo editorial'. O
livro muito vendido, o tal 'best-seller' (para usar o english,
como bom vassalos que somos...) O livro que é 'mais do que livro' é
mídia, é propaganda. Está na lista dos mais vendidos – e provoca
mais vendas. É um curioso 'feedback' (do tipo
“maria-vai-com-as-outras”, pois o leitor pensa: ora, todo mundo
está lendo, então deve ser bom! Vou ler também!)(Um contraponto é
o leitor que pensa assim: Está todo mundo lendo, é coisa de
'marketing', não vou nem folhear isso...!)
Eis
o fenômeno: o best-seller enquanto livro de 'leitura
obrigatória'! (Em certa ocasião, um colega abordou-me, queria saber
se eu tinha lido “O Xangô de Baker Street”, do humorista
e entrevistador televisivo Jô Soares. Nada contra o Jô, que
respeito. Mas não vou ler uma sub-literatura só porque o sujeito é
artista de TV. Imagino o contrário: se o Jô fosse desconhecido, não
venderia 'montanhas' de exemplares. Ele obviamente se aproveita da
'mídia' – fez-se famoso, para depois publicar. Então, o colega
rotulou-me de 'pedante'. (Não que todo artista midiático seja 'mau
escritor' – temos uma bem-vinda exceção: o músico, cantor,
compositor Chico Buarque, astro da MPB, que, ao decidir ser escritor,
uniu o 'útil' ao 'agradável'.
Então,
por que ler os best-sellers? (e nem resolvemos a questão
anterior, “Por que ler os clássicos?”!) Por que ler os
livros policiais de Agatha Christie? Por que ler os romances de
Sidney Sheldon? (romances que fazem sucesso até hoje...) Ou os
romances de Dan Brown? (a 'febre' do momento?)
E
esta enxurrada de livros romanceados (que se dizem 'documentários')
sobre polícias secretas, sociedades secretas? Livros sobre o FBI, a
CIA, a KGB ou a STASI (que nem existem mais), o MI-5, as tantas
máfias, o crime organizado, os Templários, a OPUS DEI, a
Maçonaria, os neo-nazistas, os Iluminatti? Por que tais obras
fascinam tanto? (Encontramos nos ônibus, e nos metrôs, jovens e
adultos, mulheres e donas-de-casa lendo estes 'calhamaços' de obras
traduzidas)
Uma
resposta seria: porque tais obras (romances, 'documentários')
exploram (em todos os sentidos) as nossas angústias quanto aos
'poderes ocultos' – os 'podres poderes' – que nos governam e
controlam a nossa consciência e participação. Poderes dos quais
SOMOS FANTOCHES submissos, uma vez que somos incapazes de nos
defender do que não conhecemos. A angústia, portanto.
Por
que vendem tanto os livros de 'fantasia' como “Lord of the
Rings” e “Chronicles of Narnia”? Obras de autores
britânicos, da época da Segunda Guerra Mundial, que exploram
a fantasia épica, as furiosas epopeias, como verdadeiros cultos à
Monarquia idealizada, a figura dos Reis (um retorno à 'origem divina
dos reis'), a figura absolutista do Rei (ou da Rainha) – ou dos
nobres, príncipes, barões e cavalheiros - enfrentando as 'forças
do mal'.
Os
autores britânicos J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis, responsáveis por
“Senhor dos Anéis” e “Crônicas de Nárnia”,
respectivamente, não hesitaram em 'voltar ao tesouro das lendas'
anglo-saxãs e ao 'mundo das fadas', de onde extraíram a maioria das
personagens, que nada têm de novidade (duendes, gnomos, fadas,
ogros, ciclopes, gigantes, anões, animais falantes, além de seres
da mitologia grega, como centauros, grifos, harpias, etc) Mas o
enredo é sempre uma exaltação da Realeza – um culto à
Monarquia. (Lembro novamente: o contexto era o da Segunda Guerra
Mundial, quando os reis britânicos combatiam as forças
fascistas e nazistas)
Por
que vendem tanto os livros de 'bruxaria infantil' , como é o caso de
“Harry Potter”? Ou de 'vampiros juvenis' como
“Crepúsculo”? Qual a(s) fórmula(s) encontradas pelas
respectivas autoras J. K. Rowling (GBR) e Stephenie Meyer (USA)? Livros
que encontramos nas mãos de crianças, adolescentes, jovens,
universitários, executivos concentrados dentro do balançar de nosso
sistema de transporte público.
Que
os jovens gostem de “Harry Potter” é até compreensível.
O bruxinho 'do bem' que faz o que todo jovem gostaria: ter poderes
extraordinários, sair voando por aí numa vassoura-a-jato,
explorando mundos outros, em mil aventuras. Nada mais que a fantasia
dos 'contos de fadas'. (“Peter Pan” não se alimenta de
outra coisa...) Mas o pouco compreensível é que homens e mulheres,
senhores de cabelo grisalho ou enfermeiras de ar sério, se entreguem
– em suas viagens coletivas cotidianas ou no ar condicionado de
seus escritórios – à leitura de “Harry Potter”(quando
não de obras devocionais ou auto-ajuda...)
Por
que tanta ânsia em ler 'fantasia'? Será uma fuga do 'mundo
cinzento' para dentro do 'país das maravilhas'? Será uma tentativa
de resgatar a infância perdida? Um desejo de 're-encantamento do
mundo'?
Afinal
de contas, estas obras não exigem muito. Texto fácil, acessível,
com traduções 'mastigadas', com parágrafos curtos, com ênfase na
narrativa – a história contada – e não no 'enredo' linguístico
(nada de experimentalismos com a linguagem, obviamente), assim pode
ser lido enquanto o ônibus oscila de buraco em buraco no asfalto
magnífico de nossas ruas.
Essa
facilidade é um dos 'atrativos' de “Crepúsculo”
(“Twilight”) da (ex?)mórmon S. Meyer, que seduz pelo
texto acessível, parágrafos curtos, enredo envolvente, narrado em
1ª pessoa, por uma 'jovem romântica', com um 'terror aliviado', um
'vampirismo light', mortos-vivos com ares de estudantes de
colegial, com um suspense do tipo 'fantasia' (e não macabro-mórbido
dos filmes B...) Os vampiros de S. Meyer passam a milhas dos
de Anne Rice (que fez sucesso antes, de meados dos anos 70 ao início
dos 90) que, por sua vez, passam a milhas dos de Bram Stoker (autor
do célebre e monumental – um clássico! - “Drácula”,
de 1897)
O
vampirismo 'fantasista' de S. Meyer é tão inofensivo quanto “Alice
no País das Maravilhas”. Mais uma 'literatura de fantasia' –
com vampiros e lobisomens – do que 'terror' – ou um 'terror
aguado'. É igual tomar café sem cafeína, ou cigarro sem
nicotina... Ali o sexo é apenas sugerido e a abstinência é
louvada. Os jovens devem esperar o 'momento' para se entregarem um ao
outro, ao 'mistério' da sedução – numa cultura tão sexualizada
(e ao mesmo tempo tão puritana e hipócrita) quanto a
norte-americana.
É
de impressionar como tais obras estrangeiras conquistam fãs aqui.
Mas estamos num país de vassalos e tudo o que o suserano ianque
envia a gente lê e adora... São obras que nunca chegam sozinhas
(digo, não apenas em formato LIVRO, com suas traduções
'mastigadas' e suspeitas), mas sempre há todo um 'merchandising'
em forma de revistas, fotos, documentários, camisetas, broches e
tudo culmina em superproduções cinematográficas hollywoodianas
que gastam e fortunas e recuperam tudo em superfaturamentos nas
bilheterias norte-americanas e no resto do mundo americanizado, digo,
globalizado.
Daí
o cinema (com suas plateias ávidas de entretenimento e inchadas de
voyeurismo) 'impulsionar' a venda do livro. Quem nem
gosta(va) de 'literatura' vai querer ler o livro para entender melhor
o filme (geralmente mais 'focado' nos efeitos especiais do que na
'narrativa', na 'psicologia das personagens') e vai divulgar para os
amigos e colegas. As vendas aumentam, os títulos sobem nas 'listas
de best-sellers' e temos mais vendagem (de acordo com o
científico fenômeno “maria-vai-com-as-outras”)
Para
resumir e finalizar. Por que ler os best-sellers? Para ter um
fácil entretenimento. Pode ser. Caso tenhamos tempo e não gostemos
de 'palavras-cruzadas'... Mas fazendo um link com a pergunta
anterior ('por que ler os clássicos?'), a qual Calvino
responde com uma outra pergunta, “Por que não lê-los?”,
respondo que “então vamos ler os best-sellers depois de
termos lido os clássicos”, se sobrar tempo. (Se é que vai sobrar
algum...)
Afinal,
por que eu trocaria a leitura (e a releitura) de “Crime e
Castigo” para ler “O Senhor dos Anéis”? Ou que por
que eu deixaria a leitura (e releitura) de “Drácula” para
ler os livros de Anne Rice ou S. Meyer?
Afinal
de contas, a vida é curta e nunca vamos ler todos os livros. Se não
vamos conseguir ler nem os 'clássicos', por que desperdiçar tempo e
retina com os 'enlatados' best-sellers com 'reluzente
embalagem midiática'?
Fev/10
(revsd: mai/12)
por
Leonardo de Magalhaens
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