segunda-feira, 14 de maio de 2012

Por que ler os best-sellers?



Por que ler os best-sellers?

(breve artigo)

Quando o escritor italiano Ítalo Calvino escreveu sua obra clássica, “Por que ler os clássicos?”, em 1991, logo causou polêmica, tanto para os que reconhecem os 'clássicos', como para os que rejeitam uma ideia de 'cânone'. De início, o problema foi definir o que seja 'os clássicos'. Como fazer uma seleção de 'crítico' sem deixar se levar pelos 'subjetivismos'? Afinal, “Guerra e Paz” pode ser um 'clássico' para X e não para Y, que vai preferir “A Volta ao Mundo em 80 dias”, ou então haverá Z que considera ambas as Obras como 'clássicas'.

Eis algumas definições do Calvino para o que seja 'clássico', antes de arriscar alguns títulos, como exemplos,

2.Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de apreciá-los.”

3.Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

6.Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.


Interessante que na época, enquanto Calvino se perguntava sobre ler ou não os clássicos, outro fenômeno se estruturava no 'mundo editorial'. O livro muito vendido, o tal 'best-seller' (para usar o english, como bom vassalos que somos...) O livro que é 'mais do que livro' é mídia, é propaganda. Está na lista dos mais vendidos – e provoca mais vendas. É um curioso 'feedback' (do tipo “maria-vai-com-as-outras”, pois o leitor pensa: ora, todo mundo está lendo, então deve ser bom! Vou ler também!)(Um contraponto é o leitor que pensa assim: Está todo mundo lendo, é coisa de 'marketing', não vou nem folhear isso...!)

Eis o fenômeno: o best-seller enquanto livro de 'leitura obrigatória'! (Em certa ocasião, um colega abordou-me, queria saber se eu tinha lido “O Xangô de Baker Street”, do humorista e entrevistador televisivo Jô Soares. Nada contra o Jô, que respeito. Mas não vou ler uma sub-literatura só porque o sujeito é artista de TV. Imagino o contrário: se o Jô fosse desconhecido, não venderia 'montanhas' de exemplares. Ele obviamente se aproveita da 'mídia' – fez-se famoso, para depois publicar. Então, o colega rotulou-me de 'pedante'. (Não que todo artista midiático seja 'mau escritor' – temos uma bem-vinda exceção: o músico, cantor, compositor Chico Buarque, astro da MPB, que, ao decidir ser escritor, uniu o 'útil' ao 'agradável'.

Então, por que ler os best-sellers? (e nem resolvemos a questão anterior, “Por que ler os clássicos?”!) Por que ler os livros policiais de Agatha Christie? Por que ler os romances de Sidney Sheldon? (romances que fazem sucesso até hoje...) Ou os romances de Dan Brown? (a 'febre' do momento?)

E esta enxurrada de livros romanceados (que se dizem 'documentários') sobre polícias secretas, sociedades secretas? Livros sobre o FBI, a CIA, a KGB ou a STASI (que nem existem mais), o MI-5, as tantas máfias, o crime organizado, os Templários, a OPUS DEI, a Maçonaria, os neo-nazistas, os Iluminatti? Por que tais obras fascinam tanto? (Encontramos nos ônibus, e nos metrôs, jovens e adultos, mulheres e donas-de-casa lendo estes 'calhamaços' de obras traduzidas)

Uma resposta seria: porque tais obras (romances, 'documentários') exploram (em todos os sentidos) as nossas angústias quanto aos 'poderes ocultos' – os 'podres poderes' – que nos governam e controlam a nossa consciência e participação. Poderes dos quais SOMOS FANTOCHES submissos, uma vez que somos incapazes de nos defender do que não conhecemos. A angústia, portanto.

Por que vendem tanto os livros de 'fantasia' como “Lord of the Rings” e “Chronicles of Narnia”? Obras de autores britânicos, da época da Segunda Guerra Mundial, que exploram a fantasia épica, as furiosas epopeias, como verdadeiros cultos à Monarquia idealizada, a figura dos Reis (um retorno à 'origem divina dos reis'), a figura absolutista do Rei (ou da Rainha) – ou dos nobres, príncipes, barões e cavalheiros - enfrentando as 'forças do mal'.

Os autores britânicos J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis, responsáveis por “Senhor dos Anéis” e “Crônicas de Nárnia”, respectivamente, não hesitaram em 'voltar ao tesouro das lendas' anglo-saxãs e ao 'mundo das fadas', de onde extraíram a maioria das personagens, que nada têm de novidade (duendes, gnomos, fadas, ogros, ciclopes, gigantes, anões, animais falantes, além de seres da mitologia grega, como centauros, grifos, harpias, etc) Mas o enredo é sempre uma exaltação da Realeza – um culto à Monarquia. (Lembro novamente: o contexto era o da Segunda Guerra Mundial, quando os reis britânicos combatiam as forças fascistas e nazistas)

Por que vendem tanto os livros de 'bruxaria infantil' , como é o caso de “Harry Potter”? Ou de 'vampiros juvenis' como “Crepúsculo”? Qual a(s) fórmula(s) encontradas pelas respectivas autoras J. K. Rowling (GBR) e Stephenie Meyer (USA)? Livros que encontramos nas mãos de crianças, adolescentes, jovens, universitários, executivos concentrados dentro do balançar de nosso sistema de transporte público.

Que os jovens gostem de “Harry Potter” é até compreensível. O bruxinho 'do bem' que faz o que todo jovem gostaria: ter poderes extraordinários, sair voando por aí numa vassoura-a-jato, explorando mundos outros, em mil aventuras. Nada mais que a fantasia dos 'contos de fadas'. (“Peter Pan” não se alimenta de outra coisa...) Mas o pouco compreensível é que homens e mulheres, senhores de cabelo grisalho ou enfermeiras de ar sério, se entreguem – em suas viagens coletivas cotidianas ou no ar condicionado de seus escritórios – à leitura de “Harry Potter”(quando não de obras devocionais ou auto-ajuda...)

Por que tanta ânsia em ler 'fantasia'? Será uma fuga do 'mundo cinzento' para dentro do 'país das maravilhas'? Será uma tentativa de resgatar a infância perdida? Um desejo de 're-encantamento do mundo'?

Afinal de contas, estas obras não exigem muito. Texto fácil, acessível, com traduções 'mastigadas', com parágrafos curtos, com ênfase na narrativa – a história contada – e não no 'enredo' linguístico (nada de experimentalismos com a linguagem, obviamente), assim pode ser lido enquanto o ônibus oscila de buraco em buraco no asfalto magnífico de nossas ruas.

Essa facilidade é um dos 'atrativos' de “Crepúsculo” (“Twilight”) da (ex?)mórmon S. Meyer, que seduz pelo texto acessível, parágrafos curtos, enredo envolvente, narrado em 1ª pessoa, por uma 'jovem romântica', com um 'terror aliviado', um 'vampirismo light', mortos-vivos com ares de estudantes de colegial, com um suspense do tipo 'fantasia' (e não macabro-mórbido dos filmes B...) Os vampiros de S. Meyer passam a milhas dos de Anne Rice (que fez sucesso antes, de meados dos anos 70 ao início dos 90) que, por sua vez, passam a milhas dos de Bram Stoker (autor do célebre e monumental – um clássico! - “Drácula”, de 1897)

O vampirismo 'fantasista' de S. Meyer é tão inofensivo quanto “Alice no País das Maravilhas”. Mais uma 'literatura de fantasia' – com vampiros e lobisomens – do que 'terror' – ou um 'terror aguado'. É igual tomar café sem cafeína, ou cigarro sem nicotina... Ali o sexo é apenas sugerido e a abstinência é louvada. Os jovens devem esperar o 'momento' para se entregarem um ao outro, ao 'mistério' da sedução – numa cultura tão sexualizada (e ao mesmo tempo tão puritana e hipócrita) quanto a norte-americana.

É de impressionar como tais obras estrangeiras conquistam fãs aqui. Mas estamos num país de vassalos e tudo o que o suserano ianque envia a gente lê e adora... São obras que nunca chegam sozinhas (digo, não apenas em formato LIVRO, com suas traduções 'mastigadas' e suspeitas), mas sempre há todo um 'merchandising' em forma de revistas, fotos, documentários, camisetas, broches e tudo culmina em superproduções cinematográficas hollywoodianas que gastam e fortunas e recuperam tudo em superfaturamentos nas bilheterias norte-americanas e no resto do mundo americanizado, digo, globalizado.

Daí o cinema (com suas plateias ávidas de entretenimento e inchadas de voyeurismo) 'impulsionar' a venda do livro. Quem nem gosta(va) de 'literatura' vai querer ler o livro para entender melhor o filme (geralmente mais 'focado' nos efeitos especiais do que na 'narrativa', na 'psicologia das personagens') e vai divulgar para os amigos e colegas. As vendas aumentam, os títulos sobem nas 'listas de best-sellers' e temos mais vendagem (de acordo com o científico fenômeno “maria-vai-com-as-outras”)

Para resumir e finalizar. Por que ler os best-sellers? Para ter um fácil entretenimento. Pode ser. Caso tenhamos tempo e não gostemos de 'palavras-cruzadas'... Mas fazendo um link com a pergunta anterior ('por que ler os clássicos?'), a qual Calvino responde com uma outra pergunta, “Por que não lê-los?”, respondo que “então vamos ler os best-sellers depois de termos lido os clássicos”, se sobrar tempo. (Se é que vai sobrar algum...)

Afinal, por que eu trocaria a leitura (e a releitura) de “Crime e Castigo” para ler “O Senhor dos Anéis”? Ou que por que eu deixaria a leitura (e releitura) de “Drácula” para ler os livros de Anne Rice ou S. Meyer?

Afinal de contas, a vida é curta e nunca vamos ler todos os livros. Se não vamos conseguir ler nem os 'clássicos', por que desperdiçar tempo e retina com os 'enlatados' best-sellers com 'reluzente embalagem midiática'?


Fev/10

(revsd: mai/12)

por Leonardo de Magalhaens



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