sábado, 25 de junho de 2011

Canção da Estrada Aberta (4/5) - W. Whitman







Song of the Open Road


Canção da Estrada Aberta


10.

Allons! Vamos! Os incentivos devem ser grandes,
Vamos velejar sem rumo e em mares bravios,
Vamos aonde os ventos sopram, ondas se arremetem, e
o veleiro ianque
veloz a toda vela.


Allons! Vamos! Com poder, liberdade, a terra, os elementos,
Saúde, desafio, alegria, auto-estima, curiosidade;
Allons! Vamos! De todas as fórmulas!
A partir de todas as fórmulas, ó sacerdotes materialistas
e com olhos-de-morcego.


O cadáver velho bloqueia a passagem – o enterro
não espera mais.

Allons! Vamos! Ainda em alerta!
Ele viajando comigo precisa de melhor sangue, músculos,
resistência,
Ninguém deve vir ao julgamento até ele ou ela trazer
coragem e saúde,
Não venha aqui se você já gastou o melhor de si,
Apenas aqueles devem chegar que venham em corpos
doces e determinados,
Não pessoas doentes, nem bêbados ou com máculas venéreas
são permitidos aqui.
(Eu e o que é meu não convence por argumentos, símiles,
rimas,
Nós convencemos por nossa presença.)

.


11.


Ouça! Vou ser honesto com você,
Eu não ofereço os velhos prêmios suaves, mas ofereço
novos prêmios rudes,
Estes são os dias que devem acontecer a você:
Você não deve acumular o que é chamado 'riquezas',
você deve distribuir com mãos generosas tudo o que
você ganha ou conquista,
Você porém chega à cidade a qual você foi destinado,
você dificilmente
se instala em satisfação antes de você ser chamado por um
irresistível apelo para partir,
Você deve lidar com sorrisos irônicos e zombarias daqueles
que continuam à sua retaguarda,
Que os gestos de amor que você receba você deverá apenas
responder
com apaixonados beijos de despedida,
Você não deve permitir o abraço daqueles que estendem
mãos ávidas até você.

.


12.


Allons! Vamos! A seguir os grandes companheiros, e a
pertencer a eles!
Eles também estão na estrada – eles são homens velozes
e majestosos – elas
são grandes mulheres,
Apreciadores das calmarias dos mares e das tormentas dos mares,
Marinheiros de muitos navios, caminhantes de muitas milhas de terra,
Habitantes de muitos países distantes, habitantes de longínquas moradas,
Confiantes de homens e mulheres, observadores de cidades,
trabalhadores solitários,
Fazem pausa e contemplam tufos, florescências, conchas
na praia,
Dançarinos de danças de casamento, beijadores de noivas,
delicados ajudantes de
crianças, apoiadores de crianças,
Soldados de revoltas, permanecem junto a covas abertas,
abaixadores de caixões,
Trabalhadores por jornada em estações consecutivas,
através dos anos, os anos curiosos
cada um emergindo do que o precedeu,
Trabalhadores por jornada quando com os companheiros,
nomeados em suas próprias diversas frases,
Dão passos adiante desde is latentes e irrealizados
dias-recém-nascidos,
Trabalhadores por jornada alegremente com as próprias
juventudes, trabalhadores por jornada com sua própria
virilidade barbada e bem cultivada,
Trabalhadores por jornada com suas feminilidades, amplas,
contentes, insuperadas,
Trabalhadores por jornada com suas próprias sublimes
maturidades de virilidade ou feminilidade,
Maturidade, calma, expandida, vasta com a arrogante
largura do universo,
Maturidade, fluindo livre com a deliciosa e próxima
liberdade da morte.



Trad. livre: Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com






Walt Whitman

Song of the Open Road


10


Allons! the inducements shall be greater,

We will sail pathless and wild seas,

We will go where winds blow, waves dash, and the Yankee clipper

speeds by under full sail.



Allons! with power, liberty, the earth, the elements,

Health, defiance, gayety, self-esteem, curiosity;

Allons! from all formules!

From your formules, O bat-eyed and materialistic priests.


The stale cadaver blocks up the passage--the burial waits no longer.


Allons! yet take warning!

He traveling with me needs the best blood, thews, endurance,

None may come to the trial till he or she bring courage and health,

Come not here if you have already spent the best of yourself,

Only those may come who come in sweet and determin'd bodies,

No diseas'd person, no rum-drinker or venereal taint is permitted here.


(I and mine do not convince by arguments, similes, rhymes,

We convince by our presence.)



11



Listen! I will be honest with you,

I do not offer the old smooth prizes, but offer rough new prizes,

These are the days that must happen to you:

You shall not heap up what is call'd riches,

You shall scatter with lavish hand all that you earn or achieve,

You but arrive at the city to which you were destin'd, you hardly

settle yourself to satisfaction before you are call'd by an

irresistible call to depart,

You shall be treated to the ironical smiles and mockings of those

who remain behind you,

What beckonings of love you receive you shall only answer with

passionate kisses of parting,

You shall not allow the hold of those who spread their reach'd hands

toward you.



12


Allons! after the great Companions, and to belong to them!

They too are on the road--they are the swift and majestic men-- they

are the greatest women, Enjoyers of calms of seas and storms of seas,

Sailors of many a ship, walkers of many a mile of land,

Habitues of many distant countries, habitues of far-distant dwellings,

Trusters of men and women, observers of cities, solitary toilers,

Pausers and contemplators of tufts, blossoms, shells of the shore,

Dancers at wedding-dances, kissers of brides, tender helpers of

children, bearers of children,

Soldiers of revolts, standers by gaping graves, lowerers-down of coffins,

Journeyers over consecutive seasons, over the years, the curious

years each emerging from that which preceded it,

Journeyers as with companions, namely their own diverse phases,

Forth-steppers from the latent unrealized baby-days,

Journeyers gayly with their own youth, journeyers with their bearded

and well-grain'd manhood,

Journeyers with their womanhood, ample, unsurpass'd, content,

Journeyers with their own sublime old age of manhood or womanhood,

Old age, calm, expanded, broad with the haughty breadth of the universe,

Old age, flowing free with the delicious near-by freedom of death.






Walt Whitman


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terça-feira, 21 de junho de 2011

Canção da Estrada Aberta (3/5) - Whitman







Canção da Estrada Aberta

Song of the Open Road


7.

Aqui está o transbordar da alma,
O transbordar da alma vem de dentro através de emoldurados portais,
mesmo provocando questões,
Por que são assim estas ânsias? Por que são assim estes meditares no escuro?
Por que existem homens e mulheres que enquanto estão ao meu lado
a luz solar
expande o meu sangue?
Por que quando eles me abandonam minhas flâmulas de alegria
declinam e murcham?
Por que existem árvores sob as quais eu nunca caminho sem
que pensamentos grandiosos e melódicos desçam sobre mim?
(Acho que os pensamentos pendem lá no inverno e verão
naquelas árvores
e sempre
caem frutos quando eu passo;)
O que que eu intercambio tão subitamente com estranhos!
O que com algum motorista quando viajo no assento ao seu lado?
O que com algum pescador arrastando sua rede-de-pesca
pela praia enquanto eu caminho e paro um momento?
O que concede-me para estar livre a uma boa-vontade
de mulher e homem? O que
concede a eles para estarem livres para mim?



8.


O transbordar da alma é felicidade, aqui está a felicidade,
Acho que ela se espalha no ar, esperando em todos os momentos,
Agora derrama-se sobre nós, estamos devidamente providos.

Aqui sobre o caráter fluido e simpático,
O caráter fluido e simpático é a frescura e doçura de homem e mulher,
(As ervas ao alvorecer brotam não mais frescas e doces a cada dia
nas próprias raízes, do que brota fresco e doce
continuamente em si-mesmo.)

Rumo ao caráter fluido e simpático vaza o suor do amor dos jovens e dos velhos,
Deste cai destilado o charme que zomba da beleza e sucessos,
Rumo a isto projeta-se a trêmula e ansiosa dor do contato.



9.


Allons! Vamos! Seja quem for você que está viajando comigo!
Viajando comigo você encontra o que nunca se cansa.

A terra nunca se cansa,
A terra é rude, silenciosa, incompreensível de início, a Natureza
é rude
e incompreensível de início,
Não desanime, continue, existem coisas divinas bem envelopadas,
Juro a você que existem coisas divinas bem mais belas
do que as palavras expressam.


Allons! Vamos! Não devemos parar aqui,
mesmo que sejam doces estas lojas sortidas, mesmo que seja
conveniente esta morada
nós não podemos ficar aqui,
Mesmo que seja protegido este porto e mesmo que sejam calmas estas águas
não devemos ancorar aqui,
Mesmo que seja acolhedora a hospitalidade conosco
nós nos permitimos recebê-la
não mais que um momento.



Trad. livre: Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com/

...


Walt Whitman

Song of the Open Road


7



Here is the efflux of the soul,

The efflux of the soul comes from within through embower'd gates,

ever provoking questions,

These yearnings why are they? these thoughts in the darkness why are they?

Why are there men and women that while they are nigh me the sunlight

expands my blood?

Why when they leave me do my pennants of joy sink flat and lank?

Why are there trees I never walk under but large and melodious

thoughts descend upon me?

(I think they hang there winter and summer on those trees and always

drop fruit as I pass;)

What is it I interchange so suddenly with strangers?

What with some driver as I ride on the seat by his side?

What with some fisherman drawing his seine by the shore as I walk by

and pause?

What gives me to be free to a woman's and man's good-will? what

gives them to be free to mine?



8



The efflux of the soul is happiness, here is happiness,

I think it pervades the open air, waiting at all times,

Now it flows unto us, we are rightly charged.

Here rises the fluid and attaching character,

The fluid and attaching character is the freshness and sweetness of

man and woman,

(The herbs of the morning sprout no fresher and sweeter every day

out of the roots of themselves, than it sprouts fresh and sweet

continually out of itself.)



Toward the fluid and attaching character exudes the sweat of the

love of young and old,

From it falls distill'd the charm that mocks beauty and attainments,

Toward it heaves the shuddering longing ache of contact.



9



Allons! whoever you are come travel with me!

Traveling with me you find what never tires.


The earth never tires,

The earth is rude, silent, incomprehensible at first,

Nature is rude and incomprehensible at first,

Be not discouraged, keep on, there are divine things well envelop'd,

I swear to you there are divine things more beautiful than words can tell.


Allons! we must not stop here,

However sweet these laid-up stores, however convenient this dwelling

we cannot remain here,

However shelter'd this port and however calm these waters we must

not anchor here,

However welcome the hospitality that surrounds us we are permitted

to receive it but a little while.



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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Bloom na zona boêmia (Ulysses)









Ulysses / Ulisses

James Joyce / 1922


Episódio 15 (Circe)


(A Rua Mabbot na entrada da zona boêmia, diante da qual se estende um não-pavimentado desvio dos trilhos do bonde disposto com trilhos-esqueletos, fogos-fátuos rubros e verdes e sinais de alerta. Fileiras de frágeis casas com boquiabertas portas. Raros lampiões com indistintos atiçadores-arco-íris. Ao redor da parada gôndola de gelo do Rabaiotti tolhidos homens e mulheres discutiam. Eles agarravam biscoitos finos entre os quais são entalados massas de carvão e neve de cobre. Sugando, eles se dispersam lentamente. Crianças. O colo de cisne da gôndola, alto-levantada, molda-se através da escuridão, alva e azulada sob um farol. Assobios chamam e respondem.)

OS CHAMADOS: Espere, meu amor, e vou ficar contigo.

AS REPOSTAS: Lá atrás do estábulo.

(Um idiota surdo-mudo com olhos arregalados, com a boca disforme babando, move-se aos trancos ao passar, agitado numa dança de São Vito. Uma corrente de mãos infantis o aprisionam.)

AS CRIANÇAS: Canastrão! Viva!

O IDIOTA: (levanta o paralisado braço esquerdo e gorgoleja) Fodlham-se!

AS CRIANÇAS: Onde está a luz grandona?

O IDIOTA: (escarrando) Exsumam-se.

(Elas o libertam. Ele move-se aos trancos. Uma mulher anã balançava numa corda suspensa entre as balustradas, contando. Uma forma esparrama-se contra uma caixa de areia e amortecido por este braço e chapéu move, geme, rangendo dentes resmungando, e ressona de novo. Num passo um gnomo cambaleando no meio de um monte de lixo agacha-se para erguer aos ombros um saco de trapos e ossos. Uma megera de pé com uma fumarenta lâmpada-a-óleo força a última garrafa na goela do saco. Ele levanta seu espólio, arrasta de lado a capa com pala e dá o fora mancando em silêncio. A megera dá as costas voltando para o seu covil a balançar a lamparina. Uma criança entortada, agachada no degrau da porta com uma peteca de papel, rasteja esgueirante atrás dela [da megera] em impulsos, agarra sua saia, engatinha com dificuldade. Um estivador bêbado agarra com ambas as mãos as grades de uma área, movendo-se pesadamente em solavancos. Numa esquina dois guardas noturnos em capas curtas sobre os ombros, com suas mãos sobre seus coldres, se destacam altivos. Um prato quebra; uma mulher grita; uma criança se lamenta. Imprecações de um homem ressoa, resmunga, cessa. Figuras vagueiam, furtivamente, tentam enxergar desde as cercas. Numa sala iluminada por uma vela enfiada numa boca de garrafa uma mulher desarrumada penteia as madeixas do cabelo de uma criança tuberculosa. A voz de Cissy Caffrey, ainda jovial, canta estridente numa viela.)

[…]

(O soldado Carr e o soldado Compton voltam-se e retrucam, suas túnicas brilhante-sangue num clarão do lampião, os encaixes negros de suas capas sobre suas aparadas cabeças loiras, Stephen Dedalus e Lynch atravessam a multidão junto aos casacos-rubros.)

[…]

(Stephen, brandindo a bengala em sua mão esquerda, canta com prazer o introito da época da Páscoa. Lynch, com seu boné de jockey baixo em sua testa, presta atenção a ele, um sorriso desdenhoso de descontente enrugando sua face.)

STEPHEN: Vidi aquam egredientem de templo a latere dextro. Alleluia.

(Os famintos cacos de dentes pontudos de uma velha vulgar projeta-se de um vão de porta.)

A VELHA PUTA: (Sua voz sussurrando rouca) Xst! Venha cá e vou te dizer. Uma donzela lá dentro. Eia!

STEPHEN: (Altius aliquantulum) Et omnes ad quos pervenit aqua ista.

A VELHA PUTA: (Cospe no caminho deles o jorro de veneno dela) Médicos da Trinity. Trompa de Falópio. Tudo pica e nenhum tostão.

(Edy Boardman, fungando, agachada com Bertha Supple, puxa seu xale até o nariz.)

EDY BOARDMAN: (Discutindo) E uma diz: eu vi você na praça Faithful com seu traficante do quarteirão, o mais seboso da ferrovia, no seu chapéu ir-pra-cama. Você viu, eu disse. Que não é pra você dizer, eu disse Você nunca me viu numa armadilha de homem [bordel] com um escocês casado. Os gostos dela! De macho que é. Teimosa igual a uma mula! E ela que anda com dois caras de uma vez, Kilbride o maquinista e o lanceiro Oliphant.

STEPHEN: (Com triunfo) Salvifacti i sunt.

(Ele agita sua bengala fazendo tremer a imagem do lampião, estilhaçando a luz sobre o mundo. Um branco-pardo cão spaniel a vaguear esgueira-se atrás dele, rosnando. Lynch enxota o cão com um chute.)

LYNCH: Então o quê?

STEPHEN: (Olha atrás de si) Eis que gesto, não música, nem o cheiro seria a língua universal, a dádiva das línguas fazendo visível não o senso comum (leigo), mas a primeira enteléquia, o ritmo estrutural.

LYNCH: Pornosófica filoteologia. Metafísica na rua Mecklenburg.

STEPHEN: Nós temos Shakespeare dominado-por-megera e Sócrates dominado-pela-mulher. Mesmo o todo-sábio estagirita [Aristóteles](1) foi mordido, domado e cavalgado por uma luz de amor.

LYNCH: Ora bolas!

STEPHEN: De qualquer modo, quem deseja dois gestos para representar um pão e uma jarra? Este movimento representa o pão e o jarro de pão e vinho em Omar. Segure a minha bengala.

LYNCH: Dane-se sua bengala amarela. Aonde estamos indo?

STEPHEN: Lince lascivo, para a la belle dame sans merci [a bela dama sem clemência](2), Georgina Johnson, ad deam qui lactificat juventutem meam.

(Stephen espeta a bengala nele e lentamente estende suas mãos, sua cabeça recuando até ambas as mãos ficarem até um palmo do seu peito, para baixo virou em planos intersectantes, os dedos separados, a mão esquerda mais acima.)

LYNCH: Qual é o jarro de pão? Não dá certo. Aquela ou a alfândega.
Represente aí você. Aqui, pegue sua muleta e vá em frente.

(Eles passam. Tommy Caffrey escala um lampião a gás e, agarrando-se, sobe em espasmos. Lá de cima ele escorrega abaixo. Jacky Caffrey se agarra para subir. O estivador cambaleia à contra-luz. Os gêmeos correm no escuro. O estivador, oscilando, aperta um dedo contra o lado do nariz e espirra daí um jato de meleca. Apoiando o ombro no lampião ele vacila para longe através da multidão com seu chamejante balde de brasas.

Serpentes da névoa do rio rastejam lentas. Desde os esgotos, fendas, fossas, lixões sobem de todos os lados fumos estagnantes. Um brilho saltita no sul além da direção do mar alcança o rio. O estivador cambaleante adianta racha a multidão e oscila adiante até o desvio dos trilhos. No lado mais afastado sob a ponte da ferrovia Bloom aparece afogueado, ofegando, pão embrulhado e chocolate num bolso lateral. De uma janela do cabeleireiro Gillen um retrato composto mostra-lhe a galante imagem de Nelson (3). Um espelho côncavo ao lado apresenta-lhe desolado-de-amor há muito perdido lúgubre Booloohoom. O solene Gladstone (4) vê a ele ao nível, Bloom por Bloom. Ele passa, golpeado pelo olhar fixo de truculento Wellington (5), porém no espelho convexo sorriso amplo não-golpeados os olhos de porquinho e queixo-gordo pedaço-de-bochecha de alegre-poldy o rixdix doldy.

Diante da porta de Antonio Rabaiotti, suado, Bloom faz uma pausa, sob as brilhantes lâmpadas em arco. Ele desaparece. Numa momento ele reaparece e se apressa.)

BLOOM: Peixe e trapos. N.g. Ah!

(Ele desaparece dentro da Olhousen's, o açougue [de carne suína], sob o declinante porta-de-aço. Uns poucos momentos mais tarde ele emerge de sob a veneziana, arquejante Poldy, resfolegante Bloohoom. Em cada mão ele carrega um pacote um contendo uma tépida pata de porco, o outro, uma fria perna de carneiro, borrifada com pimenta inteira. Ele ofega, mantendo-se de pé. Então inclina-se para um lado, comprime um pacote contra a costela e geme.)

BLOOM: Pontada aqui do lado. Por que eu corri?

(Ele toma fôlego com cuidado e segue adiante lentamente rumo ao desvio junto ao lampião. O brilho salta novamente.)

BLOOM: O que é aquilo? Um relâmpago? Holofote.

(Ele para na esquina da Cormack's, observando.)

BLOOM: Aurora borealis ou uma fundição de aço? Ah, a brigada, claro. Em todo caso lá pros lados do sul. Grande brilho (6). Deveria ser a casa dele [Blaze, brilho = Blaze Boylan]. Moita de mendigo. Estamos salvos. (Ele cantarola mudamente com satisfação) Londres em chamas, Londres em chamas! Em chamas, em chamas! (7)(Ele tem a visão do estivador cambaleando através da multidão no lado mais afastado da rua Talbot) Eu o perdi. Corre. Rápido. Melhor atravessar aqui.

(Ele se apressa para cruzar a rua. Uns moleques gritam.)

OS MOLEQUES: Preste atenção, senhor! (Dois ciclistas, com iluminadas lanternas de papel oscilando, passam por ele, raspando, com as sinetas tagarelando.)

AS SINETAS: Ooooppaaaaaaltooooolaaaaá !

BLOOM: (Ele para erguido picado por um espasmo) Opa!

(Ele olha ao redor, apressa-se adiante subitamente. Através da névoa que sobe um dragão espalhador-de-areia, viajando com cuidado, cai pesadamente sobre ele, seu grande rubro farol piscando, seu vagão assobiando no fio. O condutor golpeia sua buzina. )



pp. 425-429(*)




trad. livre: Leonardo de Magalhaens




Referências


(1)Estagirita é o filósofo Aristóteles, pois nascido na cidade de Estagira
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aristóteles


(2)O poema Belle Dame sans Merci de John Keats
http://www.bartleby.com/126/55.html


(3)O almirante Nelson que comandou a Marinha britânica durante as Guerras Napoleônicas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Horatio_Nelson

(4)O primeiro-ministro britânico Gladstone
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Ewart_Gladstone

(5)O general Duque de Wellington – famoso na vitória em Waterloo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Wellesley,_1.º_Duque_de_Wellington

(6)Blaze Boylan é o amante de Molly, a esposa (in)fiel de Bloom.

(7)“Londres em chamas”, refere-se ao Grande Incêndio de 1666, e uma cantiga infantil (nursery rhymes).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Incêndio_de_Londres


(*)O episódio 15 é composto de 107 páginas, todo no estilo teatro expressionista.


Links ULYSSES

episode 15 Circe

Wikisource
http://en.wikisource.org/wiki/Ulysses_(novel)/Chapter_15
.
Project Gutenberg
http://www.gutenberg.org/catalog/world/readfile?fk_files=853163&pageno=362

.
Ulysess
http://en.wikipedia.org/wiki/Ulysses_(novel)
.


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LdeM

sábado, 11 de junho de 2011

Canção da Estrada Aberta (2/5) - Whitman







Canção da Estrada Aberta

Song of the Open Road


4

A terra se expandindo à direita e à esquerda,
O quadro vivo, cada parte na sua melhor luz,
A música caindo onde é desejada, e parando onde
não é desejada,
A animada voz da estrada pública, o alegre e fresco
sentimento da estrada.

Ó auto-estrada, onde eu viajo, você diria para mim
'Não me abandone'?
Você diria 'Não se aventure – se você me abandonar
você vai se perder'?
Você diria 'Estou preparada, Estou bem-trilhada e nunca
rejeitada,
Junte-se a mim' ?

Ó estrada pública, eu digo em troca que não tenho medo
de abandonar-te, ainda te amo,
Você expressa sobre mim melhor do que eu posso expressar
sobre mim mesmo,
Você deverá ser mais para mim do que o meu poema.

Imagino feitos heróicos todos concebidos ao ar livre,
e também todos os poemas livres,
Imagino que eu poderia parar aqui e fazer milagres,
Imagino que o que quer que eu encontrar na estrada eu deverei
gostar, e quem quer que
me observe deverá gostar de mim,
Imagino que quem quer que eu veja deverá ser feliz.



5

Desde agora eu ordeno a mim mesmo livrar-me dos limites e
linhas imaginárias,
Indo aonde eu me entrego, meu próprio mestre total e absoluto,
Ouvindo aos outros, considerando bem o que eles dizem,
Em pausas, procurando, recebendo, contemplando,
Gentilmente, mas com desejo inegável, desnudando-me das
amarras que
me prenderiam.

Eu inalo grandes goles do espaço,
O leste e o oeste são meus, e o norte e o sul são meus.

Sou maior, melhor do que eu pensava,
Eu não sabia que eu guardava tanta bondade.

Tudo parece belo para mim,
Posso repetir aos homens e mulheres 'Vocês têm feito muito bem
a mim'
Eu faria o mesmo a vocês
Eu vou recuperar a mim mesmo e vocês enquanto eu sigo,
Eu vou me espalhar entre homens e mulheres enquanto eu sigo,
Eu vou semear entre eles uma nova satisfação e esforço,
Quem quer que me rejeite isto não deverá me incomodar,
Quem quer que me aceite, ele ou ela, ser]ao abençoados e
deverão me abençoar.



6

Agora se mil homens perfeitos aparecessem
isto não me surpreenderia,
Agora se mil belas formas de mulheres aparecessem
isto não me espantaria.

Agora eu vejo o segredo do criar pessoas melhores,
É crescer ao ar livre e comer e dormir junto a terra.

A um grande tarefa pessoal tem lugar,
(Tal uma obra que se apossa dos corações da completa
raça de homens,
Sua efusão de força e vontade esmaga a lei e zomba
de toda
autoridade e todos os argumentos em contrário.)

Aqui está a prova da sabedoria,
Sabedoria não é de fato testada em escolas,
Sabedoria não pode ser transmitida de um que tem
para outro que não tem,
Sabedoria é da própria alma, não é suscetível de prova,
é a própria prova,
Aplica-se a todos os estágios e objetos e qualidades
e é contente,
É a certeza da realidade e a imortalidade das coisas, e a
excelência das coisas;
Algo existe na deriva da visão das coisas que provoca
tal efeito na alma.

Agora eu re-examino filosofias e religiões,
Eles devem provar bem em salas-de-leitura, ainda não prova
tudo sob as
nuvens espaçosas e ao longo de paisagens e riachos que fluem.

Aqui está a realização,
Aqui está o homem marcado – ele entende aqui o que
ele tem em si-mesmo,
O passado, o futuro, majestade, amor – se eles eram
vazios de você,
você estava vazia deles.

Apenas o cerne de cada objeto alimenta;
Onde está ele que colhe os frutos para você e para mim?
Onde está ele que desfaz estratagemas e envelopes
para você e para mim?

Aqui é aderência, não é previamente modelável,
é conveniente;
Você sabe como é quando se passa a ser amada
por estranhos?

Você conhece a conversa daqueles que voltam o olhar?




Trad. livre: Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com/





Walt Whitman

Song of the Open Road


4

.


The earth expanding right hand and left hand,

The picture alive, every part in its best light,

The music falling in where it is wanted, and stopping

where it is not wanted,

The cheerful voice of the public road, the gay fresh sentiment

of the road.

O highway I travel, do you say to me Do not leave me?

Do you say Venture not--if you leave me you are lost?

Do you say I am already prepared, I am well-beaten and undenied,

adhere to me?



O public road, I say back I am not afraid to leave you, yet I love you,

You express me better than I can express myself,

You shall be more to me than my poem.



I think heroic deeds were all conceiv'd in the open air,

and all free poems also,

I think I could stop here myself and do miracles,

I think whatever I shall meet on the road I shall like, and whoever

beholds me shall like me,

I think whoever I see must be happy.


.

5

.


From this hour I ordain myself loos'd of limits and imaginary lines,

Going where I list, my own master total and absolute,

Listening to others, considering well what they say,

Pausing, searching, receiving, contemplating,

Gently, but with undeniable will, divesting myself of the holds that

would hold me.



I inhale great draughts of space,

The east and the west are mine, and the north and the south are mine.


I am larger, better than I thought,

I did not know I held so much goodness.



All seems beautiful to me, can repeat over to men and women You have done

such good to me

I would do the same to you,

I will recruit for myself and you as I go,

I will scatter myself among men and women as I go,

I will toss a new gladness and roughness among them,

Whoever denies me it shall not trouble me,

Whoever accepts me he or she shall be blessed and shall bless me.


.

6
.


Now if a thousand perfect men were to appear it would not amaze me,

Now if a thousand beautiful forms of women appear'd it would not astonish me.

Now I see the secret of the making of the best persons,

It is to grow in the open air and to eat and sleep with the earth.

Here a great personal deed has room,

(Such a deed seizes upon the hearts of the whole race of men,

Its effusion of strength and will overwhelms law and mocks all

authority and all argument against it.)



Here is the test of wisdom,

Wisdom is not finally tested in schools,

Wisdom cannot be pass'd from one having it to another not having it,

Wisdom is of the soul, is not susceptible of proof, is its own proof,

Applies to all stages and objects and qualities and is content,

Is the certainty of the reality and immortality of things, and the

excellence of things;

Something there is in the float of the sight of things that provokes

it out of the soul.



Now I re-examine philosophies and religions,

They may prove well in lecture-rooms, yet not prove at all

under the spacious clouds and along the landscape and flowing currents.



Here is realization,

Here is a man tallied--he realizes here what he has in him,

The past, the future, majesty, love--if they are vacant of you, you

are vacant of them.



Only the kernel of every object nourishes;

Where is he who tears off the husks for you and me?

Where is he that undoes stratagems and envelopes for you and me?



Here is adhesiveness, it is not previously fashion'd, it is apropos;

Do you know what it is as you pass to be loved by strangers?

Do you know the talk of those turning eye-balls?




Walt Whitman




LdeM

sábado, 4 de junho de 2011

Canção da Estrada Aberta (1/5) - Whitman












Canção da Estrada Aberta

Song of the Open Road

1

A pé e de coração leve eu pego a estrada aberta
Saudável, livre, o mundo diante de mim,
A longa trilha diante de mim conduzindo-me
aonde quer que eu escolha.


De agora em diante eu não questiono sobre a boa-sorte,
eu mesmo sou a boa-sorte,
De gora em diante eu não vou mais lamentar, não vou mais adiar,
de nada eu preciso,
Chega de reclamação dentro de casa, bibliotecas, críticas queixosas,
Forte e contente eu viajo através da estrada aberta.


A terra, eis o suficiente,
Eu não quero as constelações mais próximas,
Sei que elas estão bem aonde elas estão,
Sei que elas são suficientes para aqueles que pertencem a elas.


(Ainda aqui eu carrego meus velhos e deliciosos fardos,
Eu os carrego, homens e mulheres, eu os carrego comigo
para onde quer que eu vá,
Eu juro que é impossível para mim livrar-me deles,
Estou preenchido com eles, e eu os preencherei em troca.)


2

Você, estrada, eu te adentro e olho ao redor, eu acredito que
você não é tudo o que está aqui,
Eu acredito que aqui há também muito ainda não visto.


Aqui a profunda lição da recepção, nem preferência nem rejeição,
O negro com sua cabeça de lã, o bandido, o doente,
os analfabetos, não são rejeitados,
O nascimento, a pressa após o médico, o perambular do mendigo,
o cambalear do bêbado, a festa gargalhante dos mecânicos,
A juventude em fuga, a carruagem dos ricos, o janota,
o casal fugitivo,
O comerciante que madruga, o carro fúnebre, o mover da mobília
para a cidade, o retorno desde a cidade,
Eles passam, eu também passo, algo passa, nenhum
pode ser restringido,
Ninguém pode senão ser aceito, ninguém pode senão
ser importante para mim.


3

Você, ar, que me concede o fôlego para falar!
Vocês, objetos, que clamam da difusão meus sentidos
e dá forma a eles!
Você, luz, que me envolve e todas as coisas em delicada e
invariável cascata!
Vocês, trilhas, batidas nos buracos irregulares ao longo das estradas!
Acredito que vocês estão latentes com existências invisíveis,
vocês são importantes para mim.


Vocês, calçadas lajeadas das cidades! Vocês, robustos meio-fios
nas beiras!
Vocês, barcas! Vocês, pranchas e postes do cais! Você, lado delineado
de madeira! Vocês, navios distantes!
Vocês, fileiras de casas! Vocês, fachadas recortadas por janelas!
Vocês, telhados!
Vocês, varandas e entradas! Vocês, beirais e grades!
Vocês, janelas, cujas conchas transparentes deveriam expor muito!
Vocês, portas e altas escadarias! Vocês, arcadas!
Vocês, pedras cinzentas de pavimentos intermináveis! Vocês,
cruzamentos tão pisados!
De tudo que tem tocado vocês eu acredito que vocês tem comunicado a
Vocês mesmos, e agora comunicariam o mesmo secretamente para mim,
De vivos e de mortos vocês povoaram suas superfícies impassíveis,
E os espíritos destes e daqueles serão evidentes e amistosos comigo.



Trad. livre: Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com



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Walt Whitman




Song of the Open Road



1

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Afoot and light-hearted I take to the open road,

Healthy, free, the world before me,

The long brown path before me leading wherever I choose.

.

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Henceforth I ask not good-fortune, I myself am good-fortune,

Henceforth I whimper no more, postpone no more, need nothing,

Done with indoor complaints, libraries, querulous criticisms,

Strong and content I travel the open road.

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The earth, that is sufficient,

I do not want the constellations any nearer,

I know they are very well where they are,

I know they suffice for those who belong to them.

.

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(Still here I carry my old delicious burdens,

I carry them, men and women, I carry them with me wherever I go,

I swear it is impossible for me to get rid of them,

I am fill'd with them, and I will fill them in return.)

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2

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You road I enter upon and look around, I believe you are not all

that is here,

I believe that much unseen is also here.

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Here the profound lesson of reception, nor preference nor denial,

The black with his woolly head, the felon, the diseas'd, the

illiterate person, are not denied;

The birth, the hasting after the physician, the beggar's tramp, the

drunkard's stagger, the laughing party of mechanics,

The escaped youth, the rich person's carriage, the fop, the eloping couple,

The early market-man, the hearse, the moving of furniture into the

town, the return back from the town,

They pass, I also pass, any thing passes, none can be interdicted,

None but are accepted, none but shall be dear to me.

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3

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You air that serves me with breath to speak!

You objects that call from diffusion my meanings and give them shape!

You light that wraps me and all things in delicate equable showers!

You paths worn in the irregular hollows by the roadsides!

I believe you are latent with unseen existences, you are so dear to me.

.

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You flagg'd walks of the cities! you strong curbs at the edges!

You ferries! you planks and posts of wharves! you timber-lined

side! you distant ships!

You rows of houses! you window-pierc'd facades! you roofs!

You porches and entrances! you copings and iron guards!

You windows whose transparent shells might expose so much!

You doors and ascending steps! you arches!

You gray stones of interminable pavements! you trodden crossings!

From all that has touch'd you I believe you have imparted to

yourselves, and now would impart the same secretly to me,

From the living and the dead you have peopled your impassive surfaces,

and the spirits thereof would be evident and amicable with me.
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LdeM


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