sábado, 24 de julho de 2010

BRECHT - Perguntas de um trabalhador que pode ler




BERTOLT BRECHT


FRAGEN EINES LESENDEN ARBEITERS

Perguntas de um trabalhador que pode ler

Quem edificou a Tebas que tinha sete portas?
Nos livros permanecem os nomes de reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a muitas vezes arrasada Babilônia –
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em quais casas
Da dourada Lima moravam os construtores?
Na noite em que a Muralha da China foi terminada
Para onde foram os pedreiros? A grande Roma
É cheia de arcos de triunfo. Quem os construiu? Sobre quem
Os Césares triunfaram? A célebre Bizâncio
Tinha apenas palácios para os seus moradores?
Mesmo na legendária Atlântida
Na noite, quando o mar a tragou
Os afogados gritavam aos seus escravos.


O jovem Alexandre conquistou a índia.
Ele sozinho?
César derrotou os gauleses.
Ele não tinha sequer um cozinheiro ao seu lado?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Grande Armada
Afundou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem
Venceu além dele?


Cada página uma vitória.
Quem cozinhou o banquete da vitória?
Cada dez anos um grande homem.
Quem pagou os gastos?


Muitas histórias.
Muitas perguntas.

domingo, 18 de julho de 2010

sobre Trapecio / Trapézio de Noé Zayas




Sobre a obra Trapecio/ Trapézio
do escritor Noé Zayas (República Dominicana, 1969-)
(Ediciones Angeles de Fierro/ Anome Livros)
(tradução: Cristiane Grando)

Literatura enquanto denúncia da miséria humana

Quando se pensa nas funções da Literatura, as sociais e as individuais, quando se permite pensar a Escrita enquanto algo-além-do-texto, surge a questão do Testemunho, da Denúncia, de uma voz a declamar e desabafar, mobilizando e trans-formando os Leitores.

A Escrita pode surgir como um testemunho das misérias do Autor ou do Mundo do Autor, de uma realidade dentro e também fora. Uma tragédia a ser denunciada, um mundo que exige mudança e reforma. O Autor aponta (e ironiza) o erro, o ridículo do erro, no propósito de denunciar e superar – restabelecer o equilíbrio. (Senão, então, por que escreveria? Para re-afirmar o Erro? Mas aí não seria um 'erro' para o Autor...)

Mas a Escrita não é apenas Panfleto. Possui um Texto tecido de Linguagens, visa emocionar e informar, causar náusea ou prazer. Tendo um Enredo – com características estilísticas - para dizer algo, apresenta-se como um deus-de-duas-faces: o texto e o contexto. O que diz de si-mesma e o que diz dos outros e para os outros. Em resumo: Enredo/Forma, Estilo/Conteúdo.

A obra Trapecio/ Trapézio (contos? poema em prosa?) do escritor Noé Zayas mostram bem o dilema da Escrita diante da miséria humana: estetizar ou denunciar? Ser arte ou panfleto? Como conciliar ambas das perspectivas?

Encontramos as personagens todas suspensas no circo social, umas e outras se equilibram em acrobacias e saltos mortais, neste desfile de desgraça humanas, neste 'vale de lágrimas', onde se debatem todas em loucura, violências, homicídios, homofobia, traição, indignidades.

Todos os dramas carregados de humanidade e lágrimas, mas retratados (logo intermediados) pela Linguagem. A Escrita alivia ou dramatiza ainda mais? O Autor é mero observador? Um simples médium? Ou sofre junto, tem com-paixão, com as personagens?

No gênero literário pode-se definir como conto, mas a Linguagem é de poema em prosa (o que lembra muito os textos de Baudelaire), com narrativas curtas, concentradas, com algum 'realismo mágico', com o Narrador, em busca de cumplicidade, se dirigindo ao Leitor.

Ou então, interpela a Personagem, confunde a mesma com a Voz narrativa (a causa a leve impressão de ser em 1a pessoa...), apresenta com ironia lírica as imagens da decadência. Contos curtíssimos que não poupam o Leitor das nuances da indignidade, enquanto 'aquela espiadinha' revela o voyeur em potencial. Ver a desgraça alheia é entretenimento?

Um parágrafo basta – se é que é um conto – quando a impressão da miséria é mais do que o suficiente - “La perspectiva del sueño em la realidade inconstante” - “No era un sueño, ni uma alucinación, ni un extravío de la mente. Era, indudablemente, su cuerpo lacerado; uno que otros perros ladrándole a él, no a su cuerpo, y el ruido de un vehículo que huía.”

Na tradução (correta e direta) de Cristiane Grando: “Não era um sonho, nem uma alucinação, nem um deambular da mente. Era, indiscutivelmente, seu corpo lacerado; um ou outro cachorro ladrando para ele, não para o seu corpo, e o ruído de um veículo que fugia.”

Onde o Leitor precisa imaginar – recompor – o restante. Alguém caído ao asfalto, atropelado (¿propositalmente?), a ver a vida se esvair no 'corpo lacerado'.

Assim, o Autor espera a atenção e a imaginação do Leitor. Não entrega o serviço pronto, não facilita. Dicas e sugestões são a matéria-prima. Digressões, alucinações. Tudo para narrar as nuances da degradação. A violência policial, a pobreza das favelas, a infidelidade e a crise familiar, os abusos sexuais, o aprendizado da violência através da violência, o suicídio, o psicótico que assassina o psiquiatra, o êxodo rural, a desigualdade gerando violência, a visão irônica do milagre, a arte mumificando a realidade, os pecados nossos de cada dia.

Assim, cada conto (ou poema em prosa) é um golpe, uma navalhada a mais, na face do leitor que busca entretenimento, que espera algo 'de alto astral' para adormecer ou levantar com pé direito. (Quando li Trapecio pela primeira vez, ousado que sou, tive pesadelos, até ser obrigado a desistir. Um mês depois, eis que reanimado...) Aqui, Noé Zayas não vem apresentar literatura fácil ou de auto-ajuda, para insones e depressivos do cotidiano. É contra-indicado para pessimistas crônicos. (Nem sei porque fui insistir em ler...)

Alguns contos possuem tinturas kafkanianas, algo de sombrio, a lembrar o lúgubre E. A. Poe, algo se surreal, a lembrar o nosso Murilo Rubião, como é o exemplo de “El sonãdor/ O Sonhador”, onde inquieto por sonhos recorrentes, relativos a própria morte, o cidadão, no entanto, segue seguro, pois julga tudo um sonho, nada mais que um sonho. Mero engano: de repente, a tragédia onírica é apenas a ante-câmara da tragédia real. O Autor reduz ao essencial, deixa de lado toda compaixão. Descreve como se fosse um jornalista. Sequer faz a gentileza de nomear o protagonista. Trata-se de um homem anônimo, outro qualquer nas multidões. No final, sabemos que algo medonho será ruminado em nossa imaginação.

Naquela manhã despertou do sonho em que era apunhalado por sua esposa, para imediatamente reconhecer o homem que, dirigindo-se até ele, descarregava o revólver em seu peito. Não se surpreendeu, como não o surpreendia nenhum dos sonhos em que constantemente morria em mãos de algo ou de alguém. Foi nessa mesma manhã, a caminho do trabalho, quando cruzava a avenida Liberdade que viu, sem dúvida que viu, aquele Mercedes Benz rosado que se dirigia até ele. Por um breve instante o atormentou a dúvida, mas essa se dissipou com a consciência de que isso era apenas outro de seus sonhos e seguiu caminhando; desta vez tudo foi diferente.” (trad. Cristiane Grando)

Se o objetivo do Autor é nos assustar com seus pesadelos íntimos e seus recortes sangrentos da realidade, então obteve sucesso. Nada aqui é gratuito, tudo aqui tem seu preço. E custa caro. Depois do terceiro título, já passamos a temer pela Personagem, a esperar o pior. Ninguém se salva, todos caem dos trapézio, todos caem sem qualquer rede para aliviar a queda. E o chão é duro e fatal.

Se o propósito do Autor é conquistar nossa compaixão de Leitores, no sentido de sofrermos junto com os protagonistas e figurantes em miséria, pouco consegue. Ou o trivial: a miséria ama companhia. Ou: antes ele do que eu. Ou ainda: desde que não aconteça comigo! Nós, os Leitores, somos observadores do alheio, das vidas alheias, somos corvos empoleirados nos bustos de Palas, a se deliciar com o horror. (Afinal, Poe não é um sucesso? O Marquês de Sade não é um sucesso?) A miséria alheia (ainda mais de protagonistas, mocinhos e mocinhas, vilões, figurantes...) não desperta nossa compaixão, mas nosso desprezo. Jogamos uma moedinha para o mendigo e viramos a face – caso contrário, há o perigo de cuspirmos imediatamente na miséria.

Set/09
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sábado, 10 de julho de 2010

Neruda - Ode ao Dicionário




PABLO NERUDA


ODE AO DICIONÁRIO

Lombo de boi, pesado
carregador, sistemático
livro espesso:
quando jovem
te ignorei, me vestiu
a suficiência
e me acreditei completo,
e estufado tal um
melancólico sapo
recitei: “Recebo
as palavras
diretamente
do Sinai bramante.
Reduzirei
as formas à alquimia.
Sou um mago.”

O grande mago se calava.

O Dicionário,
velho e pesado, com seu jaquetão
de couro desgastado,
se aquietou silencioso
sem mostrar suas provetas.

Porém um dia,
depois de havê-lo usado
e desusado,
depois
de declará-lo
inútil e anacrônico camelo,
quando em longos meses, sem protesto,
serviu-me de poltrona
e de almofada,
rebelou-se e se plantando
em minha porta
cresceu, moveu suas folhas
e seus ninhos,
moveu a elevação da sua folhagem:
árvore
era,
natural,
generoso
manzano, manzanar ou manzanero,
e as palavras
brilharam em sua copa inesgotável,
opacas ou sonoras,
fecundas nos ramos da linguagem,
carregadas de verdade e de sonho.

Aparto uma
só das
suas
páginas:
Caporal
Capuchón

que maravilha
pronunciar estas sílabas
com fôlego,
e mais abaixo
Capsula
oca, esperando azeite ou ambrosia,
e junto delas
Captura Capucete Capuchina
Capracio Captatorio

palavras
que deslizam como uvas suaves
ou que à luz estalam
como germes cegos que esperaram
nas adegas do vocabulário
e vivem outra vez e dão vida:
uma vez mais o coração as queima.

Dicionário, não és
tumba, sepulcro, caixão,
túmulo, mausoléu,
és senão preservação,
fogo escondido,
plantação de rubis,
perpetuação viva
da essência,
celeiro do idioma.
E é belo
recolher em tuas filas
a palavra
de estirpe,
a severa
e esquecida
sentença,
filha da Espanha,
endurecida
como grade de arado,
fixa no seu limite
de antiquada ferramenta,
preservada
com sua beleza exata
e sua dureza de medalha.
Ou a outra
palavra
que ali vimos perdida
entre linhas
e que de pronto
se fez saborosa e lisa na nossa boca
como uma amêndoa
ou terna como um figo.

Dicionário, uma mão
de tuas mil mãos, uma
de tuas mil esmeraldas,
uma

gota
de tuas vertentes virginais,
um grão
de
teus
magnânimos celeiros
no momento
justo
aos meus lábios conduz,
ao fio da minha pena,
ao meu tinteiro.
De tua espessa e sonora
profundidade de selva,
dá-me,
quando o necessite,
um só trinado, o luxo
de uma abelha,
um fragmento caído
de tua antiga madeira perfumada
por uma eternidade de jasmineiros,
uma
sílaba,
um tremor, um som,
uma semente:
de terra sou e com palavras canto.



Oda al Diccionario

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in: Nuevas Odas Elementales (1956)

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sábado, 3 de julho de 2010

Ode à Melancolia - John KEATS




JOHN KEATS

Ode on Melancholy
(1820)


1.

Não, não, não siga ao Letes, nem agite
As ervas (1), enraizadas, a buscar venenosa poção;
Nem sofra tua pálida fronte ao ser beijada
Pela noturna uva rubra de Proserpina;
Não faça seu rosário de bagas-de-teixo,
Não deixe o besouro, nem a mariposa serem
Sua lamentosa Psiquê, nem a sábia coruja
Sua companheira nos mistérios da mágoa;
Pois de sombra em sombra virá sonolenta,
E afogará a desperta angústia da alma.

2.

Mas quando a melancólica crise descer,
De súbito, dos Céus tal uma nuvem de lamentos,
Que acaricia todas as flores reclinadas,
E oculta a verde colina numa mortalha;
Então queira fartar tua dor numa rosa-da-manhã,
Ou sobre o arco-íris da onda salgada,
Ou sobre a fartura das belas flores globais:
Ou se tua senhora alguma rica ira demonstra,
Aprisione a sua suave mão, e deixe-a delirar,
E se satisfaça no profundo de seus olhos singulares.

3.

Ela habita junto a Beleza – que deve morrer;
E junto a Alegria, cuja mão aos lábios dele
Acenam adeus; e golpeando o Prazer próximo,
Tornando-se em poção enquanto as abelhas sorvem:
Sim, no verdadeiro templo do Deleite
Velada Melancolia tem seu relicário,
Apesar de invisível ser salvo, cuja ativa língua
Pode explodir a uva da Alegria ao céu-da-boca;
A alma dele degustará a tristeza dela,
E suspenso meio aos dela nublados troféus.


(1) “wolf’s bane”: acônito ou arnica, erva medicinal.
Com efeitos associados à Licantropia.

Trad. livre by Leonardo de Magalhaens
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Jan/08

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JOHN KEATS

Ode On Melancholy
(1820)

1.

No, no! go not to Lethe, neither twist
Wolf's-bane, tight-rooted, for its poisonous wine;
Nor suffer thy pale forehead to be kissed
By nightshade, ruby grape of Proserpine;
Make not your rosary of yew-berries,
Nor let the beetle nor the death-moth be
Your mournful Psyche, nor the downy owl
A partner in your sorrow's mysteries;
For shade to shade will come too drowsily,
And drown the wakeful anguish of the soul.

2.

But when the melancholy fit shall fall
Sudden from heaven like a weeping cloud,
That fosters the droop-headed flowers all,
And hides the green hill in an April shroud;
Then glut thy sorrow on a morning rose,
Or on the rainbow of the salt sand-wave,
Or on the wealth of globed peonies;
Or if thy mistress some rich anger shows,
Emprison her soft hand, and let her rave,
And feed deep, deep upon her peerless eyes.

3.

She dwells with Beauty -- Beauty that must die;
And Joy, whose hand is ever at his lips
Bidding adieu; and aching Pleasure nigh,
Turning to poison while the bee-mouth sips;
Ay, in the very temple of delight
Veiled Melancholy has her sovran shrine,
Though seen of none save him whose strenuous tongue
Can burst Joy's grape against his palate fine;
His soul shall taste the sadness of her might,
And be among her cloudy trophies hung.


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Para ouvir em
http://www.youtube.com/watch?v=ywBEYFKgEbM
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postagem ao som de
http://www.youtube.com/watch?v=zLmspcgrYrY

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