Sobre Animal Farm (A Revolução dos Bichos)(1945)
de George Orwell
de George Orwell
Uns mais iguais do que outros
Conhecido por seu idealismo e por sua atuação prática, o escritor
britânico George Orwell, nascido Eric Blair, deixou uma obra literária
modesta, mas essencial. Ao abordar assuntos de interesse social e
político, deixou na História o seu nome como referência de luta
contra os sistemas de opressão. Celebrizado por sua obra-prima
“1984”, onde o todo-poderoso e pleno-vigilante Grande Irmão,
“Big Brother”, acaba de ser vulgarizado numa série de televisivos
reality shows da mediocridade midiática.
A obra literária de Orwell reflete a vivência real do autor na vida
política, além da luta física nos campos de batalha, tendo servido
na terrível e fraticida Guerra Civil Espanhola (1936-39), quando
as Esquerdas miseravelmente divididas perderam para as Direitas
heterogêneas, mas medonhamente unidas. Através de novas
experiências de organização, os Anarquistas, principalmente,
enfrentaram os 'ditos' Comunistas, centralistas e estalinizados,
enquanto os Socialistas hesitavam entre defender a República
burguesa e apoiar uma esperada (mas impossibilitada) 'revolução
proletária'. Enquanto isso, os Monarquistas, os Militares
nacionalistas, os Falangistas fascistas, os latifundiários, os clérigos
se uniam numa rebelião contra o governo democraticamente eleito
em fevereiro de 1936.
A experiência na Espanha marcou o pensamento e obra de Orwell
(assim também abalou Ernest Hemingway, que escreveu sua
obra-prima “For whom the bells tolls”/Por quem os sinos dobram,
em 1940, mostrando as perdas humanas no conflito) que passou a
defender uma espécie de 'socialismo libertário' contra o centralismo
dito comunista, enquanto resiste ao liberalismo burguês e o
autoritarismo fascista. Assim cercado por todos os lados, o homem
Orwell vem desabafar em suas obras uma série de paranóias sobre
o controle, a vigilância, as violências e sutilezas do poder. Tal um
novo Kafka, mais politizado, mas ainda alegórico, o escritor Orwell
deixa no papel suas suspeitas quanto a uma possível 'libertação
humana' caso não seja possível uma superação da exploração do
homem pelo homem.
Estas alegorias são a base de “Animal Farm”, a Revolução dos Bichos,
onde os animais se revoltam contra os patrões humanos e resolveram
gerenciar eles mesmos a Granja onde habitam. Ao ouvirem as sábias
palavras do velho porco Major (que pode ser um símbolo para Marx e
também Lenin) os animais fazem uma revolução guiada pela 'liberdade',
em prol da 'igualdade'. Mas devem aprender a 'gerenciar' as duas
instâncias metafísicas, que se limitam, que se constrangem. (O fato
de não sermos nem livres, nem iguais, é assunto para outro ensaio!)
Em Animal Farm, o Sr. Jones é a figura do opressivo poder czarista,
autocrático e atrasado, e também do capitalista explorador, que
domina a 'Granja do Solar', um espaço que podemos identificar
como a Rússia, lugar de servidão. Os animais não suportam mais
trabalhar para o conforto dos humanos e ouvem as exortações do
velho porco Major, a lembrar que todo o esforço dos bichos é roubado
pelos humanos, o inimigo de classe, isto é, dos demais animais. Num
momento de 'convulsão social', a revolução tem início, com a emoção
e idealismo a redimir as violências, até a expulsão dos exploradores.
E depois? Os grupos revolucionários podem chegar num acordo
apesar de todas as diferenças? Afinal, temos aqui porcos, ovelhas,
cães, galinhas, gansos, cabras, cavalos, burros, etc, que precisam viver
em harmonia através de regras criadas por eles mesmos e não 'dadas'
por um ser 'dito' superior. Estas regras são os Sete Mandamentos
que dizem:
"Whatever goes upon two legs is an enemy: Whatever goes upon four
legs, or has wings, is a friend; No animal shall wear clothes; No animal
shall sleep in a bed: No animal shall drink alcohol; No animal shall kill
any other animal; All animals are equal."
(O que anda sobre duas pernas é um inimigo; O que anda sobre quatro
pernas, ou tem asas, é um amigo; Nenhum animal deve vestir roupa;
Nenhum animal deve dormir em cama; Nenhum animal deve beber
álcool; Nenhum animal deve matar outro animal; Todos os animais
são iguais)
O que mostra bem que nenhuma sociedade é possível sem as leis,
os Mandamentos, desde uma tribo nômade, ou uma aldeia de
pescadores até as modernas socieades cheias de preceitos, códigos,
estatutos, leis orgânicas, constituições. O problema é: quem cria
as leis? Quem aplica as leis? Quem defende as leis? A quem as leis
acabam favorecendo? De repente as mesmas leis que 'libertam'
passam a ser novas cadeias! (É assim que Legisladores e especialistas
jurídicos se elevam acima dos demais e constituem uma 'casta
administrativa' a exigir privilégios)
As proclamações de 'todos são iguais' vem esconder que uns acabam
se tornando 'mais iguais', os porcos que se destacam por brutalidade
e velhacaria, nominalmente Napoleon, uma figura claramente
estalinista, Snowball (Bola-de-Neve), o organizador que acaba sendo
excluído, Squealer (Garganta), o relações-públicas, que usa a palavra
como instrumento de doutrinação e coerção, e assim Minimus (Mínimo),
o porco poeta, que exalta as novas regras (e os novos líderes). São
os porcos que arregimentam outros porcos (que depois serão
excluídos e condenados junto com Bola-de-Neve), além de cães de
caça (as novas forças de vigilância e repressão), para manterem
submissas as massas de produtores e proletários (as vacas, as
galinhas, as ovelhas).
Dentre os explorados, existem os que se esforçam para agradar (o
cavalo Sansão), como bons stakhanovistas, os que exercem uma
desconfiança prudente (a égua Quitéria, a cabra Maricota, o burro
Benjamin), os que seguem por vaidade ou oportunismo (a égua Mimosa,
o gato), os que buscam consolo nas crenças religiosas (ou instrumen-
talizam estas crenças, a prometer um Paraíso ou ameaçar com um
Inferno, como faz o corvo Moisés). Nesta nova “Granja dos Bichos”,
onde a liberdade e a igualdade são exaltadas, novas classes passam a
se formar, novos privilegiados se elevam assim dos demais 'iguais'.
“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”
(“All animals are equal but some animals are more equal than others”)
Cada animal na sua função: a divisão social do trabalho possibilita
maior produção, porém cria 'nichos de especialização', de diferenciação
e poder. Uns trabalham e outros administram o trabalho. Muitos vendem
o suor, uns poucos planejam, calculam, consomem. A maioria se aliena
enquanto uns privilegiados criam novas estatísticas e metas de produção.
O operário cada vez pensa mais como operário e o administrador cada
vez como administrador. A divisão do trabalho aumenta a desigualdade.
(Se a Identidade de cada indivíduo não se prendesse a cada função
social, a cada departamento ou atividade, seria possível superar a
desigualdade e a exploração? Se uma pessoa fosse estudante num dia,
policial no outro, jardineiro no final de semana, ele seria estudante,
policial ou jardineiro? Seria uma pessoa, numa uma 'ocupação social'.
Não defenderia 'interesses de classe', pois conheceria vários tipos de
trabalho, sem se especializar, sem se alienar)
Porém tendo Napoleon se proclamado o 'líder infalível', e afastado os
demais concorrentes dentre os corruptos porcos, na lama da 'nova
classe', passa então a negociar seu 'império' com os inimigos em
potencial – os humanos! A ameaça tem nomes: o Sr. Pilkington, de
Foxwood (uma alegoria dos anglo-saxões, Grã-Bretanha e Estados
Unidos da América), e o Sr. Frederick, de Pinchfield (a representar
a Alemanha, potência imperialista, então sob o chicote nazista.)
A Revolução agora está à venda! Em acordos mediados pelo
Sr. Whymper, o negociante entre os humanos e os animais, ou entre
os capitalistas e os 'socialistas'. Napoleon dá um golpe dentro da
Revolução e negocia com Frederick (Pacto Germano-Soviético,
ou Ribbentrop-Molotov), mostrando amizade por Pilkington (os
anglo-saxões querem comércio, não?). Mas é Frederick (aqui, o
Führer) quem engana Napoleon, com fraudes, e depois vem
invadir a Granja (a invasão nazista da Rússia, a Operação
Barbarossa), sendo derrotado na Batalha do Moinho (as batalhas
de Moscow e Stalingrado)
Mas, depois de tudo, depois de expulsar Frederick, Napoleon fica
ainda mais poderoso! Os cães fazem parte de uma ampla rede de
coerção militarizada, a inspirar suspeita e medo a todos os animais –
que se julgavam livres e iguais – enquanto as leis fundamentais vão
sendo sutilmente alteradas – para favorecer os porcos. (Quem
percebe as mudanças? Os animais mais atentos e prudentes, a
cabra Maricota, principalmente, que sabe que as coisas não são
exatamente como proclamadas pelo retórico Garganta. Por que?
Ora, os 'revolucionários' de ontem, são os 'conservadores' de amanhã.
Uma 'nova classe' de 'mais iguais que outros' sobe ao poder e
novamente aliena os 'demais iguais'.
É contra essa usurpação do poder, essa traição do ideal socialista,
que se eleva a voz de Orwell, não a favor de manter a poder dito
liberal da burguesia e sua ditadura sutil do Mercado livre (livre?
A raposa livre no galinheiro livre?) Usar as obras de Orwell como
forma de desacreditar a Revolução é uma forma de reacionarismo
burguês – vamos manter tudo igual, pois podia ser pior! (Afinal
não 'vivemos no melhor dos mundos possíveis'? Não é assim que
insistia o Dr Pangloss a cada miséria do pobre Cândido, na obra
irônica de Voltaire?) Orwell, mesmo acreditando em 'liberdade',
insiste na igualdade de oportunidades e de acesso às rodadas de
decisão política. (Difícil é a convivência de 'livre' e 'igual' – ambas
aspirações ideais, que se inviabilizam na prática social. Ser livre
para ser desigual? Agir coletivo em funções iguais?)
O socialismo almeja ser melhor que o capitalismo – não um sistema
de produção, de estatismo, de centralismo, de planificação, de
concorrência – mas de superação da Alienação e da Mais-Valia,
dois flagelos que destroem as potencialidades humanas e reduzem
todos à condição de engrenagens servis de uma sistema mercenário
de exploração e oportunidades desiguais. Os bens já não existem
para todos (devido à carência) e para piorar um grupo se apodera
em prejuízo dos demais! Uns mais iguais do que outros, uns mais 'livres'
do que outros, uns mais 'sublimes' do que outros, de forma cruel, da
qual certamente os animais se envergonhariam, até mesmo os porcos.
Ago/09
Por Leonardo de Magalhaens
http://leoliteratura.zip.net/
http://leonardomagalhaens.zip.net/
Uau!! Sr. Leonardo de Magalhaens, seu ensaio etá ótimo. Muito obrigada por compartilhar seu trabalho sobre Animal Farm. Eu comprei o livro para ler, e com certeza o farei já tendo uma ótima visão do que lerei. Agradeço.
ResponderExcluirMaria Cunha (Pará - Brazil)
Ótimo ensaio
ResponderExcluirParabéns!
Curti muito seu ensaio!!!
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