Fonte
da imagem:
http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=01950
JOEL
SILVEIRA
Você
não tem a menor importância
-Você
se julga uma pessoa importante?
-Mais
ou menos.
-Quer
saber se você é ou não é importante?
-Como
assim?
-Eu
lhe submeteria a um teste, fazendo algumas perguntinhas, que vocẽ
responderia com honestidade. Topa?
-Por
que não?
-Então,
vamos lá. Mas volto a insistir: nada de mentirinhas.
-Pode
começar.
-Lhe
pergunto: você lutou na Batalha de Salamina ou nas Termópilas, ao
lado dos gregos e contra os persas?
-Claro
que não.
-Participou
da Batalha de Actium, ao lado de Cleópatra e contra o imperialismo
romano?
-Não
fui convocado.
-Alguma
vez bateu papo com Sócrates?
-Não
seio grego.
-Passou
uma elegante e afanosa noite com a Ninon de Lenclos? Ou com a Paulina
Bonaparte?
-Quem
sou eu!
-Foi
guilhotinado em 1874, apenas por ser amigo de Saint-Just?
-Nunca
fui amigo de Saint-Just.
-Foi
ferido em Borodino, defendendo a Mãe Pátria?
-Não.
-Lutou
em 1871 numa das barricadas da Comuna, em Paris?
-Não
sou de briga.
-Esteve
de fuzil na mão, em 1937 e 38, defendendo Madri contra os fascistas
de Franco?
-Por
que haveria?
-Lutou
em Stalingrado?
-Com
aquele frio?
-Foi
espancado, torturado, separado dos seus e finalmente gazeificado em
Dachau ou Treblinka?
-Você
sabe que não.
-Participou
do frustrado complô de 20 de julho de 1944 para matar Hitler?
-Só
soube depois.
-E
voltando um pouco no tempo, deu uma mãozinha a Stendhal quando ele
escrevia Le Rouge et Le Noir?
-Claro
que não.
-Mandou
daqui do Brasil café para Balzac, para mantê-lo acordado nas manhãs
e madrugadas em que trabalhava?
-Ele
nunca me pediu.
-Passou
todo um fim de semana com a Bela Otero?
-Quem
me dera!
-Alguma
vez tomou uma bebedeira com Michelangelo? Ou com Van Gogh e Gauguin?
Ou com Verlaine e Rimbaud?
-Odeia
porrista.
-Aguentou
firme, sem abrir o bico, uma daquelas terríveis depressões de
Beethoven?
-Deus
me livre!
-Emprestou
o lápis a Lincoln para que ele escrevesse o Discurso de Gettysburgh?
-Não
uso lápis.
-Conhece
todos os salões e salas do Louvre, do Hermitage e da Gallerie dagli
Uffizi? Já viu todos os quadros e obras de arte que se encontram lá?
-Nem
eu, nem ninguém.
-Foi
você quem escreveu isto? -”Cheguei a casa, abri a porta
devagarinho, subi pé ante pé, e meti-me no gabinete, ia dar seis
horas. Tirei o veneno do bolso, fiquei em mangas de camisa, e escrevi
ainda uma carta, a última, dirigida a Capitu. Nenhuma das outras era
para ela, senti necessidade de lhe dizer uma palavra em que lhe
ficasse o remorso da minha morte. Escrevi dois textos. O primeiro
queime-o por ser longo e difuso. O segundo continha só o necessário,
claro e breve. Não lhe lembrava o nosso passado, nem as lutas
havidas, nem alegria alguma, falava-lhe só de Escobar e da
necessidade de morrer”.
-Você
está citando Machado. E não sou plagiário.
-E
isto, é de sua autoria? - “A cachorra Baleia estava para
morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as
costeletas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam
e sangravam, coberta de moscas. As chagas da boca e a inchação dos
beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida”.
-Também
já li e reli Graciliano.
-Teve
oportunidade de encarar Stalin e lhe dizer, alto e bom som:
“Camarada, a única diferença entre você e Hitler é de bigode”?
-Prezo
muito meu pescoço.
-chegou
alguma vez a aconselhar o nosso desatinado D. Pedro: “Majestade,
moderação. Sifílis mata”?
-Não
sou médico.
-Já
esteve na Lua?
-Nem
na Lua, nem em Xapecó.
-Bem,
meu caro, fiquemos por aqui. E lamento lhe dizer que o saldo é bem
negativo, ou seja, você tem a menor importância.
-Eu
já desconfiava.
in
Diário da Tarde, BH, 29.03.99
mais
do autor em
Nenhum comentário:
Postar um comentário