quinta-feira, 25 de julho de 2013

Eu amo a Literatura - e você ?






25 de JULHO - DIA do ESCRITOR



EU AMO A LITERATURA - E VOCÊ?



Alguns adoram os Deuses, outros veneram os ídolos. Alguns religiosamente, outros por formalidade. Alguns colecionam selos ou compõem melodias. Ainda os que acumulam dinheiro. Mitomanias à parte, cada um de nós tem a sua "cachaça" (a do Drummond era a poesia, como sabemos).

A minha cachaça, a minha devoção é a Literatura. O que quer que seja Literatura. (Há um opúsculo do pensador francês Jean-Paul Sartre muito polêmico: "Que é a Literatura?", o qual recomendo) Texto, estética, engajamento. A voz autoral, a marca textual. A escrita enquanto desabafo, enquanto confissão, enquanto tentativa de comunicação com o próximo (e com os distantes!). A Literatura enquanto malabarismos da Escrita, enquanto jogos com a vida lúdica e o fazer social, num sistema político e econômico dado, ao qual se pode elogiar ou criticar.

Mas a Literatura fim em si-mesma? Ou útil para algo mais? Para denunciar, para testemunhar atrocidades? Para iluminar e conscientizar os povos, para preparar a Revolução? Para servir à "educação anarquista"? Para edificar o socialismo? Para gerar mercado consumidor?

Perdoem-me a ironia. Mas é o tom do século XX nos seus finalmente, é a tônica do século XXI que brota do nada. Metade da Literatura que presta nessa época tem uma 'pitada' de ironia - com os outros e/ou consigo mesma. Em metalinguagem e pastiches/paródias a escrita literária se mostra 'irônica' por excelência.

Mas escrever pra quê? Por qual motivação ou intencionalidade? Para melhor constituir família, edificar o Estado, aperfeiçoar a sociedade? Melhor ser funcionário padrão, construir uma casa, trabalhar para comprar um sítio, et cetera. Livro não dá dinheiro nem futuro! Mas a escrita quando autêntica não nasce do desejo do lucro, mas da necessidade de testemunhar, de comunicar, de revelar pontos de vista e transmitir segredos ao pé do ouvido.

A Escrita que vem de tradições esotéricas, sacras, litúrgicas, desde os sumérios , os chineses, os escribas dos faraós, os rabiscadores de pergaminhos, passando pelos monges copistas, os tipógrafos da imprensa de tipos móveis, até os datilógrafos, os digitadores modernos, a arte de registrar em escrita se mostra como a preservação do passado para as gerações herdeiras. Uma forma de controle sobre o esquecimento.

A Literatura nasce do apossar-se dessa Escrita com fins outros, não apenas de registro, mas de 'ir-além' com digressões sobre o óbvio e oculto, sobre o sensível e sobre os devaneios íntimos. Quando os poetas chineses se apropriaram da língua estatal para comporem suas epopeias e os bardos ocidentais deixaram o latim litúrgico e adotaram suas línguas populares, começou a gêneses da "escrita imaginativa" por excelência. Seguindo os passos de um antigo Homero (que muitos alegam não ter existido, em caso que se assemelha aos de Sócrates, Cristo e Shakespeare), com a riqueza da 'narrativa oral' os bardos passaram a contar um tanto fantasticamente os épicos da raça e da pátria. Um Edda, um Nibelungen, um Beowulf, seguem os cânones de uma Ilíada, de uma Odisseia, uma Eneida, de um Os Lusíadas.

A poesia se dissocia da narrativa e passa a ser lírica, cantada em louvor dos afetos e amores, ou para satirizar desafetos e autoridades. A língua se solta em explorações de vogais e consoantes, de métricas e rimas, de ritmos e consonâncias, de aliterações e assonâncias. A prosa surge como registro íntimo, elevada ao auge com a escrita de um Montaigne, no século 16, que viu o nascer do romance com a epopeia-paródia Dom Quixote, de Cervantes, do qual todos os romancistas são devedores.

A Literatura sublimou a Escrita ao mostrar-se como revelador de pensamentos e culturas. Sem comparações! As artes plásticas, a arquitetura, a escultura, a música, o teatro, a ópera, o teatro, o cinema, as revistas em quadrinhos, as fanfarras militares, as performances de praça, todas as manifestações culturais mostram a riqueza da experiência humana. Ainda mais a Literatura a mostrar o "de dentro", o mundo interior. Como passar para o desenho ou cinema os abismos interiores dos romances de Marcel Proust, James Joyce, Franz Kafka, Thomas Mann, Virginia Woolf, Clarice Lispector, João Gilberto Noll, só para citar alguns, com suas escritas plenas de labirintos & digressões & monólogos & colóquios & devaneios!

A escrita revela com suas penumbras, e ilumina com suas sombras.



Jul/08
revsd jul/13



Por Leonardo de Magalhaens




segunda-feira, 15 de julho de 2013

ele havia domesticado a minha farsa - Antonio La Carne



 imagem: quadro de Van Gogh (fonte: wikimedia)




Antonio La Carne


[fonte: próprio autor; recebido por e-mail]



ele havia domesticado a minha farsa


no momento em que eu me permiti sofrer
e ao acordar não percebi os rostos em volta.
eu havia abandonado as comédias românticas.
não pedi auxílio aos pedestres ou aos pais de família.
mantive o silêncio às escondidas.
imaginei jantares, missivas numeradas, elogios em vão.
as noites estreladas desvendam gritos e mágoas.
nem sequer me importei com a chuva.
nem fiz da cidade um personagem.
matei pelo prazer de quem sobrevive.
recebi os convivas enquanto nos desmembrávamos.
caí de bruços no quadrado da cama.
dormi duas noites em paz.
fingi ser de mim a posse, clarear as ideias, ser fiel às imposições.
ao fechar as portas, a luz intacta da sala me possuiu como um objeto.
dois anos luz presos ao fim da picada.
éramos cobras do outro lado da linha.
o prumo do que antecede o vento.
noções de abuso enquanto te ofereço lugar na mesa.
o simples fato de não saber o porquê dos danos.
vindos de longe parecem tão limpos, tão bronzeados.
a chama apagou enquanto você me extorquiu drogas, decepções.
na areia da praia fiz um pedido sobre rochas e falésias.
com os meus dentes os jogos parecem insensatos.
quisera eu me unir ao teu grupo de amigos.
1º de dezembro: recomeçarás sem pestanejar.
licor nos lábios enquanto o gato mia.
prendi meus inventos num pasto omisso.
as regras da absolvição.
os negrumes da tarde ao norte.
dualidade esferográfica sem pontas.
imagem do homem que se desfaz com o dito pelo não dito. 



Mais poemas 
de La Carne

em








segunda-feira, 8 de julho de 2013

de autoridade, mordomia, verbas, regalias (ou quero ser um deputado)















de autoridade, mordomia, verbas, regalias
(ou quero ser um deputado)

à moda provençal


quero ser um deputado
para andar de jatinho
viver em pura mordomia,
mil privilégios ganhar
e prestar conta a ninguém
sendo distinta autoridade.


Ou senador sequer votado
no poder sem um votinho,
mas quer ter a garantia
de mais cargos indicar;
verba e carona também
pra festa na minha cidade.


E quero assento fretado
pra ir longe ou pertinho;
quero manter regalia
em aviões da fab voar,
como assim me convém
pisando a moralidade.


07jul13


Leonardo de Magalhaens


terça-feira, 2 de julho de 2013

Elizabeth Bishop - One Art / Uma Arte






Uma Arte


A arte de perder não é difícil de dominar;
muitas coisas parecem plenas de propósito
de se perderem, nenhum desastre haverá.

Perca algo cada dia. Aceite o agitar
das chaves perdidas, a hora desperdiçada.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Então pratique perder mais, logo perder:
lugares, nomes, e para onde pretendia
viajar. Nenhum desastre a acontecer.


Perdi o relógio de mamãe. Veja! pra terminar
ou quase: de três amadas casas passadas.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Perdi duas cidades, amadas. E mais ainda
alguns reinos possui, dois rios, um continente.
Sinto falta deles, mas em desastre não finda.

Mesmo te perdendo (a voz risonha, o gesto
que amo) não desisto. É evidente
que a arte de perder não é tão difícil
apesar de parecer (escreva aí!) um desastre.


trad. livre by LdeM


...


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


Elizabeth Bishop







tradução (ou transcriação?) de P H Britto
http://www.phbritto.org/2011/07/uma-arte.html