sobre
Formas
do
nada
(Cia das
Letras, 2012)
do
poeta
Paulo
Henriques
Britto (RJ,
1951-)
Quando
a poesia adentra o próprio labirinto
Em
época em que tudo pode ser dito, com a ampla liberdade de expressão,
com os midiáticos instrumentos de propagação de ideias, quando a
linguagem pode carregar mil mensagens, acontece que nada mais é dito
e a linguagem volta-se para si mesma. O enredo não é mais
importante, mas os jogos de palavras, as contorções de fonemas e
morfemas, as passagens secretas dentro do emaranhado de sílabas. Não
é o que é dito que importa, mas como é dito.
Na
prosa, o narrador não se preocupa com a história narrada, mas com o
processo
de narrar – por que narra? para quem narra? - e depois pensamos no
que está sendo narrado. Na poesia, não importa mais o sentimento ou
a comoção, mas um efeito sobre o leitor, um arranjo de
desassossegos que um – muitas vezes ausente – sujeito lírico
deixa num rastro de palavras. Hoje a poesia
fala
sobre
o
quê?
Sobre
algo
além
da
poesia?
Sobre
a
própria
poesia?
Sobre
o
fazer
poesia?
A poesia problematiza o que é poesia.
Uma
denúncia
da
metalinguagem
:
a
poesia
fala
de
si
mesma
por
ser
incapaz
de
representar
o
mundo?
algo
além
da
fala
poética?
Afinal,
seria
mero
simulacro,
aquela
mimèsis
que
os
estruturalistas
tanto
debatem?
Aqui em Formas
do nada,
sexta obra poética do autor/tradutor Paulo Henriques Britto,
literato com três décadas de carreira, a poesia
lembra
o
tempo
todo
que
é
poesia,
que
é
composta
de
versos,
de
métrica,
de
pausas
e
sílabas
curtas
e
longas,
átonas
ou
tônicas,
como
explicita
o
poema
inicial
“Lorem
ipsum”,
“Venham”,
diz
ele,
“que
eu
lhes
ofereço
sinéreses,
cesuras,
hemistíquios
e
muito
mais,
e
em
troca
só
lhes
peço
sofríveis
simulacros
de
sentido.
Pois,
toda expressão volta-se sobre si mesma e sobre quem a enuncia, em
motivo de desabafo que leve a algum consolo, que justifique ao mesmo
a escrita, pálido refrigério para o poeta-fingidor que finge a dor
realmente sentida, e ocultada atrás de palavras e palavras,
Tudo
resulta
apenas
neste
dístico:
Ninguém
busca
a
dor,
e
sim
seu
oposto,
e
todo
consolo
é
metalinguístico.
Aqui
não falta metalinguagem, com a qual estamos acostumados desde os
modernistas, com ápice em João Cabral , para quem fazer poesia se
assemelha ao singelo ato de catar feijão, a selecionar palavras tal
qual peneiramos grãos,
Catar
feijão
se
limita
com
escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
No
mais, Lorem
ipsum
é
um
termo
usado,
em
tipografia,
para designar um certo texto padronizado (em latim) para preencher um
dado espaço na diagramação, antes do texto a ser realmente
impresso. Funciona como um texto-teste, que não requer atenção
sobre si mesmo, mas sobre a disposição na página. É um texto que
serve como parâmetro, não significação (a menos para quem seja
versado na idioma de Horatius e Virgilius).
Além
da própria fala, além do dizer-se sobre o estar-a-dizer, o
poeta
tem
alguma
crença
na
originalidade?
Imagina
algum
estilo
próprio
no
estilo
da
época?
Como
ser
subversivo
contra
a
subversão?
Afinal,
é
bacana
ser
marginal,
é
aceitável
ser
beatnik,
é
comercializável
ser
desbocado.
A
subversão
está
diariamente
nas
prateleiras.
O
diferente
agora
é
ser
'careta',
formalista.
Cansados
de
prosa
espontânea?
Ou
de
escrita
automática?
Então
vamos
ler
os
neo-parnasianos,
os
neo-formalistas.
Originalidade
não
tem
vez
neste
mundo,
nem
tempo,
nem
lugar.
O
que
você
fizer
não
muda
coisa
alguma.
Perda
de
tempo
dizer
o
que
quer
que
você
tenha
a
dizer.
…
(Circular)
Afinal,
numa
época
de
liberdade
de
expressão,
quando
se
pode
dizer
qualquer
coisa,
acabamos
por
dizer
banalidades,
acabamos
por
viver
só
expressão,
e
nada
realmente
importante
é
dito.
Ou
tudo
já
foi
dito
e
estamos
apenas
a
repetir. O
próprio
fazer
poesia
é
analisado
sob
a
lupa
do
poeta,
que
quer
legitimar
(ou
não?)
sua
escrita
Escrever,
mas
não
pode
ter
vontade:
escrever
por
determinação.
Não
que
ainda
haja
necessidade
(se
é
que
já
houve)
de
autoexpressão,
(Oficina)
É
de se perguntar por
que
o
poeta
escreve?
Para
si
mesmo?
Para
para
os
leitores
voyeuristas?
Para
os
que
consomem
a
dor
fingida
do
poeta?
O
poeta
não
quer
mudar
o
mundo
– desejaria
mudar
o
seu
próprio
mundo?
Desabafar
sofreres
e
resgatar
lembranças?
Nada
demais,
para
um
labor
inofensivo,
uma
ocupação
inofensiva:
quem
cai
na
teia
sequer
se
arranha.
(E
a
maioria
dela
se
esquiva.)
aqui
um trocadilho
a
demonstrar
o
lado
lúdico
aranha
/
arranha,
onde
'arranha'
invade
pela proximidade fonética
o
campo
semântico
de
teia
/
aranha
/
esquivar
da
teia
de
aranha.
Estes
arranjos (e desarranjos) da linguagem que cria o clima poético, são
temas de labutas em versos, como diagnosticamos em Oficina (I
– V, pp. 13-17 ), onde meio ao senso de auto-crítica ,
confabulação metapoética , são explicitados os limites da
expressão poética a partir do antilírico: “música que
brota / onde a
palavra era pra ser
mais bruta” ( III , p. 15) e “Por
só dispor destas palavras.
/ Não outras.” para
finalizar pessimista, “Nem mesmo destas,
no final / das
contas. A coisa vai
mal.” (V , p. 17)
Em
Poética prática ( p. 18 ) temos metafísica
mesclada com metalinguagem, em certa referência ao poeta francês
Mallarmé, o autor de Lance de Dados
não Abolirá o Acaso, célebre com palavras semeadas sobre
páginas em ousadas diagramações, que aqui parece um paradigma para
a questão do significado do poema, ou se pode ser um belo nonsense,
uma emaranhada sugestão que diz de si mesma, “Anda
inconveniente a tal da
poesia, / a significar?
/ Nada como um
bom significante vazio /
para abolir o azar.”
Também
em Limiar (na p. 22) temos mais questionamentos, semelhantes a
Poética Prática, onde igualmente a voz
no poema fala das dúvidas de um outro - ou de si mesmo ? - que se
presentificam (além de motivação), quiçá numa promessa de
transcendência (se possível, mística? espiritual?), “Uma
geografia de dúvidas /
lhe percorria todo o
firmamento: / serão
serafins?”
Se
o
poema
diz
algo
além
do
poema
é
por
que
diz
algo
sobre
o
poeta?
Afinal,
alguém
escreveu.
Mas
este
alguém
– o
autor
– é
acessível?
Que
intenções
ele
pretendia
ao
encher
laudas
com
palavras?
Há
uma
possível
biografia
literária?
Que
tormentos
ou
traumas
de
infância
levaram
o
indivíduo
ao
ponto
de
ousar
adentrar
o
inferno-paradiso
da
poesia?
Lembranças
pouco
nítidas,
provavel-
mente
falsas.
Imagens
que
se
ordenam
segundo
uma
lógica
indecifrável,
talvez
inexistente.
Mãos
que
acenam
uma
porta
entreaberta
– não,
fechada
-
uma
criança
que
não
reconheço:
ou
seja,
muito
pouco
mais
que
nada.
É
tudo
que
me
resta
do
começo
disso
que
agora
pensa,
fala
e
sente
que
pode
ser
denominado
'eu'.
Claro
que
houve
um
instante
crucial
em
que
esses
cacos
mal
e
porcamente
colaram-se.
E
pronto:
deu
no
que
deu.
Já
é
alguma
coisa.
Menos
mal.
Quem
é
o
'eu'
que
é
mencionado
no
1º
terceto?
Quem
pode
dizer
este
'eu'?
Em
que
grau
este
'eu'
é
o
autor
Paulo
Henriques
Britto?
Em
que
nível
é
possivelmente
reconstituir
este
autor
a
partir
do
'eu'
que
se
apresenta
manifesto,
ao
qual
denominamos
'sujeito
lírico'? Esta
Biographia
literaria
( I – VIII, pp.
29-36
), pleno metapoema,
um eu
a se questionar nos
limites da
poética
- eis o
sujeito?
- onde o
eu
não
confia
na
memória
tão
fugidia,
“Corpo
antes
inteiro
/
tão
tangível
concreto
//
quase
fictício
agora,
/
névoa
sem
cor
nem
cheiro
/
onde
nem
mais
memória.”
, sem controle sobre o próprio destino e a própria voz, “Nada
disso
foi
do
jeito
que
eu
quis.”
(VII
)
Em
alguns
momentos
a
confissão
do
poeta
torna-se
prosaica,
cotidiana.
“Claro
que
houve
um
instante
crucial
//
em
que
esses
cacos
mal
e
porcamente
/
colaram-se.
E
pronto:
deu
no
que
deu.”
Há
muito
de
prosaico
e
cotidiano
nestes
versos
– desde
Manuel
Bandeira
e
Mário
Quintana,
passando
pelos
'poetas
marginais'
-
nos
acostumamos
ao
prosaico
no
lírico
– e
em
outros
versos
de
outros
poemas
em
Formas
do
nada
que
rompem
ritmo
– além
de
lirismo
– em
prol
da
acessibilidade
(ou
comunicabilidade)
enquanto
em
outros
momentos
o
poeta
é
até
hermético.
Em
panorama, a
questão
da
identidade
tão
trabalhada
desde
Emily
Dickinson,
Whitman,
Fernando
Pessoa,
Sá-Carneiro,
Aníbal
Machado,
Clarice
Lispector,
dentre
outros,
não
pode
faltar
na
poética
da
modernidade
pós-moderna.
Ainda
em
Biographia
literaria,
VII,
que
adentra
questões
existenciais
(ou
existencialistas,
a
maneira
sartreana,
do
'fazer
algo
do
que
fizeram
de
nós'),
Nada
disso
foi
do
jeito
que
eu
quis.
Se
fosse
como
eu
quis,
não
haveria
de
ser
tão
sofrido,
tão
infeliz.
Mas
eu
– o
eu
que
sou
– eu
não
seria.
Assim,
não
me
lamento.
Até
me
sinto
como
quem
tem
não
o
que
foi
pedido,
e
sim
o
que,
guiado
pelo
instinto,
não
pelo
querer,
teria
querido.
O
que
de
mais
duro
a
vida
me
deu
-que
dura
mais
quanto
mais
me
custou
dele
me
acostar,
e
torná-lo
meu
-
o
que
não
escolhi,
mas
me
escolheu,
é
o
que
,
ao
fim
e
ao
cabo,
mais
eu
sou.
Não
é
o
eu
que
eu
me
quis.
Mas
sou
eu.
As
técnicas
de
despersonalização
– não
apenas
aquelas
de
Pessoa
e
Clarice
– evidenciam
o
quanto
somos
vários
dentro
de
uma
mesma
máscara
– como
o
'lobo
da
estepe'
Harry
Haller
no
romance
de
Hermann Hesse
– e
o
quanto
o
poeta
é
um
fingidor,
que
finge
e
sente
ao
mesmo
tempo,
que
esforça-se
para
ser
outro,
para
entender
e
absorver
o
outro,
Não
ser
quem
não
se
é
é
coisa
trabalhosa
Exige
a
disciplina
austera
e
rigorosa
de
que,
achando
pouco
simplesmente
ser,
requer
o
luxo
adicional
de
parecer.
As
essências
enganam,
e
o
eu
é
tão
escasso
que
há
que
ocupar
com
alguma
coisa
tanto
espaço,
…
(Ecce
homo ,
p. 38)
em
questionares sobre uma
arte
do
fingimento,
do poeta enquanto fingidor
(ainda em Pessoa), sobre
o
que
dizer
sobre
o
que
calar
diante
do
mundo
que
a
escrita
não
pode
reproduzir
sequer
representar,
Fingir
não
é
nada
difícil
quando
a
própria
realidade
é,
de
todas
as
hipóteses,
a
que
é
mais
indesejada.
(Canção)
Esta
dinâmica da auto-observação propicia textos de ironia ao estilo
poesia pensamento, assim em Seis sonetos
soturnos ( I – VI , pp. 44-49 ), na forma de clássicos
sonetos camonianos e ingleses, mas ao estilo Drummond de Andrade,
Alexei Bueno, Marco Lucchesi, numa poética enquanto pensar erudito
voltado sobre si mesmo, sobre os limites do dizer, “Nada
de novo. A única
surpresa / é constatar
que mesmo o desespero,
[...] termina se tornando
simplesmente / uma espécie
de enfeite sobre a
mesa,” (IV , p. 47), pois a autoconsciência não
significa exatamente saber-como-resolver. Sofremos e temos a ciência
disso. Mas como deixar o sofrimento?
É
quando o poeta se permite uma exteriorização de emoções, com
atmosferas barrocas, assim em Tríptico com
hotel e sirene ( pp. 19-21 )
numa descrição, quando a escrita delineia o cotidiano , o ser na
cidade , desde o título, com evocações imagéticas, vejamos aí o
tríptico, termo derivado das artes plásticas, onde designa
uma pintura em três seções, geralmente dobráveis, com imagens
sacras, devocionais. Sobretudo, imagens.
Esta
é
a
hora
inaugural
da
noite.
Toda
a energia esbaldada do dia
Agora
se recolhe compungida
Por
trás de persianas. Seis e oito.
Ao
observar-se, e observar sua geração, o poeta se desencanta, com o
sonho que acabou. Em Pós ( pp. 72-73) , depois de tudo,
lembrando do tempo de infância, quando se tinha esperança de que a
nova geração poderia mudar o mundo – e foi o mundo que mudou a
nova geração, então desiludida, conformada. É o fim da utopia, da
utopias em geral, é o sofrido “the dream
is over”,
Talvez
porque sonhássemos errado,
talvez
porque, enquanto alguns se davam
ao
luxo de sonhar, outros, insones,
imunes,
implacáveis, se entregavam
à
tarefa prosaica de dar nomes
Sem
antes os sonhar, [...]
pois,
na verdade, o mundo não muda, sem solução, “Não, a
coisa não tem jeito.
/ Nem nunca teve,
aliás. Desde o início.”
É o que leva ao tom
niilista, de desistir de lutar, de qualquer luta, exceto as
cotidianas para garantir a sobrevivência num mundo de explorações.
Temos em Madrigal ( p.70 ) uma cantiga triste e amarga ,
“Desista: não vai dar certo.” ,“Desista, enquanto é
tempo.” e “Desista, que a vida é incerta.” Um niilismo
irônico assim: “ou insista. Dá no mesmo.” De um jeito ou
de outro somos perdedores num sistema onde uma minoria lucra, ao
dominar a mão-de-obra da maioria, que vive alienada. Numa ordem onde
apenas se alternam os gerentes.
Desilusão
que é alegorizada
numa (digamos)
parábola, ou
Lenda
( pp.
67-69
) uma
peça
de
poesia
narrativa,
tecida
em
tercetos,
“uma
lenda”
sem
moral
da
história,
num
inferno
burocrático
onde
os
funcionários
são
as
vítimas
do
sacrifício
ritual,
depois
de
assinarem
e
expedirem
as
ordens
de
extermínio,
como
exímios
cumpridores
das
regras
e
trâmites,
num
pesadelo
kafkaniano,
Os
formulários
foram
todos
preenchidos
em
sete
vias,
todas
elas
registradas.
As
testemunhas
rubricaram
cada
página.
Ninguém
podia
imaginar
as
consequências.
[…]
Algo
de
estranho
se
processa
após
os
trâmites
cotidianos,
algo
irrompe
a
causalidade
e
faz
surgir
o
inesperado,
a
sentença
de
morte,
como
consequência
de
seguir
fielmente
os
ordenamentos,
leis criadas tal uma rede que aprisiona,
[...]
Antes
das
nove
já
tocavam
os
telefones.
Inicialmente
eram
consultas,
vagas
dúvidas;
depois,
reclamações,
protestos
veementes;
por
fim,
imprecações,
insultos,
ameaças.
E
uma
pedrada
na
vidraça
foi
o
símbolo
mais
que
concreto
do
que
havia
de
ocorrer.
[...]
onde
sentimos que o destino é certo e cruel, não pode ser questionado,
mas aceito, como um sacrifício inclemente, “nos
capturaram
com
a
maior
facilidade
/
e
nos
levaram
à
pirâmide
mais
próxima.
/
o
altar,
o
fogo,
a
faca,
o
sacerdote
e
o
público
/
já
estavam
todos
prontos
para
o
sacrifício.”
Mas do que se
trata? pirâmide
?
sacerdote?
Estamos
no
império
maia?
Nas
ruínas
dos
templos
astecas?
Que
estranha
civilização
sacrifica
sua
burocracia?
Será
o
totalitarismo
soviético?
Diante
do cataclismo que se aproxima, seja um fim do mundo maia, um terror
nuclear, um ataque terrorista, o lance é aproveitar o dia, como
queria o latino Horatius, em sua célebre ode I, 11, o tema do carpe
diem, aproveita o dia,
Tentar
prever o que o futuro te reserva
não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral
e livro de autoajuda é tudo a mesma merda.
O melhor é aceitar o que de bom ou mau
aconteceu. O verão agora inicia
pode ser só mais um, ou pode ser o último...
vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,
e quanto ao amanhã, o que vier é lucro.
não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral
e livro de autoajuda é tudo a mesma merda.
O melhor é aceitar o que de bom ou mau
aconteceu. O verão agora inicia
pode ser só mais um, ou pode ser o último...
vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,
e quanto ao amanhã, o que vier é lucro.
pois
segundo Instant
replay
( p.
71
) o
viver
é o
aqui-agora,
enquanto
somos
lançados
ao
futuro,
ansiosos
com
o
dia
de
amanhã,
com
o
novo
anunciado fim
do
mundo,
“A
nostalgia
pior
/
é
a
do
instante
presente
-
/
sentir
que
se
vive
o
agora
/
mas
não
o
suficiente.”
Viver
assim diante do espetáculo do mundo, tal qual um poeta latino, um
Ricardo Reis de olhar clássico diante dos turbilhões do existir,
“Até
onde
a
vista
alcança
/
é
real
todo
o
visível.
[...]
O
logro
é
absoluto.
/
Melhor
relaxar
os
músculos
/
e
aproveitar
o
espetáculo”
( IV
, p.
27, Cinco
sonetos
frívolos),
ou verter desassossegos nos leitores, compartilhar o fel. Assim nas
Três
peças
dispépticas
( pp.
56-59
) quando uma
voz
fala
de modo nada
gentil
com
o
receptor
leitor, pobres de nós!,
num exemplo da
dissonância
(ao
estilo
diagnosticado
pelo crítico
Hugo
Friedrich),
“Não
esteja
à
vontade.
/
A
casa
não
é
sua.
/
E
se
não
gostar,
/
por
ali
é
a
rua.”
(p.
56)
Sobre
poesia e dissonância em H Friedrich
http://literaturaemodernidade.files.wordpress.com/2012/03/estrutura-da-lc3adrica-moderna-partes-1-e-2.pdf
É
estranho. É inusitado o Autor convidar o Leitor a se retirar do
recinto. Pois o poeta sabe que precisa do leitor. Está nos manuais
de Estética
da Recepção,
desde Jauss e Iser, além de Fish, e assim explicita no poema
Apêndice
( p.
37),
coisa de autor
para
leitor
, quando a
leitura
é percebida enquanto
atenção
participativa, e
o
autor
é
leitor
de
outros, “Para
nós,
que
estamos
de
fora,
/
basta
uma
linha
(pulada,
/
é
claro,
numa
leitura
/
um
pouco
mais
apressada).”
Pois
é esta presença do leitor – o autor espera ser lido, não? - é
que motiva o ato de pegar uma folha em branco, e depois mandar para o
editor, e reler folhas de prova, e autorizar a edição. Tudo que
podemos ler em Quatro bagatelas ( pp. 60-63 ) na
forma de poemas curtos e diretos , cheios de ironia e auto-ironia, o
ser autoral diante dos impasses de elaborar poemas sobre o poético,
e assim sobre o nada. “Vida sempre
rascunho, folha sem pauta,
/ pasto de lacunas
e rasuras , /
risco sobre risco, pré-
/ -texto de nada.”
(IV, p. 63)
Temos
outros poemas, além de Três
autotraduções
(não
exatamente
traduções
mas
transcriações
de poemas do próprio autor/tradutor) , entre o pensar e o poetizar,
mas que podem ser resumidos em peças em mosaico, entre fala e forma.
Entre o humor e o desgosto, um real Mosaico
, onde o
sem-sentido
de
existir
, a
mesmice
do
cotidiano
, numa
vida
sem
destino,
“nada
senão
/
o
amontoar-se
dos
dias”,
numa meditação (em Envoi,
p. 74) sobre o tempo que corrói e a fugacidade do ser mas o tempo
pode “escrever
com linhas tortas”,
escrever na vida, não numa “folha
esquiva”
/ “pois
todo poema é murmúrio / frente ao amor e sua fúria.”
Assim
em som e
fúria, o
fútil viver na fala do amargurado usurpador da peça shakespeariana,
falando de si para si, poema a dialogar com poema, numa rede mais
forma do que manifesto, niilista das ideologias. Nos poemas, em
Formas do nada,
o tempo, aos poucos, distorcido, ainda dá forma, mesmo sendo forma
de nada, ou tema de um lirismo resignado.
Formas
do nada
1ª
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012
Paulo
Henriques Britto (RJ, 1951-)
Dez/12
Leonardo
de Magalhaens
mais
info
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