domingo, 24 de julho de 2011

Decore este meu poema (G. Faludy)











Decore este meu poema
Learn by heart this poem of mine


Decore este meu poema;
os livros duram pouco tempo
e este será emprestado, marcado,
queimado pelos guardas da fronteira,
perdido na biblioteca, arruinado,
o papel quebradiço, ressecado,
carunchado, esfarelante,
ou amarelado e queimado
quando a temperatura subir
até Fahrenheit 451, quente
será sua cidade ao queimar.
Decore este meu poema.


Decore este meu poema.
Logo livros se perdem e
não haverá poeta ou verso
ou gás para os veículos
nem bebida pra animar,
os botecos todos fechados,
grana feita pra desfazer,
bem próximo há-de ser
quando a TV transmitir
raios-mortais e não filmes
e alma nenhuma pra ajudar
e tudo chega então ao fim
mas o que guardas na mente
encontras lugar pra estas linhas
e decore este meu poema.


Decore este meu poema;
Recite-o quando a maré suja
feder até a beira da cama,
quando o vômito da indústria
se espalhar no chão a fora,
quando matar lago e lagoa,
a destruição decrépita seguir,
apodrecendo folhas nos ramos;
quando a peste sufoca a primavera
e a brisa da tarde é veneno,
use sua máscara contra gás
e declame este meu poema.


Decore este meu poema
e, ainda morto, participo
quando não suportas a casa
privada de água, luz, ou gás,
e, rastejando numa caverna,
raízes, bagas, nozes pra viver,
agarrar a clava, ter um poço,
pedaço de terra, conquistado,
o dono morto, até devorado.
Seguirei teus passos falhos
entre as pedras das ruínas,
sussurrando “Estás morto!”
Segues pra aonde? Tua alma
gelou quando deixaste a cidade.”
Decore este meu poema.


Talvez acima de ti, na terra,
nada resta e estás oculto,
no fundo do abrigo, a pensar
quando o ar danoso vai entrar
entre as camadas de concreto.
Há crédito para o Homem
se tudo deve findar assim?
Que palavras de conforto enviar?
Direi que ocupas minha mente
por tanto tempo, no escuro
opressivo, a luz amarga,
e, apesar de morto, meu olhar
antigo e ferido te observa?
O que mais posso te dizer
a quem encara o destino
sem proveito para a vida?
Esqueça este meu poema.






Trad. livre: Leonardo de Magalhaens

http://meucanoneocidental.blogspot.com






György Faludy

Learn by heart this poem of mine
http://www.opendemocracy.net/arts/faludy_3872.jsp


segunda-feira, 18 de julho de 2011

EU me contradigo?










EU me contradigo?


1.


EU sou o bom aluno que odeia aulas
EU sou a iconoclasta com bons modos
EU sou o poeta que se incomoda com as
palavras
EU sou o escritor que prefere música

EU desagrado a editores e literatos

EU sou o músico que prefere o silêncio
EU sou a autora que detesta autógrafos
EU sou o bardo que só lê romances
EU sou o poeta boêmio que em casa
sábado à noite lê Rimbaud

EU desagrado a autores e leitores

EU sou o rebelde que não passa de nerd
EU sou a nerd que veste jeans e botina
EU sou o ateu que ouve heavy metal satânico
EU sou o metaleiro que ouve acid jazz

EU irrito porras-loucas e caretas

EU sou o erudito que odeia acadêmicos
EU sou o poeta marginal que faz mestrado
EU sou a agitadora cultural que detesta
grupos artísticos
EU sou o apresentador de auditório que
dispensa a plateia

EU desagrado a apocalípticos e integrados

EU sou a libertina que prefere a solidão
EU sou o sádico que nutre amor platônico
EU sou o moralista que é suspeito de ato
obsceno
EU sou a sexóloga que vive em abstinência
conjugal

EU incomodo a pervertidos e puritanos


EU sou o adepto do sexo livre que é muito
bem casado
EU sou a viciada que trabalha em campanha
contra as drogas
EU sou a vegetariana que freqüenta churrascaria
com o noivo
EU sou a política xenófoba que dorme com
um imigrante

EU desagrado a gentios e judeus

EU sou o empreendedor liberal que é funcionário
público
EU sou a anarquista que estuda em universidade
estatal
EU sou a socialista que detesta o coletivo
EU sou o comunista que tem ações na Bolsa

EU desagrado a liberais e anarquistas



2.


EU sou o materialista marxista que frequenta a
juventude católica
EU sou o sindicalista que toma uísque com o
patrão
EU sou a proletária que vota nas Elites
EU sou o republicano que adora casamentos
da Nobreza

EU desagrado a Direitas e Esquerdas

EU sou o líder político que odeia multidões
EU sou o deputado que representa as próprias
firmas
EU sou o ficha-limpa que cobra propina
EU sou o político que não faz promessas

EU irrito a situação e a oposição

EU sou o pessimista que dá lição de moral
EU sou o paranóico que adora filme de terror
EU sou o budista que adora uma vida de agito
EU sou a estressada que é viciada em meditação

EU perturbo boêmios e quietistas

EU sou a missionária que duvida da Eternidade
EU sou a revolucionária que duvida do Proletariado
EU sou o fiscal da Receita que sonega impostos
EU sou o bispo que abençoa as notas de cem

EU desagrado a cleros e pelegos

EU sou o altruísta que nada tem de piedoso
EU sou a religiosa que nada tem de crédula
EU sou o beato que afaga um púbis infantil
Eu sou a médica piedosa que pratica abortos

EU irrito católicos e protestantes

EU sou o pacifista que estuda as guerras
civis e mundiais
EU sou a oficial que casou com um terrorista
EU sou o assassino que ama a vida
EU sou a doméstica que vive na porta da rua

EU desagrado a gregos e persas

EU sou o policial que negocia com traficante
EU sou o delegado que comete crime inafiançável
EU sou a juíza que desconhece o verbete ‘Justiça’
EU sou o motorista que desconhece o trânsito

EU ofendo santos e pecadores


3.

EU sou o vampiro juvenil que frequenta a praia
EU sou o solitário que frequenta shoppings
EU sou a adolescente que se veste igual vovó
EU sou o vovô com camiseta e bermuda juvenil

EU desagrado a teens e aposentados

EU sou o machista que lê poesia lírica
feminina
EU sou o marido exemplar que adora desfilar
na parada gay
EU sou a feminista que esqueceu que é fêmea
EU sou o homofóbico que comprou a revista
da transsexual

EU confundo gêneros e transgêneros

EU sou a vanguardista que ouve bandas
folclóricas
EU sou o saudosista que ouve rock psicodélico
em MP4
EU sou a hippie pagã que dorme na escadaria
da igreja
EU sou o nerd digital que adora RPG medieval


EU ofendo a futuristas e passadistas

EU sou a ecologista que nunca dá carona
EU sou a avarenta que distribui presentes
EU sou o contador que contabiliza os lírios
do campo
EU sou o competidor que luta consigo mesmo

EU desagrado a imprevidentes e economistas

EU sou o jornalista on-line que digere
desinformação
EU sou o turista que não passou do aeroporto
EU sou a economista que faliu a empresa
da família
EU sou a publicitária que não promove
sequer a própria agência

EU irrito a vencidos e vencedores

EU sou o gótico místico que é especialista
em tecnologia digital
EU sou o roqueiro doidão que ouve música
clássica
EU sou a dentista competente que é bruxinha
nos fins-de-semana
EU sou o professor universitário que acende
incenso à Deusa lunar

EU desagrado a iluministas e irracionalistas

EU a narcisista que procura no Outro o
Outro Eu
EU sou o perfeccionista que aceita os
erros-e-acertos da vida
EU sou o egoísta que promete amor eterno
EU sou a idealista que engole os ‘tu deves’
do cotidiano

EU desagrado a Eu & Outros




Jul/11


Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com




quarta-feira, 13 de julho de 2011

2 poemas de PARANOIA - de Roberto Piva








Paranoia em Astrakan



Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo seus olhos com
lágrimas invulneráveis
onde crianças católicas oferecem limões para pequenos paquidermes
que saem escondidos das tocas
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
estéreis e incendeiam internatos
onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
última janelao
nde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorróidas das
beatas
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
imaginação






Roberto Piva







A PIEDADE


Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos.





Roberto Piva





para ouvir
http://www.youtube.com/watch?v=P2Lhaedkh48
http://www.youtube.com/watch?v=FAS4PciP35k




in: Paranoia / 1963








Roberto Piva nasceu em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937. [Faleceu em São Paulo em 3 de julho de 2010] Poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno em 1961 e em 26 poetas hoje de Heloisa Buarque de Holanda. Foi professor na rede de ensino público, produtor de shows de rock e é um dos três únicos poetas brasileiros a ser citado no Dicionário Geral do Surrealismo publicado na França.








LdeM





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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sobre a Poética de Roberto Piva (ensaio 1)









Sobre a Poética de Roberto Piva

Roberto Piva (São Paulo, 1937-2010)


As vanguardas e as anti-vanguardas


Todo movimento artístico – pelo menos visivelmente desde o Romantismo – vem de uma contestação de um movimento artístico anterior que teria se desviado dos parâmetros estéticos e se 'ossificado' em establishments culturais e propagandísticos, se mantendo por inércia sem a vivacidade e o poder de mudança das primeiras 'florações'. Então o novo vem renovar o mundo das Artes. É a Vanguarda.


Assim os Românticos ocuparam o lugar dos Classicistas. Depois os Românticos foram questionados de um lado pelos Realistas, e por outro, pelos Neo-classicistas, ou Parnasianos, estes foram re-avaliados por Simbolistas e Surrealistas. Depois todos foram questionados pelos Futuristas e Modernistas no século 20, principalmente na primeira metade, na época das Grandes Guerras (1914-18 e 1939-45).


No Brasil, as gerações de modernistas se sucederam até os anos 50 e 60, quando novos movimentos imaginaram superar o Modernismo (alguns até dizem em 'pós-modernismo'), com influências de outras vozes ora mais surrealistas ora mais tradicionalistas (ou mais 'folk'), mas todas 'de superação', até dispostas a queimarem bibliotecas de 'vozes obsoletas' (O tom incendiário de Marinetti que parece ter agradado tanto aos nazistas... )


Assim os Concretistas reavaliavam os usos das discursividades, a disposição das palavras na página (vide as experimentações de Mallarmé e de Apollinaire), com uma ênfase no visual em simultaneidade com o sonoro. Os irmãos Campos, Haroldo e Augusto, e Décio Pignatari, poetas e tradutores paulistas, vieram para estruturar uma vanguarda – muitos críticos afirmam ser a última vanguarda – onde a palavra questiona a palavra, num foco mais metalinguístico (uma ampliação das intenções dos modernistas, tais como Oswald de Andrade), e do visual (dos pintores cubistas e dos cartazes soviéticos). O trabalho com a palavra justificava inclusive o processo de 'transcriação', numa tradução que seria uma re-criação da obra traduzida.


Depois dos Concretistas, e em oposição discursiva a estes, temos os poetas da Poesia Processo que apontam com ênfase no visual além das palavras em si, de modo a criarem poemas-design, poemas-objetos, poemas que sejam tocáveis, cheiráveis, maleáveis. Não a palavra, mas a 'sugestão' da palavra. A palavra-coisa que pode ser montada e desmontada. Assim os poetas da poesia-processo se posicionam tanto contra a discursividade acadêmica – a ponto de rasgar obras de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto – quanto contra as experimentações 'oro-auricular-viso-motora' dos concretistas paulistas.


Mas aqueles que negavam todos os academicismo e hermetismos metalinguísticos eram os poetas marginais. Estes, sem cátedra nem jornal nem revista mensal nem academia de letras, adentravam as avenidas e vielas das cidades e apresentavam uma poesia que era leitura (até de clássicos!) mas que negava isso, ocultava qualquer intertextualidade – enquanto os acadêmicos adoram citar e erguer epígrafes de autores canônicos. Os bardos marginais propunham um poema com fala coloquial, cotidiana, sem verbetes de dicionário e rimas preciosistas. Nada de sonetos (que os modernistas até praticavam!), nada de poemas épicos ou narrativos, mas poemas-flashs, instantâneos tirados da realidade, notáveis em síntese e ironia (nada de prolixidade e verborragias).


Num aspecto tanto poetas da Poesia Processo quanto os marginais concordavam: o fim da eternidade do poema. Este devia ser efêmero, devia ser descartável – devia agir aqui e agora, e depois ser entregue ao nada. Logo não haveria museus e bibliotecas com autores marginais, por exemplo. Os poemas criados meio ao suor e ao asfalto da realidade deviam ser lidos e vivenciados ali mesmo pelos leitores suados e acuados pelo trânsito. Assim haveria mais náusea do que flor – se lembramos a metáfora de Drummond em “A Flor e A Náusea”.


Enquanto os poetas marginais queriam os poemas-sínteses, os poema-flashs a testemunharem um momento da vida caótica cotidiana, em contraponto a discursividade prolixa dos poetas eruditos, acadêmicos ou não; enquanto os poetas da Poesia-Processo exigiam a abolição da própria discursividade com a feitura de poemas-coisas, poemas-design, quase poema-peça-publicitária, quase ícone, ideograma, hieróglifo do mundo sem-palavras, enquanto isso na poética de Piva transborda a discursividade.


A Poética de Piva não tem apenas discursividade, tem um turbilhão expressionista, uma imagética surrealista, com metáforas exageradas, chocantes, criadas tal uma 'psicografia', um testemunho de 'epifanias', ao 'correr da pena', numa fluência prolixa de 'escrita automática' tal um surrealista André Breton que espera 'fugir da lógica', tal um beatnik Kerouac que não quer parar para trocar o papel da máquina, a escrever sem pausas, sem perder o fôlego com neuras gramaticais ou regras argumentativas.


É a busca de uma irracionalismo ao 'desregrar todos os sentidos' igual a um Rimbaud num 'barco bêbado' de versos, numa fluência livre, as verdadeiras 'palavras em liberdade' como proclamava um neurótico da velocidade Marinetti, sem qualquer contenção racional como labutaria um engenheiro-poeta João Cabral de Melo Neto, ou a palavra-lavra na práxis de um Mário Chamie. Há todo um sensacionismo de um Álvaro de Campos (o heterônimo futurista Fernando Pessoa) numa verborragia de sentimentos disconexos e simultâneos por fluência do poeta Rilke em suas longas elegias, ou os poetas expressionistas com suas descrições cinematográficas de paisagens.

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Crítica que relaciona Rimbaud e Piva
http://www.revistazunai.com/ensaios/anderson_fonseca_roberto_piva.htm
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Autor e Obra


Vejamos antes um fenômeno: o Biograflismo. Conceituemos. Biografismo: a preocupação com a vida, com o curriculum vitae de um autor, a ponto de julgar uma Obra com base numa dada biografia autoral, julgar a poesia de um Poeta pela personalidade deste que escreveu. Não se trata da análise literária do texto, mas do julgamento sobre o/a Poeta. Por exemplo: o leitor, ou o poeta, Y não gosta pessoalmente do poeta X, seja por questões pessoais ou de afinidade, por estética ou ideologia, ou crença religiosa, então simplesmente despreza a poesia de X. Assim, Y acaba por julgar não a poética de X, mas a personalidade de X, o Autor X.


É preciso separar Autor de Obra. Não se deixar criar pré-conceitos sobre a Obra ao termos pré-conceitos quanto ao Autor. Um exemplo. As obras de Nietzsche são geniais - “Genealogia da Moral”, “Gaia Ciência”, “Assim disse Zarathustra” - mas quem foi Friedrich Nietzsche a pessoa? Um homem doente, fracassado na vida acadêmica e afetiva, um peregrino, um insucesso enquanto pessoa, um ressentido, que criou uma obra porque justamente não conseguiu viver plenamente ( ou comodamente, diriam os burgueses). Se digo tudo isso sobre Nietzsche, cuja obra ocupa lugar de destaque na minha estante.


Podemos ler as obras de Heidegger, de Céline, de Knut Hamsun sem que tenhamos que ser simpatizantes do regime nazista, assim como podemos apreciar as obras de Maiakovski e de Bertolt Brecht sem sermos adeptos do comunismo. Podemos nos dedicar as leituras de obras de Sartre e Camus, sem ser seguidores do Existencialismo. As opções políticas e existenciais do Autor não estão acima da obra, não qualificam a obra, nem a recepção. Pois autores não comunistas, não nazistas, não existencialistas, podem ler e identificar-se, podem meditar sobre as próprias escolhas diante da vida. Em suma, a obra é útil ao Leitor, não ao Autor. (Com exceção dos Autores que recebem pomposos direitos autorais...)


Quais as causas do Biografismo na Arte, principalmente na Poesia? Os poetas raramente estão lendo poemas uns dos outros. Os poetas se comungam por amizades e elogios mútuos. O poetas não pensam coletivamente, muito menos em vanguardas, é cada um no seu grupinho. Se um poeta se simpatiza com um outro, ele passa a elogiar a poesia – não pela poesia, mas por que o outro é amigo. Confunde poeta e poesia, e se não gosta do poeta vai odiar igualmente a poesia. Não há uma separação. Posso não gostar de certo poeta enquanto pessoa, mas posso perfeitamente admirar a obra poética dele.


Meditando sobre a crítica já escrita sobre as obras de Roberto Piva temos um exemplo de ênfase na biografia. Críticos mais preocupados com as atitudes iconoclastas, irreverentes e homoafetivas do Poeta do que exatamente se debruçar sobre a Obra, ler os poemas a ponto de perceber os diálogos com outros poemas – e poetas. A preocupação com a vida pessoal do Poeta cria um preconceito quanto a Obra – alguns dizem: não vou ler poesia gay – como se um dado biográfico do Autor servisse para qualificar a Obra. A Escrita quando realmente é válida não se destina a um determinado público, não é segmentação. Somente as obras limitadas, irrelevantes são criadas para um determinado público, um grupo de consumidores de cultura.


Obviamente que alguns dados biográficos podem certamente ajudar no entendimento de alguns aspectos da Obra, mas não podem determinar um julgamento sobre a mesma. É preciso dissociar o julgamento sobre o Autor da leitura da Obra. Não apreciar o Autor não significa desprezar a Obra, pois aqui a criatura pode ser bem melhor que o criador.


Classificar a poética de Piva?


Temos autores sem classificação ou classificações parciais. Afinal temos estilos pessoais dentro de – ou em paralelo com - estilos de época. Em alguns momentos há uma consonância, mas pode haver uma dissonância. Autores que destoaram da época em que viveram. Whitman é romântico? Machado de Assis é mesmo realista? Sousândrade é o quê? Fernando Pessoa é catalogado segundo seus vários 'heterônimos', um seria classicista, um outro seria romântico, e outro futurista, um outro surrealista, e assim por diante. Guimarães Rosa é regionalista de fato? Manoel de Barros é o quê? Surrealista? Temos as figuras ambíguas de autores entre o surrealismo e o expressionismo, tais como Oscar Wilde, Georg Trakl, Jean Genet, Paolo Pasolini, Antonin Artaud, Charles Bukowski. Como classificá-los? São mesmo classificáveis? Que 'vanguardas' seguem? Quais as vanguardas reivindicam suas obras?


Para o colega de geração, o crítico Claudio Willer (SP, 1940-), a poética de Piva integra uma 'geração Beatnik' tupiniquim, inserida no cenário urbano de São Paulo. Aliás, Piva seria um Baudelaire de São Paulo, um flâneur solto pelas ruas da metrópole sul-americana.


Ainda que o próprio Piva negue esta condição de urbanóide, “sou um poeta na cidade, não um poeta da cidade”, pois ele vive ainda na cidade é porque ainda não conseguiu recursos financeiros para comprar um sítio na área rural. O poeta queria era fugir da metrópole – e se tecia cânticos a 'pauliceia' era mais por se considerar um amargo prisioneiro da cidade grande, não um empolgado, um convertido ao proclamado progresso da megalópole.


Para a crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda (SP, 1939-), autora de “26 Poetas Hoje” (1975), onde aborda as obras dos ditos 'poetas marginais', ou da 'geração mimeógrafo', com ênfase nos autores jovens do Rio de Janeiro, nas décadas de 60 e 70, o poeta Roberto Piva é um autor da 'marginália' paulista (ainda que a autora não cite os outros da 'geração beatnik' de São Paulo), um exemplo da voz marginal que não tem presença nas mídias, é como se não existisse. Se o poeta não se organizar para publicar e divulgar jamais seria lido – as editoras não tinham qualquer interesse em 'vozes desviantes', em dissonâncias, logo rotuladas de 'subversão'.


Contudo, para outros críticos, Piva não seria nem marginal, nem beatnik, mas um 'marginal' da marginália, uma espécie de 'exceção à regra' ambulante, que congrega tudo e desagrada a todos. Nem direita nem esquerda, nem conservador nem revolucionário, desconsiderado pelos 'marginais' e rejeitado pelos 'beatniks' brasileiros (com exceção dos amigos de geração). O poeta Piva seria no Brasil uma espécie de Charles Bukowski, que muitos não consideram beatniks – e nem os próprios Beats. Bukowski que causa mal-estar em qualquer 'vanguarda' onde seja inserido – engavetado. Solução aqui é não classificar.


Mas podemos definir algumas semelhanças e algumas diferenças da poética de Piva em relação aos poetas marginais. Nas semelhanças podemos destacar a atitude de 'ver a margem', de não ser aceito, nem cooptado pela mídia, a proclamar uma voz marginal, por exemplo, da presença homoafetiva na sociedade conservadora. A poesia que se serve do coloquial, das cenas do cotidianos, dos cenários urbanos e dos labirintos das metrópoles.


Nas diferenças destacamos a farta intertextualidade, os diálogos explícitos com outros autores – sejam canônicos ou não – enquanto os marginais desprezam a erudição, não revelam as leituras, não posam dentro de uma biblioteca, ou cercados de livros, mas bêbados nos botecos mais sórdidos.


Enquanto os marginais restringiam a discursividade ao poema curto, ao poema-flash, ao poema-coisa, na síntese do momento, dizendo o máximo com o mínimo de texto, enquanto os poetas do Poema-Processo aboliam a discursividade em prol de um poema-objeto, não condicionado e dependente de significante-significado, tornando tudo em arquétipos e ideogramas.



Em certa perspectiva, ao ser renegado por uns e outros, o poeta Piva mostra-se mais marginal do que os marginais, assim como o marginal-Beatnik Bukowski que é rejeitado pelos acadêmicos e pelos próprios Beats. Bukowski, por exemplo, compartilha o universo dos Beats – vida noturna, libertinagem, bebedeiras, viagens, crises existenciais, etc – mas nunca foi um 'filiado', nunca buscou a 'superação' ou a 'beatitude' que animavam Kerouac e Snyder, por exemplo. Os beatniks deviam superar a si-mesmos rumo a uma vida de liberdade, onde as 'portas da percepção' se abririam longe de toda conformidade e disciplina com as quais a sociedade de consumo condiciona os cidadãos do 'mundo livre'.

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sobre a antologia “26 Poetas Hoje
http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?tag=26-poetas-hoje
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/outros_titulos/26_poetas_hoje
http://portalliteral.terra.com.br/blogs/26-poetas-hoje-digital
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Influências / intertextualidades na poética de Roberto Piva


Os poetas malditos (poètes maudits) franceses do século 19, a saber, Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Lautreámont, Corbière. Os poetas malditos do século 20, dentre eles, os poetas Garcia Lorca, Jean Genet, Antonin Artaud, e o cineasta Pier Paolo Pasolini.


Também os Beatniks se insinuam nos textos polifônicos de Piva, com destaque para Kerouac, Ginsberg, Burroughs, Gregory Corso, Gary Snyder, todos estes leitores do poeta-guru Walt Whitman. Outro guru da geração beatnik é Henry David Thoreau (1817-1862), pensador anarquista individualista, autor de “Desobediência Civil”, 1849, e “Walden”, 1854.


Outra influência perceptível é a do heterônimo Álvaro de Campos, persona-lírica, exaltada e prolixa, entre futurista e surrealista, do português Fernando Pessoa, outro leitor entusiasta de Whitman, como percebemos em “Saudação a Walt Whitman” .


As influências brasileiras são os textos dos modernistas Mário de Andrade (autor de “Paulicéia Desvairada”, 1922 ), Jorge de Lima, da primeira fase, antes de “Tempo e Eternidade” (1935) e o Murilo Mendes da fase surrealista (obras “Poemas”, 1929; “Visionário”, 1933)


Os poetas 'beatniks' de São Paulo se assumiam 'antropófagos' - tais como os modernistas Oswald e Mário de Andrade – ao digerirem as poéticas dos autores norte-americanos, assim como os Andrades sugavam as poéticas dos simbolistas, dos surrealistas e dos futuristas franceses. Até porque eis uma vantagem de ser 'colonizado': poder digerir os colonizadores! Nós enquanto colonizados temos acesso às culturas europeia e norte-americana, enquanto os europeus e norte-americanos pouco sabem sobre a nossa cultura.


Por exemplo, o poeta Piva dialoga com Lima em "Paranóia" (poema “Jorge de Lima, panfletário do Caos”)


Foi no dia 31 de dezembro de 1961 que te compreendi Jorge de Lima

enquanto eu caminhava pelas praças agitadas pela melancolia presente

na minha memória devorada pelo azul

eu soube decifrar os teus jogos noturnos

indisfarçável entre as flores

uníssonos em tua cabeça de prata e plantas ampliadas

como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e como tua boca

palpita nos bulevares oxidados pela névoa

uma constelação de cinza esboroa-se na contemplação inconsútil

de tua túnicae um milhão de vagalumes trazendo estranhas tatuagens no ventres

e despedaçam contra os ninhos da Eternidade

é neste momento de fermento e agonia que te invoco grande alucinado

querido e estranho professor do Caos sabendo que teu nome deve

estar como uma talismã nos lábios de todos os meninos.



Podemos comparar “Paranóia” (1963) com “Pauliceia Desvairada” (1922) de Mário de Andrade. Pauliceia Desvairada cita e recita cenas e topônimos de São Paulo numa viagem urbana meio delirante meio debochada, com exageradas metáforas e referências ao mundo da moda e do industrialismo, quando as imagens retiradas de líricas românticas soam anacrônicas, sem contexto, como lírios pálidos expostos às fuligens.


São Paulo! comoção da minha vida...

Os meus amores são flores feitas de original...

Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e Ouro...

Luz e bruma... Forno e inverno morno...

Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...

Perfumes de Paria... Arys!

Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!

São Paulo! comoção de minha vida...

Galicismo a berrar nos desertos da América!


No texto de Paranoia, os cenários se correspondem – quatro décadas depois – mas transfiguradas por mais exagero, desespero, alucinação, amargura, deboche e obscenidade. Não há espaço para o lírico que não seja agressão (tanto contra a semântica quanto a moral),


Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci

onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo seus olhos com

lágrimas invulneráveis

onde crianças católicas oferecem limões para pequenos paquidermes

que saem escondidos das tocas

onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados

estéreis e incendeiam internatos

onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam

a descarga sobre o mundo

onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha

no seu hálito

onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua

última janela

onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte

branco

onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe

escurecendo a página

onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorróidas das

beatas

onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas

penas

onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da

imaginação



O Poeta dialoga com seus autores prediletos em exemplos das múltiplas referências / intertextualidades. Notamos num poema como “Meteoro” uma voz lírica que se dirige a outras vozes líricas, a outras almas expressionistas, outros seres atribulados, marginais ou não, canônicos ou não, mas todos afetados pelo mesma inquietude diante da existência, sejam filósofos, poetas, pintores, outros artistas belos e malditos,


no alto da Lapa os mosquitos me sufocam

que me importa saber se as mulheres são

férteis se Deus caiu no mar se

Kierkegaard pede socorro numa montanha

da Dinamarca?



eu urrava meio louco meio estarrado meio fendido

narcóticos santos ó gato azul da minha mente

Oh Antonin Artaud

Oh Garcia Lorca

com seus olhos de aborto reduzidosa retratos


A poesia com surrealismo embriagado e misantropo de um Lautréamont (Les Chants de Maldoror) ou com a morbidez de um Augusto dos Anjos (ver os quatro poemas 'contidos' “Quatro Poemas Pivianos”), onde as imagens tétricas misantropas do poète maudit se mesclam com as imagens de finitude do ser consciente nos versos sepulcrais do vate brasileiro (o 'poeta necropolitano'?),


Eu era um pouco da tua voz violenta, Maldoror,

quando os cílios do anjo verde enrugavam as

chaminés da rua onde eu caminhava

E via tuas meninas destruídas como rãs por uma

centena de pássaros fortemente de passagem

Ninguém chorava no teu reino, Maldoror, onde o

infinito pousava na palma da minha mão vazia

E meninos prodígios eram seviciados pela Alma

ausente do Criador

(em “Poema Submerso”)


Dêem-me um anestésico. A vida dói e arde.

Não sei controlar meus impulsos demoníacos.

Não acredito em forças de outro mundo.

Sou eu, meus versos e o perigo das frações.


Arranco minhas vísceras poéticas do ostracismo.

Trezentos dias e cinqüenta noites marianas.

O caracol de meus cabelos caídos no chão de espelhos.

O sangue e os olhos transformados em areia cinza.

(em “Quatro Poemas Pivianos”, IV)



O poeta em contínuo diálogo com Freud, Rimbaud e Nietzsche, autores/pensadores referenciais, lidos e relidos nos contextos da dita ‘contracultura’.


Eu aprendi com Rimbaud
& Nietszche os meus
toques de Inferno
(Anjos de Freud,
sustentai-me!)
& afirmando isto
através dos quartos sem tetos
& amores azuis
eu corro até a colher de espuma fervente
driblando-me no cemitério
faminto da última FOME
com tumbas & amantes cheios de pétalas
porque o céu foi nossa última chance
esta noite".




O poeta beatnik Ginsberg escreve um poema para Whitman (“Supermarket in California”) enquanto Piva escreve um poema influenciado a um outro poeta, Mário de Andrade (“No Parque Ibirapuera”), mostrando que uma verdadeira teia, uma rede de citações e referências se entretece entre os vários autores-leitores, afinal Piva é um Poeta leitor por excelência.


A “Ode a Fernando Pessoa” lembra a “Ode a Walt Whitman” escrita pelo próprio Fernando Pessoa-Álvaro de Campos para o bardo norte-americano. O que 'une' os quatro poetas – além da intertextualidade? - a homoafetividade. A aceitação da própria sexualidade leva a uma contestação da ordem conservadora, hipócrita e moralista, que se proclama em nome da liberdade, mas reprime os prazeres da livre sexualidade situação mais perceptível antes da ‘revolução sexual’ dos anos 60 e 70).


É impossível que não haja nenhum poema teu

escondido e adormecido no fundo deste parque

Olho para os adolescentes que enchem o gramado

de bicicletas e risos

Eu te imagino perguntando a eles:

onde fica o pavilhão da Bahia?

qual é o preço do amendoim?

é você meu girassol?

A noite é interminável e os barcos de aluguel

fundem-se no olhar tranquilo dos peixes

Agora, Mário, enquanto os anjos adormecem devo

seguir contigo de mãos dadas noite adiante

Não só o desespero estrangula nossa impaciência

Também nossos passos embebem as noite de calafrios

Não pares nunca meu querido capitão-loucura

Quero que a Paulicéia voe por cima das árvores

suspensa em teu ritmo.



Surrealismo e Xamanismo


O surrealismo – notável em Rimbaud, Lautreámont e no primeiro Murilo – é levado ao tom mais místico, aos orientalismos de um Hermann Hesse (o autor de Der Steppenwolf, “O Lobo da Estepe”, em 1927), um Gary Snyder – aliás, toda uma geração se interessou por misticismo nesta época – anos 40 aos 70 – com o movimento hippie, a New Age, etc – mas aqui um orientalismo não de apenas contracultura - anti-Iluminismo, anti-racionalismo, contra a 'Razão Instrumental' denunciada por Adorno e Horkheimer – mas um orientalismo de 'reencontro do ser humano com o animal em si-mesmo', uma volta ao xamanismo.


Xamanismo enquanto cura de si mesmo pela meditação, pela harmonia com a vida natural, numa vivência mística de nativo indígena, de ser integrado com os mistérios da natureza, pois os povos tradicionais – segundo percebemos na carta do Chefe Seattle ao presidente norte-americano - sempre viveram inseridos no meio ambiente, não contra o ambiente.


Ou seja, o poeta sentindo-se oprimido pela selva urbana – a metrópole de São Paulo – passa a idealizar o mundo natural – como faziam os românticos, vítimas das primeiras revoluções industrias e do crescimento das cidades. Assim Piva re-encena a atitude de um Wordsworth, um Coleridge, um Keats, um Shelley, um Musset, um Gonçalves Dias, quando buscam um refúgio junto a natureza.


É todo um pensamento ecológico em gestão tal como percebemos na obra de Gary Snyder, que, sendo um 'globetrotter', viveu com povos tradicionais no norte dos EUA, com monges japoneses, com místicos japoneses, a cumprir uma jornada de aprendizado e superação (ou purificação, como dizem os religiosos). Uma animalidade positiva seria o modo de relacionar-se com o mundo natural – a livre interrelação homem-natureza, onde a interseção, o elo seria justamente o animal, quando lembramos que somos 'animais civilizados', ou melhor, domesticados.


A busca de uma religiosidade, não uma religião, é uma contaste nos poetas ante-iluministas, ou pré-racionalistas, não exatamente anti-iluministas. Afinal, o xamanismo existe muito antes da 'civilização ocidental', do racionalismo cartesiano, da 'razão instrumental'. O surrealismo não é anti-religioso, pode flertar com o religioso, pois ambas as esferas são do emocionalismo, da livre fruição dos sentidos, na busca da abertura das 'portas da percepção'.


O desejo de livre fruição da consciência levou ao uso e abuso de alucinógenos, drogas e outros entorpecentes que – pensavam na época – seria uma forma de libertação, mas que se tornou apenas outra forma de alienação e lucro para criminosos (vejamos as dimensões do tráfico de drogas de hoje em dia). Entre os arautos da viagem alucinógena – toda uma cultura psicodélica se formou nos anos 60 – o doutor Timothy Leary e o escritor William Burroughs, ambos defensores das experiências de 'libertação mental'.


Contudo, a prática xamânica dos índios estava definitivamente perdida para nós homens e mulheres da civilização. Somente poderíamos ter êxtases na dimensão simbólica da Poesia – nosso canal de superação para além dos domínio dos mundo prosaico, asfaltado e concretado.

O próprio poeta Piva declara ser “o poeta NA cidade”, “não o poeta DA cidade”, afinal, por mais que ele dedique versos e mais versos a vida da metrópole, ele a rejeita, ele prefere a vida xamânica junto a natureza, numa comunidade rural. Contudo ele não pôde se libertar.



jun/11



Leonardo de Magalhaens






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Referências


ANDRADE, Mário de . Paulicéia Desvairada. São Paulo, 1922.

PIVA, Roberto. Paranoia. São Paulo, 1963. São Paulo, Instituto Moreira Salles, 2010. 2ª ed.

________ . Antologia Poética. São Paulo, 1985.



A obra Paranoia
http://pt.scribd.com/doc/33761501/Roberto-Piva-Paranoia

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Um blog dedicado a Roberto Piva
http://robertopiva.blogspot.com/
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Artigo sobre Piva em blog
http://simaopessoa.blogspot.com/2007/01/poesia-xamnica-do-beatnik-surrealista.html
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Artigo sobre antologia de Piva
http://www.triplov.com/poesia/roberto_piva/estrangeiro/index.htm
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Entrevista com Piva
http://www.germinaliteratura.com.br/literatura_out05_robertopiva1.htm

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Crítica que relaciona Rimbaud e Piva
http://www.revistazunai.com/ensaios/anderson_fonseca_roberto_piva.htm

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Fortuna Crítica sobre obra de Piva
http://www.revista.agulha.nom.br/agulha6piva.html

http://daliedaqui.blogspot.com/2008/04/roberto-piva-ode-fernando-pessoa.html

http://www.revista.agulha.nom.br/ag38piva.htm

http://felipefortuna.com/robertopiva.html

http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/roberto_piva.html

http://sibila.com.br/index.php/critica/419-roberto-piva-entre-o-mito-e-o-merito

http://www.colheradacultural.com.br/content/20091108231742.000.4-N.php

http://www.alexandremarino.com/2010/07/um-poema-de-roberto-piva.html

http://cartilhadepoesia.wordpress.com/2010/08/24/roberto-piva/

http://www.triplov.com/novaserie.revista/numero_02/claudio_willer/index.html

http://www.revistazunai.com/ensaios/chiu_yi_chih_roberto_piva.htm

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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Canção da Estrada Aberta (5/5) - W. Whitman









Canção da Estrada Aberta
Song of the Open Road


13.


Allons! Vamos! Para o que é sem-fim assim como era sem-início,
Para sofrer muito, andarilhos dos dias, descansos das noites,
Para fundir tudo na viagem eles têm tendência, e eles
tem tendência para fundir dias e noites,
Novamente para fundi-los no começo de jornadas superiores,
Para nada ver em algum lugar exceto o que você deve
alcançar e ultrapassar,
Para conceber nenhum tempo, por mais distante, mas
o que você deve alcançar e ultrapassar,
Para procurar seja em cima ou embaixo nenhuma estrada
exceto a que se estende e espera por você
por mais longa que seja, mas que se estende e espera por você,
Para ver nenhum ser, nem de Deus ou qualquer outro,
porém para você seguir também para lá,
Para ver nenhuma posse, mas você deve possuí-la [a estrada],
aproveitando tudo
sem trabalho ou aquisição, abstraindo a festa ainda não abstraindo
uma partícula dela,
Para ter o melhor da fazenda do fazendeiro e da villa elegante
do homem rico,
e as bençãos castas do casal bem-casado, e
as frutas de pomares e flores de jardins,
Para se utilizar das compactas cidades quando você as atravessa,
Para carregar edifícios e ruas com você depois para
onde você seguir,
Para ajuntar as mentes dos homens fora de seus cérebros
quando você os encontra,
Para ajuntar o amor fora de seus corações,
Para levar seus amados na estrada com você, para todos
que você deixa para trás,
Para conhecer o universo em si-mesmo tal uma estrada,
tal qual muitas estradas, assim estradas
para almas em viagem.
Todas as partes além para o progresso das almas,
Toda religião, todas as coisas sólidas, artes, governos -
tudo o que era ou é
aparente sobre este globo ou qualquer outro globo, cai dentro
de nichos e cantos
antes da procissão das almas ao longo da grande estrada
do universo.

Do progresso das almas de homens e mulheres ao longo
das grandes estradas do
universo, todo outro progresso é o necessário emblema e sustento.

Sempre vivos, sempre adiante,
Imponentes, solenes, tristes, retraídos, confusos, loucos, turbulentos,
frágeis, insatisfeitos,
Desesperados, orgulhosos, carinhosos, enfermos, aceitos pelos
homens, rejeitados pelos homens,
Eles seguem! Eles seguem! Sei que eles seguem, mas não sei
para onde eles seguem,
Mas sei que eles seguem rumo ao melhor – rumo a algo grande.

Quem quer que vocês sejam, venham adiante! Seja homem ou mulher,
venham!
Vocês não devem ficar dormindo ou flertando lá na casa,
apesar de
vocês terem-na construído, ou apesar de ela ter sido construída
para vocês,

Para fora do sombrio confinamento! Para fora de detrás do biombo!
É inútil protestar, eu sei tudo isso e venho revelar.

Observe através de você tão ruim quanto o resto,
Através da risada, dançando, jantando, ceando,
de pessoas,
Dentro de vestes e ornamentos, dentro daquelas faces lavadas
e enfeitadas,
Observe uma secreta e silente náusea e desespero.

Nenhum marido, nenhuma esposa, nenhum amigo/a, confiável
para ouvir a confissão,
Outro eu, uma duplicata de cada um, esgueirando-se e
ocultando-se segue,
Sem-forma e sem-palavras através das ruas das cidades,
polidos e brandos nas salas de visita,
Nos vagões das ferrovias, nos barcos-a-vapor, nas assembleias
públicas,
Lar para as casas de homens e mulheres, à mesa, no quarto,
em todo lugar,
Elegantemente trajado, fisionomia sorridente, forma altiva,
morte sob as costelas, inferno sob os crânios,
Debaixo dos trajes e luvas, debaixo das insígnias e das flores
artificiais,
Mantendo-se correto com os costumes, falando nenhuma sílaba
de si-mesma,
Falando de qualquer outra coisa mas nunca de si-mesma.



14.


Allons! Vamos! através de conflitos e guerras!
O objetivo que foi definido não pode ser revogado.

Têm os conflitos do passado se sucedido?
O que tem se sucedido? Você mesmo/a? Sua nação? A Natureza?
Agora entenda-me bem – isto é provido na essência
de coisas que
de alguma fruição de sucesso, não importa o que, deverá
chegar adiante
algo a fazer um maior conflito necessário.

Meu chamado é o chamado de batalha, eu alimento
rebelião ativa,
Ele que vai comigo deve ir bem armado,
Ele que vai comigo vai frequentemente com dieta frugal,
pobreza, inimigos irados,
deserções.



15.


Allons! Vamos! a estrada está diante de nós!
Ela está salva – tenho a experimentado – meu próprios pés
a experimentaram bem -
não chegue atrasado!
Deixe o papel ficar não-escrito sobre a mesa, e o livro não-aberto
na prateleira!
Deixe as ferramentas ficarem na oficina! Deixe o dinheiro
continuar não-acumulado!
Deixe a escola ficar lá! Não se importe com o grito do professor!
Deixe o pregador pregar no púlpito! Deixa o advogado a defender causa
na corte, e o juiz expor a lei.

Camarada, dou uma mãozinha a você!
Dou a você meu amor mais precioso que o dinheiro,
Dou a você eu mesmo antes de pregações ou leis;
Você me dará você mesmo/a? Você virá viajar comigo?
Deveremos nos juntar um ao outro enquanto nós vivermos?



Trad. livre: Leonardo de Magalhaens
http://leoliteraturaescrita.blogspot.com






Song of the Open Road


13



Allons! to that which is endless as it was beginningless,

To undergo much, tramps of days, rests of nights,

To merge all in the travel they tend to, and the days and nights

they tend to,

Again to merge them in the start of superior journeys,

To see nothing anywhere but what you may reach it and pass it,

To conceive no time, however distant, but what you may reach it and pass it,

To look up or down no road but it stretches and waits for you,

however long but it stretches and waits for you,

To see no being, not God's or any, but you also go thither,

To see no possession but you may possess it, enjoying all without

labor or purchase, abstracting the feast yet not abstracting one particle of it,

To take the best of the farmer's farm and the rich man's elegant

villa, and the chaste blessings of the well-married couple, and

the fruits of orchards and flowers of gardens,

To take to your use out of the compact cities as you pass through,

To carry buildings and streets with you afterward wherever you go,

To gather the minds of men out of their brains as you encounter them,

to gather the love out of their hearts,

To take your lovers on the road with you, for all that you leave them behind you,

To know the universe itself as a road, as many roads, as roads for traveling souls.



All parts away for the progress of souls,

All religion, all solid things, arts, governments--all that was or is

apparent upon this globe or any globe, falls into niches and corners

before the procession of souls along the grand roads of the universe.



Of the progress of the souls of men and women along the grand roads of

the universe, all other progress is the needed emblem and sustenance.



Forever alive, forever forward,

Stately, solemn, sad, withdrawn, baffled, mad, turbulent, feeble,

dissatisfied,

Desperate, proud, fond, sick, accepted by men, rejected by men,

They go! they go! I know that they go, but I know not where they go,

But I know that they go toward the best--toward something great.



Whoever you are, come forth! or man or woman come forth!

You must not stay sleeping and dallying there in the house, though

you built it, or though it has been built for you.



Out of the dark confinement! out from behind the screen!

It is useless to protest, I know all and expose it.


Behold through you as bad as the rest,

Through the laughter, dancing, dining, supping, of people,

Inside of dresses and ornaments, inside of those wash'd and trimm'd faces,

Behold a secret silent loathing and despair.



No husband, no wife, no friend, trusted to hear the confession,

Another self, a duplicate of every one, skulking and hiding it goes,

Formless and wordless through the streets of the cities, polite and bland in the parlors,

In the cars of railroads, in steamboats, in the public assembly,

Home to the houses of men and women, at the table, in the bedroom, everywhere,

Smartly attired, countenance smiling, form upright, death under the

breast-bones, hell under the skull-bones,

Under the broadcloth and gloves, under the ribbons and artificial flowers,

Keeping fair with the customs, speaking not a syllable of itself,

Speaking of any thing else but never of itself.



14



Allons! through struggles and wars!

The goal that was named cannot be countermanded.


Have the past struggles succeeded?

What has succeeded? yourself? your nation? Nature?

Now understand me well--it is provided in the essence of things that

from any fruition of success, no matter what, shall come forth

something to make a greater struggle necessary.


My call is the call of battle, I nourish active rebellion,

He going with me must go well arm'd,

He going with me goes often with spare diet, poverty, angry enemies, desertions.



15



Allons! the road is before us! It is safe--I have tried it--my own feet have tried it well--

be not detain'd!

Let the paper remain on the desk unwritten, and the book on the shelf unopen'd!

Let the tools remain in the workshop! let the money remain unearn'd!

Let the school stand! mind not the cry of the teacher!

Let the preacher preach in his pulpit! let the lawyer plead in the court,

and the judge expound the law.



Camerado, I give you my hand! I give you my love more precious than money,

I give you myself before preaching or law;

Will you give me yourself ? Will you come travel with me?

Shall we stick by each other as long as we live?



Walt Whitman




LdeM


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