Os Poetas X A Poesia
.
.
.
O que é Poesia? Quem são os Poetas? Questões que incomodam os literatos e os acadêmicos. Alguns críticos – e muitos professores – defendem que é preciso saber sobre o/a Poeta – a vida do/a poeta, personalidade e eventos biográficos – para que se entenda um poema, ou outro texto.
.
.
Para 'podermos ler' um poema é preciso saber em que idade o texto foi escrito, em que circunstâncias, sob qual teto, ou teto nenhum, se em liberdade ou na prisão, se ele ou ela foi abandonado/a pelo cônjuge ou amante, se foi pra guerra ou viveu sempre numa aldeia pacífica.
.
.
Conhecer o Poeta, a Poeta para entender o texto? Para saber a 'intenção autoral'? Ter acesso a alguma suposta 'mensagem' que o Autor, a Autora pretendem transmitir?
.
.
Ler um texto é ter acesso a alguma mensagem? Ou a partir do texto encontrar algo que atue diretamente sobre o leitor (ênfase na Recepção)? As emoções, o sentimento do/a Autor/a somente interessam a/o Leitor/a na medida da 'identificação'? Ou seja, encontramos no Outro (o Autor/a) o que percebemos em nós mesmos. Emocionar-se com um poema é perceber-se no mesmo universo afetivo-expressivo. A sensação que criou o poema é 're-vivida' no Ego de outro, o/a Leitor/a.
.
.
O preocupar-se com a 'intenção autoral' significa pretender um acesso ao que 'passava pela mente' de quem escreveu. Significa que se pretende ler a biografia lado a lado com o texto. O que vivenciou aquele Autor para que ele escrevesse aquele texto? O que teria acontecido se na hora de completar aquela estrofe o telefone tivesse tocado? Ou começado a Terceira Guerra Mundial?
.
.
O que o/a Autor/a vivenciou interessa a/o Leitor/a? O sofrimento alheio nos interessa? Até porque ambos – Autor e Leitor - são egocêntricos. Tanto quem escreve como quem lê. Quem escreve é um egocêntrico que exibe sensações, emoções, sentimentos, visões-de-mundo, e quem lê é um egocêntrico que deseja encontrar no texto lido algo que possa 'refletir' uma sensação vivida ou idealizada.
.
.
O/a Autor/a só é importante para nós – os exigentes leitores - na medida em que diz algo PARA MIM, não para o meu amante ou para o meu vizinho. Claro que alguns autores parecem 'conversar' com meio mundo. São considerados 'universais', tais como um Shakespeare, um Whitman, um Kafka, um Fernando Pessoa. Mas estes são mais exceção do regra.
.
.
Saber a vida do/a Autor/a para 'entender' a Obra? O que seria 'entender' a obra? Reproduzir mentalmente as condições de vida para tentar explicar porque o texto é assim e não diferente? Por que o poema tem duas e estrofes e não dez? De repente, o autor estava com pressa, ou o telefone tocou... Ora, tudo isso é impossível. E mesmo que fosse possível – saber TUDO sobre o Autor X, é inútil, e nem mesmo desejável. A 'intenção autoral' não interessa.
.
.
Até porque o que vale mesmo é a Obra. O/a Autor pode até ser anônimo, apócrifo, etc, que a Obra brilha por si mesma – se possui algum valor INTRÍNSECO. Claro que toda Obra tem um Autor – a Obra não se cria sozinha – mas uma vez libertada pelo gesto de publicação – seja autorizada ou póstuma – a Obra alcança independência – até atingir a figura do Leitor, que poderá re-interpretá-la.
.
.
A preocupação com a figura do Autor é uma das maiores perdas de tempo. Os autores não valem mais que as Obras – aliás, é o contrário. Pablo Neruda vale porque escreveu Cem Sonetos de Amor, e não a obra Cem Sonetos de Amor é importante porque foi escrito por um Pablo Neruda. Caso contrário, devo agora ler tudo o que o Sr. Pablo Neruda escreveu? Até os poemas sem qualidade? Meros frutos de horas de 'luta com as palavras', na autora da juventude... (Assim muita gente lê romances de Paulo Coelho porque... porque foi o Sr. Paulo Coelho quem escreveu! É o Autor que traz valor para o texto e não o contrário! Mas aí é questão de Mídia, não de qualidade literária.)
.
.
Digamos que dedicamos tempo a ler dois ou três romances do Sr. Nobel José Saramago. Três títulos que merecem ser lidos e relidos - “Ensaio sobre a Cegueira”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis” e “Todos os Nomes”, no caso – o que não significa que todos os romances escritos pelo Autor mereça atenção. Aliás, lê-se o 'Autor' - “ah, eu leio porque é do Saramago!” - e não pela qualidade da Obra! Ora, nenhum outro romance do citado Autor tem as qualidades das obras cujos títulos foram citados. (Nem vamos aqui estabelecer qualquer 'ranking' de qualidade...)
.
.
Pois bem. Conhecer a Obra – se esta vale em termos de qualidades - é se deliciar com a genialidade humana, com a capacidade de superar o cotidiano, o mesquinho dia-a-dia funcional e de criar algo que mereça ser 'canonizado'. É o respeito que sentimos diante de um “Hamlet” ou um “Os Miseráveis”. O que não significa que teremos acesso ao que intencionava o Mr. William Shakespeare ou o Monsieur Victor Hugo.
.
.
Aliás, não queremos conhecer nem Shakespeare nem Victor Hugo, queremos conhecer “Hamlet” e “Os Miseráveis”. Até porque conhecer os autores pode ser uma fonte de, digamos, decepção.
.
.
Sim, decepção. Posso adorar Poesia, posso idolatrar uma Obra Literária. Mas significa que adorarei o Autor? Que minha idolatria se estenderá até a Figura Autoral? Pelo contrário. Tem uma década que convivo com Autores – e sinceramente prefiro os Livros. Conhecer os Autores é até pensar novamente se a Obra saiu mesmo daquela 'fonte'. Será algum mal-entendido? Esta pessoa escreveu aquele livro?
.
.
Aliás, quem são os Poetas? Seres mágicos, sublimes, etéreos? Visionários? Profetas das 'Palavras Aladas'? Vates eternos? Bardos da Realidade Excelsa? Imagens humanizadas da Palavra? Seria maravilhoso se assim fosse! Temos estas ideias sobre os Poetas por um processo de Idealização. Idealizamos demais e por isso sofremos.
.
.
Os poemas – que transmitem Poesia – são belos, são admiráveis. E achamos que os Poetas assim também o são. Ledo engano.
.
.
Queremos ser Poetas – daí idolatramos os demais Poetas. Até conhecê-los. Quem são os Poetas?, repetimos. Pessoas comuns. Funcionários públicos, artistas, músicos, profissionais liberais. Donas de casa, secretárias, donas de salão de beleza. Promotores de eventos artísticos, políticos, donos de editoras. Professores, burocratas, desempregados. A 'imagem de Poeta' é uma mera fantasia. Nem louco nem engravatado, nem lunático nem acomodado. Nem revolucionário, nem hóspede de uma torre-de-marfim. Qualquer imagem de Poeta é abstração, é delírio nosso.
.
.
O Poeta, a poeta pode ser o nosso vizinho, pode ser aquele senhor bebendo chope no bar da esquina, pode ser a dona lavando a janela, pode ser o cara discutindo com o cobrador. Pessoas comuns que vivem vidas comuns – com raríssimas exceções que apenas confirmam a regra. Os poetas não merecem qualquer admiração – só porque são poetas. Merecem nosso respeito por serem cidadãos. Admirados por sobreviverem num dado sistema social, mais livre ou mais opressor. Por sobreviverem. Apenas.
.
.
Idealizar o/a Poeta é que tem criado esta febre de pesquisa biográfica. Quantas são as noivas de Poe ou de Kafka? Quantos os amantes do Piva? Quantas são as putas do Bukowski? Quais as ligações políticas de Pound ou de Brecht? Qual o nome da amante de Elizabeth Bishop? Ora! Enquanto nos preocupamos com isso deixamos de LER as Obras! O mais importante fica de lado: paramos de ler “Ulisses” para ir dar uma espiadinha na alcova de James Joyce!
.
.
Nenhum poeta e nenhuma poeta é admirável em si-mesmo/a – mas é admirável em relação a Obra. Como aquele ser cotidiano conseguiu escrever algo com semelhante profundidade e clareza afetiva-filosófica? Mesmo que não pratique nada daquilo na vida diária! Mesmo que externamente seja um qualquer que transita pelas ruas a solicitar um cigarro, ou um minuto de atenção.
.
.
Nenhum deles é modelo de caráter – um modelo a ser seguido. Um era bêbado, outro era esquizofrênico, uma outra era suicida. Um era pederasta, o outro era satanista, uma outra era viciada em morfina. Um virou traficante de armas, outra traiu o marido, um outro traiu os companheiros políticos. Um era antipatriota, outra era marginal, um outro era alienado. Outros pretendem ter 'voz coletiva', outros somente falam do próprio umbigo. Nenhum se salva. Um por ser idealista demais, outro por ser materialista demais, um outro por ser egocêntrico demais.
.
.
Não precisamos citar nomes. Todos sabem de quem aqui falamos. Aliás, sabemos MAIS sobre os Autores do que sobre as obras. Sabemos os nomes das amantes de Baudelaire, mas não sabemos decorado sequer um soneto do simbolista francês. Sabemos tudo sobre a opção política de Knut Hamsun, mas quantos de nós lemos “Fome”? Ou seja, o Autor é celebridade, a Obra fica na estante.
.
.
E ainda querem que percamos o nosso valiosíssimo tempo para ler biografia de escritores, poetas, literatos? O máximo que podemos ler em termos de biografias são aquelas de políticos, pois estes não têm obras escritas – com algumas exceções, claro – mas uma 'vida política'. Daí se justificar que tenhamos dedicado tempo valioso para ler as biografias de Robespierre, Napoleão, Bismarck, Lênin, Mussolini, Hitler, Stálin, De Gaulle, Churchill, Roosevelt, Eisenhower, Tojo, dentre outros, e nunca lido totalmente qualquer biografia de escritor, poeta, literato. Temos mais o que fazer.
.
.
.
Aviso aos navegantes: ESTE não é um texto acadêmico. É livre-expressão de um Literato-estudante-funcionário-público.
.
.
.
por Leonardo de Magalhaens
.
.
Mais info sobre Intencionalidade Autoral
e Estética da Recepção em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Est%C3%A9tica_da_recep%C3%A7%C3%A3o http://www.espacoacademico.com.br/096/96duarte.htm http://www.portalliteral.com.br/artigos/autor-texto-e-leitor-uma-moeda-de-tres-faces
.
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário