quinta-feira, 11 de abril de 2013

4 poemas de Geraldo Carneiro





GERALDO CARNEIRO



in: Poemas Reunidos – RJ, 2010




balada do impostor


sou um impostor, um dia saberão
que simulei tudo o que sempre fui.
sou uma ficção, meu sangue é só linguagem
meu sopro é uma explosão que vem de dentro
em forma de palavra.
quando já não foi mais, serei eu mesmo.
enquanto tardo, trapaceio contra o tempo,
a máquina que vai me devorando,
e vou passando como tudo passa
em busca de uma graça que ultrapasse
o círculo da minha circunstância
o espelho que não seja senão o outro
esse que me habita e que me espreita
e, não sendo eu, me acata os meus espantos



in: balada do impostor [2003-2006]


...


a penúltima fantasia


como dizia o Frederico Nietzsche,
falando a propósito de si mesmo,
sou uma nuvem que navega a esmo,
cheia de relâmpagos que dizem sim.
às vezes sou cumulus-nimbus,
às vezes desço ao rés-do-chão dos limbos,
onde me embriago de ópios e cronópios;
às vezes desço mais, até os infernos
e provo dos horrores pós-modernos;
outras vezes, enfim, ascendo ao empíreo
sob o império do amor e vejo estrelas,
sonho vias-lácteas, tantas coisas belas;
nesses instantes, minha caravela
parece navegar por ultramares
as velas enfunadas pelos olhos teus
ou pelo sopro de um provável Deus.




In: lira dos cinquent'anos [1996-2002]






abaixo a realidade


já recebi a safra da poesia
que me cumpria receber da vida.
vivo instalado no meu minifúndio
(o João Cabral é um latifundiário)
tramando extravagâncias que ainda hei
de cometer ou não,
depende só das dúvidas dos deuses,
por que uma coisa é líquida e incerta:
não há razão por trás da natureza.
Camões falava já do desconcerto
diante das coisas podres deste mundo,
destes poderes ainda cá prestantes
pra nos prestar serviços tão infames.
não vou gastar a minha poesia
celebrando os canalhas do poder.
as musas foram feitas para o sonho,
a dança, a escultura, as coisas belas,
no máximo a volúpia da epopeia.
o resto é resto, terra devoluta
onde esses vermes nunca se revoltam
mas se revolvem nessa lama abjeta.



In: lira dos cinquent'anos [1996-2002]





Maldoror


a dor do mundo dói dentro de mim.
ressoam no meu céu todas as dores
de torturados e torturadores.
a dor do amor perdido e reencontrado
as dores do futuro e do passado.
o fado, o enfado, o fardo da existência,
a dor do bardo, a dor de W. Shakespeare,
a dor imensa de Isidore Ducasse,
o espanto de seus cantos Maldoror.
a dor de Dante, da pátria perdida,
o horror supremo de Edgar Allan Poe,
o horror da dor, o horror do nevermore.
o horror de Conrad, pós-apocalíptico,
o horror do crítico, o horror do político.
o horror devastador e democrático.
o horror da acrópole, do bar e dos bas-fond
eu sinto o horror e sei qual é o seu som.




In: lira dos cinquent'anos [1996-2002]





GERALDO CARNEIRO


in: Poemas Reunidos – RJ, 2010




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