sobre
“audito”
(CL
Edições,
2009)
poemas
de
Flávio
Castro
(Porto
Alegre,
1966-)
Quando
a
sugestão
ressoa mais
que
a
descrição
Intro
Em
dado
momento
refletimos
sobre
o
quanto
se
diferenciam
poesia
e
artes
plásticas,
entre
palavras-evocantes
e
imagens-representadas,
quando
algo
é
imaginado,
ou
representado
e
quando
algo
é
visualizado,
o
imaginário
diante
do
observado.
Dizemos,
por
exemplo,
a
palavra
'mar'
e
lembramos
de
uma
cena
ou
quadro
onde
está
o
que
denominamos
'mar'.
O
mar
em
si-mesmo
e
o
mar
enquanto
mimèsis.
Ondas
revoltas
numa
praia
ou
um
calmo
espelho
azulado
de
águas
paradisíacas.
Temos
um
conjunto
de
sons
e
temos
um
cenário
ou
imagem.
Como
pode
um
poema
ser
imagético
além
de
evocar
imagens?
Como
pode
ressaltar
as
imagens
além
da
mensagem?
Antes,
como
pode
converter
a
imagem
na
própria
mensagem?
Como
pode
o
elemento
plástico
se
sobressair
ao
discursivo?
Faremos
uma
poética
de
substantivos
moldáveis
e
adjetivos
coloridos
em
sintagmas
sinestésicos?
Como
tornar
as
palavras
imageticamente
sugestivas
a
ponto
de
esquecermos
que
são
palavras?
Como
preservar
a
poesia
enquanto
expressão
sonora,
enquanto
performática,
diante
da
poesia
imagética?
Numa
época
de
poesia
metalinguística,
de
poesia
que
fala
de
poesia,
de
poesia
imagética
que
despeja
imagens
sem
conexão
e
sem
discurso,
de
poesia
visual
anti-discursiva,
diz
o
poeta, sem preâmbulos :
“Penso
que
poesia
é
imagem.
Sendo
assim,
busco
em
meus
poemas
sua
realização,
sua
alquímica
concreção.”
Pois, aqui, trata-se da
busca
de
uma
imagem
num
flash
imediato
e
chocante,
justamente
o
efeito
que
é
esperado
desde
Oswald
de
Andrade,
e
depois
praticada
iconoclasticamente
na
época
da
poesia
mimeógrafo,
quando
os
poetas
(chamados 'marginais')
tratavam de agarrar
no
cotidiano
a
matéria-prima
para
a
poética
anti-lírica,
até prosaica, dada
ao
depoimento
e
à
ironia.
Assim,
a
busca
já
foi
tentada,
o
Graal
é
que
não
foi
conquistado.
É
a
mesma
questão
do
estilo
do
autor
dentro
do
estilo
de
época,
ou
antes
da
marca
do
indivíduo
dentro
da
cultura
grupal,
onde vários autores perseguem a mesma coisa (mensagem, forma,
efeito, algo assim) mas de modos diversos, a deixarem 'marcas' de
subjetividade (vários autores românticos, mas percebemos a
diferença entre Gonçalves Dias e Castro Alves, e temos vários
modernistas, mas percebemos que os rumos da poética de Mário não
são os mesmos da de Oswald).
A
questão
do
estilo
foi debatida
na
obra
do
pensador francês
Roland
Barthes,
além das
considerações
sobre
a
'morte
do
autor',
e
nosso
propósito
aqui
não
é
este.
Seria
mais
oportuno
num
doutorado
em
Teoria
da
Literatura.
O
detalhe
é
mais
de
localizar
um
estilo
autoral
X
num
estilo
de
época
onde
se
destaca
o
autoral
Y.
Se
o
desejo
é
uma
poética
do
imagético
temos
de
considerar
os
que
foram
imagéticos.
Vejamos
Cruz
e
Sousa.
Mas
nem
precisamos
seguir
tão
longe.
Basta
recorremos
às
poéticas
Murilo
Mendes
e
João
Cabral
do
Melo
Neto.
Ambos
trabalharam
as
palavras,
esmerilaram,
lapidaram
os
vocábulos,
cortaram
e
reduziram
a
fim
de
encontrarem
o
essencial.
Assim
os
conectivos,
os
elementos
discursivos
foram
exilados
da
poesia.
Parecia
que
o
mais
direto
e
lacônico
seria
o
essencial.
Nada
de
adjetivações,
vamos
para
o
'mundo
substantivo'.
A
obra
O
poeta
se
diferencia
ao
explorar
a
melopeia
(jogos
com
a
sonoridade,
como
aprendemos
em
Pound)
agregada
ao
caráter
imagético
(aqui
atua
a
fanopeia),
em
poemas
lacônicos,
cubistas,
sugestivos,
compactos,
sem
conectivos, onde
as imagens querem ressoar, para serem ouvidas
(uma vez feitas para a audição, daí Audito).
É mister sugerir
mais
do
que
descrever,
jogar
com
as
palavras
mais
do
que
transmitir
uma
mensagem,
assim
mais
lúdico,
mais
plástico
do
que
discursivo.
Reduz
o
texto,
em
enxugamento
radical,
ao
livrar-se
de
conjunções,
advérbios,
até
preposições,
ao
aglutinar
vocábulos,
ao
atirar
a
cena
diante
dos
olhos
do
leitor
(que
deve
reconstituir
a
partir
de
fragmentos),
quando
é
essencial
a
cooperação
da
plateia
(o
efeito
se
completa
na
Recepção).
Uma
poética
composta
de
fragmentos
de
sugestões,
de
alusões,
de
recortes
superpostos,
em
suma,
de
incompletitudes
que
não
totalizam
NO
texto,
mas
em
quem
recebe
os
fotogramas
(poema-foto
ao
estilo
de
Luiz
Edmundo
Alves)
e
recompõe
o
lirismo
possível.
Até
porque
não
encontramos
o
eu-lírico,
aquele
ser
textual
que
tem
voz
nos
poemas
(ausência
que
se
aproxima
mais
ao
estilo
de
Cabral
do
que
de
um
Murilo
Mendes)
no
sentido
de
dizer
algo
(a
mensagem)
a
ser
transmitida
(até
a
Recepção)
num
efeito
que
cria
cumplicidade
(devido
ao
caráter
de
confidência).
O
leitor
adentra
o
mundo
do
sujeito
lírico
e
recebe
confissões
e
pode
se
identificar,
se
comover,
ou
se
horrorizar
(aqui
a
poesia
enquanto
choque,
dissonância,
como
bem
percebeu
Hugo
Friedrich).
É
fato
que
o
poeta
se
esforça
por
captar
fotograficamente
um
momento,
uma
cena,
e
destacando-a,
imprimir
sua
riqueza
vocabular,
seu
olhar
de
câmera
em
pausa,
recortando
e
retocando
as
cores
em
novas
pinturas
surgidas
de
fotografias
que
se
desbotaram.
O
cotidiano,
o
mítico,
a
pequena
iluminura
ganha
novos
contornos
de
novas
molduras,
onde
as
palavras
procuram
tecer
imagens.
O
uso
de
descrição
vem manter
o
efeito
mesmo
com fragmentos, ângulos díspares, ausência de conectivos,
como se fossem retratos estilhaçados,
assim
é
em
'abadia'
(p.
39)
onde
vemos
o
monge
copista
envolto
por
alfarrábios
e
dedicado
ao
serviço
estafante
(e
cegante)
da
cópia
manuscrita,
em
ambiente
não
exatamente
iluminado
ou
ventilado,
tal
qual
no
filme
“O
Nome
da
Rosa”
(baseado
em
romance
do
medievalista
italiano
Umberto
Eco),
estante
bolora
malditos
incunábulos
verso
extravia
pálpebras
doentias
punho
cunha
bárbaras
palavras
grangrenas
feridas
cálidas
autônomo
ânimo
anônimo
dactilodedos
beco
soa
épico
eco
céu
reabre
quasintacto
circundante
sol
inconcluso
obscuro
lapiscreve
puído
papel
árqueo
dorso
plumoso
tacto
indaga
céptico
papiro
vento
vaza
vergadas
venezianas
semblante
escorre
lágrima
sôfrega
compasso
arredonda
châmeo
horizonte
Em
função
da
imagética
temos
toda
um
arcabouço
de
técnicas
poéticas,
metaforizações
e
metonímias,
que
não
tem,
em
si
mesmas,
singularidade.
Contudo,
no
esquema
estrutural
todas
as
técnicas
são
ampliadas,
recebem
apoio
umas
das
outras,
e
mesmo
na
repetição,
conseguem
um
efeito
direto
e
inegável.
Pululam
imagens
cortadas,
dilaceradas,
com
refletidas
em
estilhaços
de
vidro,
ressaltadas
por
uso
vocabular,
por
jogos
de
sonoridade,
por
construtos
super-realistas
(nada
devem
ao
pacto
surrealista
de
sugerir
ilogicidades)
que
partem
de
algo
observado
para
algo
dissonante,
mais
inesperado,
mais
onírico
do
que
visualizado.
Estruturalmente
podemos
destacar
alguns
elementos.
É
perceptível
(sonora
e
visualmente)
uso
e
abuso
de
esdrúxulas,
das
proparoxítonas,
muitas
a
lembrarem
um
certo
vocabulário
simbolista,
penumbristas,
pré-modernista
(ver
Augusto
dos
Anjos
e
Raul
de
Leoni),
que
antes
era
considerado
antilírico
(principalmente
pelo
cânone
parnasiano),
é
de
se
pensar
se
seriam
estas
as
“cármicas
palavras
arcaicas”
(p.
41),
algumas:
glândulo,
semáfora,
cadavéricos,
bárbaro,
ôndulo,
ópticas,
anômalos,
cárcere,
empíricos,
vândala,
víscera,
papírica,
válvula,
hermética,
elíptica,
bússola,
geográfico,
diálogos,
monólogos,
platônico,
anatômica,
cósmico,
híbrido,
sôfrega,
épico,
vocábulo,
frásicos,
claustrofóbica,
trajetória,
trágica,
alquímico,
incrédulas,
gárgula,
epiléptico, incunábulos, antagônicas, excêntricas, emblêmico,
umbráculos, tártaras, espasmódico, autárquica, epifânico,
odissélica, espórtula, apoteóticos, etc
Uso
de
tópicos
frasais
com
nomes,
adjetivos
e
verbos,
com
praticamente
ausência
de
conjunções,
preposições,
artigos,
advérbios,
numa
prática
de
paralelismos
onde
as
ideias
são
dispostas
sem
conectivos,
sem
discursividades.
Temos
vários
cortes,
como
o
mover
de
uma
câmera,
em
várias
takes
(tomadas).
Vejamos
então:
“rostos
gêmeos
/
passos
possessos
/
caos
silencioso
vazio”
(gênese),
“estrelas
enxadristas
/
semáfora
metáfora
/amplolhotacto
/
estampido
clarão
/
abstrusa
luz
robusta”
(aedo),
“cega fonte
culta / suave azul obscuro / tristes olhos extremos / assombrosas
cores vigorosas”
(sombra), “desrosto
/ perpétua nadez / lágrimas cerúleas / andraja cortina bailarina”
(cimo), “céu
arborizado / tardes vespertinas / lustres contorcionistas / elipses
de luzes anatômicas”
(labirinto dos deuses), “saga
da folha branca / mentecapta mentalização / resto poético do sol
epiléptico / mognos imóveis / ponteiros poeirentos / lembranças
desvanecidas”
(pardieiro), “céu
reabre quasintacto / circundante sol inconcluso / obscuro lapiscreve
puído papel / árqueo dorso plumoso / tacto indaga céptico papiro”
(abadia),
Mais
exemplos aqui em: “caos
fisionômicos
/
noites
resplandecentes
/
reflexo
da
sombra
luminosa
/
palma
espalma
calma
platibanda
/
branca
neutralidade”
(espelho),
“órgão
sustenido / corcovado enevoado / diviníssimo vidro retilíneo /
restos genéticos / patéticos métodos sedutores”
(metropolitano), “pombosgeômetros
/ arco rearco florarcos / litúrgicas ruas deserdadas / entardecer
destorce edifícios”
(domingo), “beatos
joelhos dobrados / giro lógico relógio / brancas asas aureoladas /
asfalto solta flácido vapor”
(cidade), “vasta
quietude panorâmica / céu bordô / espórtula solar /
multiplatonalidades / sangrenta carne oceânica”
(prismas),
Num
movimentar
lúdico
das
palavras,
que
valem
mais
pelo
som
do
que
exatamente
por
qualidades
semânticas
(i.e.,
de
sentido),
afinal num livro intitulado Audito,
que é para aguçar a audição, é para ser dito,
assim é
abundante
o
uso
das
sonoridades,
explicitadas
em
assonâncias,
aliterações,
rimas
internas,
rimas
toantes,
exploração maciça de melopeia
para conseguir os efeitos dissonantes em : “brinquedos
enlouquecidos”
e
“pérfidos
perfis
perfilados”
(gênese),
“sólida
solidão”
(anjo
torpe),
“semáfora
metáfora”
(aedo),
“céu
cerúleo”
(bárbaro),
“suicídio
súbito”
(noite),
“tropel
trôpego”
e
“infinitivo
infinito”
(cimo),
“sol
sóis
solstícios”
e
“vereda
verseja
verdes
versos”,
além
de
vulva
/
vácuo
/
válvula
(ideograma),
“memória
marmórea”
e
“carranca
escancara
estrábicos
florlábios”
(exprinssionismo),
plexo
/
placenta
,
fecunda
/
“focos
feixes
fluxos”,
“purpúreos
/
perpétuas
paredes”
(cárceres),
“caricata
criatura”
,
“mentecapta
mentalização”,
“ponteiros
poeirentos”
(pardieiro),
“autônomo
ânimo
anônimo”
e
“beco
soa
épico
eco”
(abadia),
“órbita
monóloga
da
lua
alcoólatra”
(escarlate),
“veia
virgem
violenta
violino”
e
“rósea
rubra
aurora”
(feira),
“grave
ave
voa
suave
/
aguda
voz
veloz”
e
“várzea
verte
verde
erva”
(arestas),
“barroco
barraco”
(ritmos);
Mais
amostras aqui: “chuva
turva
túrgida
turba
/
azul
vedado
pelo
cinza”
(círculos),
“sol
aço
solaço”
e
“simultâneos
simulacros”
(rotação),
“tortuosa
torrente”
(tempestade), “metáfora
dos semáforos / fluxos reflexos flexionados”
(divina estação), “íris
idílica delira lírico estribilho”
(faróis), “barco
áureo abarca voz arcada”
(matinal), “arco
rearco florarcos”
(domingo), “fêmea
treme frêmito emblêmico”
(inverno), “glútea
fumaça fúmea”
e
“chão chumba rastros rubros”
(quadro), “giro
lógico relógio”
(cidade), “navio
navega vástido vazio”, “texto táctil”
e “figuras
falhadas”
(mirante), “fulvo
fluxo flúvio”
e “lua
pontua plácida lagoa”
e “ciclos
cíclicos”
(espiral), “tentáculo
tatuado”
, “rústica
ruptura”
e
“flâmulas inflamadas”
(fluxo epifânico), “tinta
isca palavras ariscas”,
“ansiada
enseada”
e “ciclistas
expressionistas”
(infindolimite).
Percebemos
a
formação
de
palavras
com
estilo
cubista
com
imagética
aglutinação,
como
encontramos
no
estilo
do
irlandês
James
Joyce,
do
alemão
Arno
Holz
(segundo
apontam
os
irmãos
Campos)
e
do
brasileiro
Guimarães
Rosa,
criadores
de
palavras,
os
neologismos.
Aqui o poeta aglutina substantivos e substantivos, ou adjetivos e
substantivos, ou adjetivos e adjetivos, até advérbios e
substantivo, e assim potencializa o valor semântico. Aqui
alguns
exemplos:
“gasfixia”
(bárbaro),
“amplolhotacto”,
“homemempalhado”
e
“sombreadolhos”
(aedo),
“floralumínia”,
“estrelárvore”,
“escarradefeca”,
“mijadomuro”,
“frutopedras”,
“amalgamalma”,
“verbovíscero”,
“galocanta
outraurora”,
“sanguineafumeguenta
chamazulada”
e
“euterônimo”
(sísifo),
“demonianjo”
(cimo),
“entreletras”
(ideograma),
“simbolossonoros”,
“florlábios”
(exprinssionismo),
“arcoíris”
(labirinto
dos
deuses),
“alquimiando”
(pardieiro),
“quasintacto”
e “lapiscreve”
(abadia),
“ciclossínteses”
(claustro),
“roseocéu
violentavermelhado”
e
“cranioconcentrado”
(casulo),
“mansardocéu”
(feira),
“quasáspero”
e
“poentenfurecido”
(arestas),
“estrelua”
(ritmos),
“filteia”
e
“multiplespelholho”
(rotação).
Continuam
os exemplos, explorando ainda os mecanismos de formação de
palavras, aglutinando, fundindo, comutando: “lagoalúgubre”
(metropolitano),
“circumbrilha”,
“cascarogrosso
rebocobarroco”,
“ralagrama”,
“circunflexossibilos”,
“alviglauco”,
“murúmidos”,
“neblinasfaltos”,
“turvavenidas”
(matinal),
“pombosgeômetros”
(domingo), “fogofátuo”
(inverno), “bacovos”
e “lombadoliquido”
(cidade), “maremarcharré”
, “cinzazulado”,
“mulherespelho”
(mirante), “maroceano”,
“mineriocárneo”,
“mitomármore”,
“mamutemíferos”,
“liquidaflorafaunas”,
“espadopeixes”,
“labirinfinito”,
“expediexplorado”,
“continentesticado”
(maroceano), “cinzabala”,
“almaçopacoiluminado”
e “esfingelegíaca”
(ossos marítimos), “pedraçucarada”,
“espaçoquádruplo”,
e “circundogirante”
(espiral), “claustroazul”,
“torrelétricas”, “circulocentrífugo”
e “infernocéu”
(fluxo epifânico), “lacrimopráteos”,
“losangonuvens”, “rochedoensaboados”, “multiplatonalidades”,
“maranimalesco”
e
“flocoblocos”
(prismas), “infindolimite”,
“verdenegra sombrarbórea”,
“petalaços”
e “trafegomonótono”
(infindolimite).
No
mais
o
texto
se
explica
(digo
texto,
pois
pergunta-se:
onde
está
o
eu-lírico?
a
persona
poética?
Quem
diz
algo
aqui?
Ou
a
linguagem
se
manifesta? Em
que nível a impessoalidade
é possível? O Autor se ausenta e deixa morfemas e sintagmas?
)
traz
em
si
o
próprio
manual
de
instruções,
de
sua
receita
estrutural,
como
percebemos
em
alguns
trechos:
“imagens
metafóricas
dobrando
madrugadas”
(noite)
e
“vocábulos
costurados
no
hermetismo
noturno”
(facho
desértico),
“rima
instiga
mimicas
figuras
/
lápis
riscando
versos”
(claustro),
“ardentes
consoante
versejadas”
(ascese),
“culto das
estupendas imagens”
(divina estação), uma poética tessitura de “fantásticas
sensações ilusionistas / intersecção de realidades antagônicas”
(espelho), “mão
contorna busto brusco / lápis sombreia página branca”
(fluxo epifânico), dentre outros, sem que uma VOZ interfira a tecer
considerações ou confissões. Temos apenas os movimentos da câmera.
Os
vários
recursos
estruturais,
e
as
várias
figuras
de
linguagem,
reunidos,
recompostos,
aglutinados
sugerem
ao
leitor
as
imagens,
pinçadas do senso cotidiano,
para
ambientes
mais
simbolistas,
com
amplo
uso
de
claro-escuro
e
sinestesias.
É
preciso
acercar-se
do
poema
para
constatar
o
efeito,
como
o
exemplo
“claustro”
(p.
41),
do
qual
reproduzimos
o
início,
tacto
acústico
acopla
rústico
silêncio
turbilhão
rítmico
clipsa
saliências
rima
instiga
mimicas
figuras
lápis
riscando
versos
gestos
guturais
nó
germinal
oásis
frásicos
silêncio
sonorizado
ácido
vocábulo
assonante
[…]
também
em
“bustos”
(p.
85)
onde,
ao
estilo
ultra-simbolista
do
francês
Mallarmé,
o
poeta
prefere
sugerir
do
que
descrever,
aqui
o
vulto
feminino,
vermelhos
tarjam
nítidos
contornos
brincos
luzem
orelhas
cerúleas
broncos
ombros
sombreados
ossudas
mãos
artesãs
fêmeo
espelho
nu
eunuco
vulto
plúmbeo
pele
expele
sol
seminal
tácitas
partículas
líricas
[...]
Muitas
imagens
refletem
o
não-sentido
que
encontramos
no
surrealismo
com
sua
poética
sugestiva,
imagética,
mas
irracional,
ilógica
e
sinestésica,
“silêncio
envermelha
crepúsculo
sangrento”
(anjo
torpe),
“cáustica
sonoplastia
solar
/
cheira
áfano
porão”
e
“luz
navalha
cárnea
fisionomia”
(bárbaro),
“sentado
no
abismo
mastigo
minha
sombra”
(noite),
“sonhos
evaporam silêncio mortificado”
(sombra), “aurora
desopaca toscas roupagens”
(cimo), “chama
lácrima das cores nervosas”
(exprinssionismo), “ríspido
fio cósmico trilha híbrido arcoíris”
(labirinto dos deuses), “cilíndricas
siglas labirínticas / varzeanas nuvens controversas”
(cárceres), “incêndio
lírico da tímida lamparina / gatos alquimiando no solo brando do
assoalho”
(pardieiro), “chama
tênue
das
velas
incrédulas”
(ascese),
“crânio
penetrado
por
imagem
selvagem”
(XXXVI);
Mais
exemplos surreais em “órbita
monóloga
da
lua
alcoólatra”
(escarlate),
“fátuo
círculo
circunda
túmida
esfera”
(rotação),
“devasto
imovimento
das
ondas
revoltadas”
(tempestade),
“frascos
entrecortados por frisos rubros / luminosidade filtrada nos braços
arbóreos”
(divina estação), “ocasos
aram contornos longitudinais / absurda quantidade de infinito”
(luas), “esférica
imersão no espelho insalubre”
(metropolitano), “sísifo
crepúsculo / ansia flanco anuviado / facho esfarela gráfico muro”
(quadro), “ladrilhos
espirros suspiros anseios / prátea cítara plúvia embaça retinas”
(cidade), “glácio
clitóris expediexplorado / continentesticado cordão umbilical”
(maroceano), “arcanjo verseja arco metálico / crepúsculo esmorece
épico muro” (fluxo epifânico),
Dentro
das
(i)lógicas
do
surrealismo
se
explica
o
uso
de
oxímoros,
em
imagens
contraditórias,
mesmo
menos
abundante,
é
explícito:
“inaudíveis
audições”
e
“dádiva
maldita”
(asceses),
“silêncio
sonorizado”
(claustro),
“supliciados
berram blasfêmias divinas”
(XXXVI), “lábio
descrente sofisma blasfêmias”
(facho desértico), “silêncio
incendeia frígidos ocasos”
(inverno), “relâmpago
retarda lacônico som”
e “epitáfio
eterniza dramático ocaso”
(ossos marítimos), “escaldante
infernocéu”
(fluxo epifânico), “infindolimite”,
dentre outros, que explicitam o quanto a linguagem permite estados
alterados de sentido, de coerência, num mosaico de contraditos
que nos mesmerizam.
Ao
lembrarmos
de
outro
poeta
do
surrealismo
nacional,
José
Geraldo
Neres (cuja
poética
foi
tema
de
ensaio
já
divulgado
recentemente), a
diferença
entre
o
estilo
de
Neres
e
Castro
é, basicamente,
que
no
primeiro
encontramos
maior
discursividade,
conexões,
mais simbolismo, do
que
no
segundo
onde
há
cortes,
deslocamentos,
flashes,
colagens
cubistas.
Citemos
um
trecho
do
ensaio
sobre
Outros
Silêncios,
Podemos
falar num lado mágico-místico da poesia imagética? Ou num
xamanismo verbal é possível ? Sacerdócio que passa pela iniciação
com as palavras-verbetes-em-estado-de-dicionário (novamente
lembramos Drummond) ? Uma luta cotidiana com as palavras? Um
reverenciar a semântica e incensar a sintaxe? Ou antes, um culto
iconoclasta que incendeia as bíblias-gramáticas do dogmatismo?
Pois
há uma Estética. Esta é necessária para veicular as imagens, que
não são tão espontâneas e derramadas como podem parecer. Na
escrita há o tipo, a fonte, as letras sobre um papel em contraste. É
neste espaço visual que o verbo se despedaça, atomiza cada palavra
escorre pela página no arranjo gráfico, [...]
Neres
trabalha no campo da discursividade ao praticar intertextualidades,
ao mesclar imagens surreais e simbolistas, não apenas evocativas mas
também invocativas, ao presentificarem arquétipos. Símbolos que se
auto-digerem, símbolos que levam para fora da própria poética,
algo de mágico. No mais, a exploração gráfica, o derrame de
versos na diagramação da página. Elementos que se ausentam na
poética de Castro, dado a implodir símbolo e disposição gráfica,
mais concentrado nas repetições de estruturas (que possuem incisivo
efeito, mas que esfarela-se se excessivamente repetitivo) acima das
sugestões (mais ao agrado de um Mallarmé), o que pode ser
fatigante, a menos que o leitor adentre um poema por vez, no máximo
dois por dia, e siga a digerir liricamente estrutura por estrutura,
imagem por imagem, como se cada poema fosse o único da espécie.
Esperamos
que o poeta Flávio Castro continue em sua labuta imagética, lúdica,
sugestiva, sem olhar para os lugares-comuns, sem seguir qualquer
ismo, com auto-crítica, auto-reciclagem, dedicado a garimpar
novas estruturas, sem correr o risco de se repetir (e nada pior que
uma auto-clonagem!), pois é o risco que o autor corre ao publicar
poemas com os mesmos recursos e estruturas. Certamente a Crítica não
deve receitar soluções nem indicar rumos – uma vez que o poeta
tece o fio da lírica (ou antilírica) retirando matéria-prima da
própria vivência e leituras – mas deve contextualizar, valorizar,
incentivar, e aguardar ansiosamente por novas páginas, novos
experimentos.
dez/12
Leonardo
de Magalhaens
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