Fernando
Pessoa: Faces e Sombras
(sobre
a escrita heteronômica de Fernando Pessoa – breve ensaio)
Um
dos temas mais inusitados da literatura moderna é o dos heterônimos
de Fernando Pessoa, o célebre poeta lusitano que foi reconhecido
depois de morto. A condição fragmentária, de muitas perspectivas,
de seus 'outros autores' tem importunado os bons literatos desde o
momento em que o baú do poeta foi aberto em pública exumação.
Pois
enquanto
vivo
Fernando
Pessoa
somente
foi
reconhecido
pela
obra
Mensagem,
publicada
em
1934,
quando
de
um
concurso
a
nível
nacional,
sendo
os
demais
poemas
publicados
com
frequência
em
revistas
literárias,
a
saber,
Orpheu,
Centauro,
Portugal
Futurista,
Atena,
Presença,
Momento,
Sudoeste,
Seara
Nova,
dentre
outras,
desde
1915,
quando
levou
a
público
poemas
que
escrevia
desde
1911/12,
com
inspirações
ora
clássicas,
ora
ocultistas.
Para
lidar com suas múltiplas influências, Pessoa passou a ser
'pessoas', cada uma com características próprias e estilos
peculiares. Faces múltiplas para melhor apreender o mundo, uma vez
que não existe uma perspectiva ideal para se enxergar tudo. Então -
semelhante ao deus dos gnósticos - Pessoa resolveu se 'despedaçar',
se fragmentar para melhor sentir de todos os modos em todos os
momentos. Mas para isso - para tornar-se mais 'futurista' - ele
precisou 'matar' o seu eu mais naturalista, mais agrário, mais
'sossegado', o seu mestre Alberto Caeiro.
Quem
é
Alberto
Caeiro?
Ele
diz,
"Sou
um
guardador
de
rebanhos.
O
rebanho
é
os
meus
pensamentos
E
os
meus
pensamentos
são
todos
sensações."
Ou
seja,
ele
logo
diz
que
é
mais
sensações,
mais
emoção
do
que
razão,
enquanto
sabemos
-
bons
leitores
que
somos
-
que
Pessoa
é
do
tipo
racionalista,
mesmo
com
suas
lições
de
astrologia...
Em
contrapartida,
Álvaro
de
Campos
é
emoções
em
torvelinhos,
mas
ainda
muito
erudito,
muito
culto,
muito
cheio
de
conhecimentos,
os
mesmos
que
Caeiro
não
detém.
Então
como
poderia
ser
Caeiro
e
Campos
ao
mesmo
tempo?
Caeiro
é
reconhecido
como
'mestre',
mas
deixado
à beira
do
caminho.
Não
há
lugar
para
o
seu
olhar
de
girassol,
ainda
mais
num
mundo
tecnocrata
a
sempre
cobrar
informações,
conhecimentos
enciclopédicos,
miríades
de
filosofias
e
dogmas,
pois
Caeiro
tem
mais
é
sentimento,
"Eu
não
tenho
filosofia:
tenho
sentidos...
Se
falo
na
Natureza
não
é
porque
saiba
o
que
ela
é,
Mas
porque
a
amo,
e
amo-a
por
isso,",
ou
seja,
ele
ama
SEM
SABER,
sem
ficar
se
explicando,
sem
ficar
se
justificando.
Logo
Caeiro
morre
e
sobra
o
desassossego.
Morre
o
lado
positivo
de
Whitman
em
Pessoa,
e
sobra
o
Bernardo
Soares
a
querer
se
explicar.
Aquele
livro
indigesto,
O
Livro
do
Desassossego.
Amontoado
de
desculpas
e
falências.
Mas
é
que
Pessoa
ele-mesmo
vivia
em
atribulações
emocionais
e
deixa-se
seduzir
pelos
ocultismos
disponíveis
e
obscuros,
em
visitações
com
Aleister
Crowley,
em
consultas
com
teosofias
outras,
sem
encontrar
um
lugar
no
mundo,
sem
saber
quem
ele
realmente
era.
Ele
era
muitos,
como
se
dizia
Whitman.
Mas
Whitman
tinha
se
livrado
de
seu
lado
sombrio
(seu
lado
Poe,
digamos)
enquanto
Pessoa
ele-mesmo
era
o
pessimista
leitor
de
Baudelaire,
de
Poe,
de
simbolistas
decadentes,
enquanto
buscava
um
classicismo
régio
já
inexistente,
em
odes
(as
de
Ricardo
Reis)
que
mais
evocavam
um
passado
de
planícies
romanas
e
rios
povoados
por
ninfas
e
faunos.
Uma
idealização
da
"calma
e
do
sossego",
uma
vez
que
o
"calmo
e
sossegado",
o
finado
Caeiro,
não
poderia
mais
ser
o
homem
natural.
Então
daí
o
"o
poeta
é
um
fingidor",
pois
Pessoa
era
consciente
de
sua
obra
de
'fingimentos'
para
expressar
exatamente
quem
ele
era
-
um
homem
em
fragmento,
um
'pessoas'.
Lendo
Whitman
-
e
desejando
ser
Whitman
-
e
lendo
Horácio
e
Virgílio
-
e
querendo
ser
um
poeta
latino,
e
lendo
e
traduzindo
Poe
(The
Raven
e
Annabel
Lee)
e
Crowley
(Hino
a
Pã),
o
'lado
sombrio'
que
nem
toda
a
tecnocracia
do
mundo
poderia
sufocar
(vide
a
alta
tecnologia
alemã
envolta
em
paganismo
nazista!)
Ou
melhor,
o
'lado
sombrio'
é
impossível
de
ser
sufocado
-
por
mais
que
as
odes
sejam
'singelas'
ou
'puras'
há
todo
um
rancor
-
que
é
próprio
de
um
Baudelaire!
E
em
Caeiro
há
um
ideal
de
progresso
-bem
ao
gosto
dos
futuristas
-
mas
um
rancor
com
o
progresso!
Um
auto-deprezo
(demonstrado
em
"Poema
em
linha
reta"!),
o
sentimento
de
não
ser
moderno
o
suficiente
(o
que
é
ser
moderno?
Vide
um
Rimbaud,
por
exemplo!),
um
imolar-se
em
emoções
(que
as
odes
sejam
triunfais
ou
ébrias-marítimas
são
sempre
um
esfaquear-se
lírico!),
onde
não
há
lugar
para
um
(digamos)
homem
ÍNTEGRO?
Que
sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser
o que penso? Mas penso tanta coisa!
E
há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode
haver
tantos!
(Tabacaria,
Álvaro
de
Campos)
Não
um homem natural, mas máscaras. Não há uma integridade mental, mas
construtos de personalidade que vazam em versos num papel. Daí a
morte do 'eu natural', o rural Alberto Caeiro, o simples, a face
PANTEÍSTA, de amor com tudo, o lado positivo que encontramos num
Whitman, e se conservam a face OBSCURA, dele mesmo, fã de Poe,
Baudelaire e Crowley, lado a lado com a face FUTURISTA, Álvaro de
Campos, cantando e regurgitando o progresso, e a face PESSIMISTA, do
tipo clássica, um Ricardo Reis, sóbrio e intimista, afogado em
odes; e do tipo urbana, um Bernardo Soares, apagado cidadão, a
rabiscar notas dignas de um Schopenhauer.
Quem
é
Fernando
Pessoa?
Certamente
o
homem
que
matou
Alberto
Caeiro.
O
mestre
que
ele
carregou
pela
vida
toda
-
e
nunca
conseguiu
ressuscitar.
O
olhar
de
girassol
que
todo
menino
tem
e
que
se
perde
num
mundo
de
mascaramento
e
espelhos
disformes.
Um
saudosismo
do
"ser
íntegro'
quando
adultos
somos
chamados
a
adotar
papéis
sociais,
de
estudante,
noiva,
marido,
empregado,
patrão,
desempregado,
viúva,
cidadão,
moça
de
família,
prostituta.
E
onde
a
'integridade',
ou
a
'autenticidade'
?
Quando
quis tirar a máscara,
Estava
pegada à cara.
Quando
a tirei e me vi ao espelho,
Já
tinha envelhecido.
(Tabacaria)
Num
mundo
de
máscara
não
há
lugar
para
a
autenticidade.
E
hipócritas
entre
hipócritas
vamos
seguindo
a
vida.
Fernando
Pessoa
consciente
desse
'teatro'
ainda
ironiza
a
própria
cons-ciência
derramada
em
seus
"versos
inúteis",
Deitei
fora a máscara e dormi no vestiário
Como
um cão tolerado pela gerência
Por
ser inofensivo
E
vou escrever esta história para provar que sou sublime.
(Tabacaria)
A
Escrita, assim, é vista como uma referencial para o sujeito que se
expressa, pode desabafar, pode se fazer valer por sua Arte. Ele diz
nada ser, mas é alguém que é capaz de escrever sobre este
sentimento de nulidade. Sem este testemunho de auto-consciência
nossas vidas seriam ainda mais vazias.
Jun/08
revsd:
dez/12
Por
Leonardo
de Magalhaens
Poemas
traduzidos por
F. Pessoa