quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Eric Hobsbawm sobre o Jazz e as vanguardas



Eric Hobsbawm


o Jazz e as vanguardas

havia na verdade duas artes de vanguarda que todo os porta-vozes da novidade artística, em todos os países, podiam com certeza admirar, e as duas vinham mais do Novo que do Velho Mundo: o cinema e o jazz. []

O 'jazz' da 'Era do Jazz', ou seja, uma espécie de combinação de negros americanos, dance music rítmica sincopada e uma instrumentação não convencional pelos padrões tradicionais, quase certamente despertou aprovação universal entre a vanguarda, menos por seus próprios méritos que como mais um símbolo de modernidade, da era da máquina, um rompimento com o passadoem suma, outro manifesto de revolução cultural. A equipe da Bauhaus [inovadora escola alemã de Arquitetura] se fez fotografar com um saxofone. A paixão autêntica pelo tipo de jazz hoje reconhecido como a grande contribuição dos EUA à música do século XX continuou sendo rara entre intelectuais estabelecidos, de vanguarda ou não, até a segunda metade do século. Os que a cultivaram, como eu depois da visita de Duke Ellington a Londres em 1933, eram uma pequena minoria.

Qualquer que fosse a linguagem local de modernismo, entre as guerras ele se tornou o emblema dos que queriam provar que eram cultos e atualizados. Se se gostava ou não, ou mesmo se se tinha ou não lido, visto ou ouvido obras dos nomes aprovados e reconhecidos – por exemplo pelos alunos de literatura inglesa da primeira metade da década de 1930, T. S. Eliot, Ezra Pound, James Joyce e D.H. Lawrence - , era inconcebível não falar deles com conhecimento. E o que é talvez mais interessante: a vanguarda intelectual de cada país reescreveu ou revalorizou o passado para encaixá-lo nas exigências contemporâneas. [...]

pp. 182; 183-84;


[...] o acontecimento mais impressionante e, a longo prazo sob o impacto dessa área foi o desenvolvimento do jazz nos EUA, em grande parte sob o impacto da migração dos negros dos estados do Sul para as grandes cidades do meio-Oeste e Nordeste: uma autêntica arte musical do artista profissional (basicamente negro).

O impacto de algumas dessas inovações ou acontecimentos populares ainda era restrito fora de seus ambientes locais. Também era ainda menos revolucionário do que viria a tornar-se na segunda metade do século, quando - para tomar o exemplo óbvioum idioma diretamente derivado do blues negro americano se tornou, na forma de rock'n'roll, uma linguagem global de nossa cultura. Apesar disso, porémcom exceção do cinema - , o impacto dos meios de comunicação de massa e da criação popular foi mais modesto do que se tornou na segunda metade do século ; era enorme em quantidade e impressionante em qualidade, sobretudo nos EUA, que começaram a exercer uma inquestionável hegemonia nesses campos, graças a sua extraordinária preponderância econômica, seu firme compromisso com o comércio e a democracia, e , após a Grande Depressão, a influência do populismo rooseveltiano. No campo da cultura popular, o mundo era americano ou provinciano. []p. 196

Também aqui, o triunfante 'musical' da Broadway dos anos entreguerras, e as músicas para dançar e baladas que o recheavam, era um gênero burguês, embora impensável sem a influência do jazz. Era escrito para um público nova-iorquino de classe média, com libretos e letras visivelmente dirigidos a uma plateia adulta, pessoas que se viam como emancipadas, sofisticadas e urbanas. Uma rápida comparação das letras de Cole Porter com as dos Rolling Stones mostrará isso. Como a era de ouro de Hollywood, a era de ouro da Broadway baseava-se numa simbiose de plebeu e respeitável, mas não era vulgar.


A novidade da década de 1950 foi que os jovens das classes alta e média, pelo menos no mundo anglo-saxônico, que cada vez mais dava a tônica global, começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem das classes baixas urbanas, ou que tomavam por tais, como seu modelo. O rock foi o exemplo mais espantoso. Em meados da década de 1950, subitamente irrompeu do gueto de catálogos de 'Raça' ou 'Rhythm and blues' das gravadoras americanas, dirigidos aos negros pobres dos EUA, para tornar-se o idioma universal dos jovens, e notadamente dos jovens brancos. Os jovens operários almofadinhas do passado às vezes tomavam seus estilos da alta moda na camada social alta ou de subculturas de setores da classe média, como a boemia artística; as moças operárias, mais ainda. Agora parecia verificar-se uma curiosa inversão. O mercado de moda para os jovens plebeus estabeleceu sua independência e começou a dar o tom para o mercado grã-fino. []p. 324


trad. Marcos Santarrita


inEra dos Extremos, Cia das Letras, 1995


seleção by LdeM

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