Gota
a
Gota
LdeM
Seria
um
dia
comum
para
Otoni
não
fosse
a
falta
de
água.
Isto
nunca
acontecera
antes!
Não
por
tanto
tempo!
Pois
se
a
companhia
de
água
fosse
interromper
o
fornecimento,
para
melhorias
no
abastecimento,
segundo
informavam,
ele
sempre
estocava
água
nos
galões
sob
a
pia.
Lá
estavam
os
20
litros
de
água
para
as
necessidades
mais
urgentes.
Reserva
para
emergências
mesmo.
Estendeu
a
roupa
lavada
no
varal,
lá
nos
fundos,
onde
brilhava
o
sol
antes
de
se
ocultar
detrás
das
mangueiras
do
quintal
vizinho.
Depois
resolveu
aproveitar
para
tomar
um
banho
caprichado.
Otoni
só
percebeu
de
fato
a
falta
de
água
quando,
despido
sob
a
ducha,
esperou
o
jato
morno
e
relaxante
e
...
nada.
Abriu
toda
a
torneira,
já
desconfiado,
e
somente
sentiu
gotejar
uns
pingos
poucos.
Então
ele
percebeu:
não
é
que
havia
gasto
o
resto
da
água
para
lavar
aquele
aconcágua
de
roupas?
Que
vacilo,
brother!
Depois
restou
estranhar
quando
passou
a
tarde
e
nada
do
murmurar
da
água
na
caixa
d'água
ao
anoitecer.
Como
passaria
agora
sem
os
20
litros?
Afinal,
foi
o
suficiente
para
fazer
o
almoço
e
ele
passou
longe
de
lavar
talheres
e
pratos.
Queriam
deixar
o
cidadão
mais
de
doze
horas
sem
água?
Ah,
era
pra
processar!
Ligou
logo
para
o
Rubens,
ali
ao
lado.
O
quê?
Desde
a
madrugada?
Daqui
a
pouco
24
horas
sem
uma
gota!
E
o
encontro
com
a
Patty?
E
aquele
banho
especial?
E
a
geral
atrás
das
orelhas?
Ora,
que
sacanagem,
brother!
Será
o
bairro
todo?
A
cidade
toda?
Não!
Era
só
ligar
pro
Roney!
Eis
a
solução!
Afinal,
o
encontro
com
a
Patty
na
Praça
era
às
oito
horas...
-Ei,
Roney!
Sabe
da
última?
Estou
sem
água
aqui!
Sério!
Desde
manhãzinha...
E
vou
sair
com
a
Patty...
Acredita?
Logo
hoje!
Pode?
Sei...
Não,
é
que
preciso
de
um
banho,
cara!
Pode
ser...?
aí
na
sua
casa...
Rapidão...
Gente
boa,
o
Roney.
Um
banho,
ao
menos!
Era
só
descer
até
a
avenida,
pegar
um
ônibus...
Tomar
um
banho...
E
de
lá,
da
casa
do
Roney,
tinha
um
coletivo
até
o
centro...
A
operação
foi
um
sucesso.
Banho
tomado,
orelhas
lavadas,
roupa
limpa.
Rumo
a
Praça.
E
depois
um
modesto
motel,
claro!
pois
como
receber
sua
querida
num
barraco
sem
água?
Passar
esta
vergonha...
E
se
ela
vai
achar
que
não
paguei
a
conta
de
água...?
Okay.
A
noite
no
motel
seria
melhor
se
tivesse
água
em
abundância.
Mas
parece
que
até
lá
o
pessoal
estava
racionando
água...
Impressão?
Mas,
de
qualquer
modo,
tinha
mais
água
do
que
em
casa...
Por
uma
noite
ele
passou
longe
do
pesadelo...
Na
manhã
seguinte,
de
volta,
a
primeira
coisa
que
Otoni
fez
foi
abrir
as
torneiras.
Foi
que
bastou
para
voltar
ao
pesadelo!
Nem
uma
gota!
Seria
assim
o
seu
fim
de
semana?
Estaria
no
polígono
da
seca?
Não
era
possível...!
Ainda
bem
que
água,
pura
e
fresca
para
beber,
ainda
tinha
– mas
por
pouco
tempo.
Era
preciso
ir
até
a
padaria
e
comprar
mais
uns
cinco
litros.
Foi
o
que
fez
de
imediato.
Não
sem
antes
passar
na
casa
do
Rubens,
onde
o
pessoal
já
arrumava
as
malas
– todo
mundo
pro
sítio!
Boa
ideia!
Não
tem
água
no
bairro
– então
vamos
para
o
campo...
Ah,
por
que
não
um
banho
de
cachoeira?
Mas
Rubens,
apesar
de
grande
amigo.
não
fez
qualquer
convite,
e
Otoni
não
se
convidou.
Afinal,
era
um
passeio
de
família,
até
a
vovó
seguiria
no
banco
de
trás,
saudosa
dos
rios
de
águas
cristalinas
na
área
rural,
lá
pros
lados
de
Brumadinho.
Daí,
para
lá
de
frustrado,
Otoni
resolve
comprar
logo
dois
galões
de
5
litros
na
padaria
mais
próxima.
E
assim
pelo
menos
pode
encher
o
filtro
e
fazer
uma
sopa...
Ou
seria
melhor
almoçar
em
restaurante?
Mas,
os
dois
restaurantes
mais
próximos
estavam
fechados...
Afinal,
faltava
água
em
todo
o
bairro,
melhor:
em
toda
a
região...
Cozinhou
o
que
podia
cozinhar.
Almoçou
contrariado.
Ligou
para
a
Patty
para
saber
se
estava
tudo
bem.
Não
estava.
A
sua
querida
também
estava
sem
água!
E
ela
mora
em
outra
regional
!
Que
conspiração
era
esta?!
E
se
a
gente
visitasse
a
Paloma?
Que
tal?
A
gente
passa
a
tarde
lá
e
aproveita
para
tomar
um
bom
banho!
Ideia
concebida,
plano
tramado,
lá
foram
Otoni
e
Patrícia
fazer
uma
visita
a
amiga
Paloma,
que
mora
com
o
namorado
na
área
central,
diante
da
praça
circular
ao
estilo
mandala,
com
arbustos
globulares,
onde
os
passantes
e
mendigos
se
refrescavam
junto
a
fonte
esguichante.
Alguns
mais
enlouquecidos
se
jogavam
dentro
da
fonte,
apenas
para
serem
prontamente
expulsos
por
guardas
de
uniformes
azuis,
aqueles
que
zelam
pelo
patrimônio
municipal.
-Oi,
Paloma!
Tutto
bene?
Viemos
jogar
conversa
fora.
Mas
é
que
estamos
com
um
problema
com
a
água...
quero
dizer,
estamos
sem
água
desde
ontem...
A
gente
aqui...
eu
e
a
Patty...
se
não
for
abusar
muito...
a
gente
poderia
tomar
um
banho?
Coisa
rápida...
-Claro,
claro!
Mas
que
história
é
esta?
Não
tem
água
no
seu
bairro?
-
A
amiga
Paloma
não
acreditaria
que
algo
assim
ocorresse
em
pleno
século
21,
certamente.
Banho
tomado,
cocktail
servido,
bebida
para
refrescar.
Assim
passou
a
tarde
e
tardezinha
bem
agradável.
Novamente
Otoni
esqueceu
seu
drama.
Bastou
chegar
em
casa
– noitinha
de
domingo!
-
para
sentir
o
fardo
do
tempo
– e
da
seca.
Ah,
o
domingo!
Já
carrega
aquela
ameaça
de
segunda-feira!
Pelo
menos
otoni
poderia
ir
para
o
serviço
em
outra
região
e
lá
ficar
sossegado.
E
assim
aconteceu.
Ele
trabalhou
o
dia
todo,
digitando
listas
e
relatórios,
lavou
o
rosto
à
vontade
no
WC,
nunca
idolatrou
tanto
a
água.
Ao
voltar
para
casa
sentia
ainda
mais
a
falta.
Como
fazer
a
janta?
Como
tomar
um
banho?
Como
se
mostrar
apresentável
no
serviço
na
manhã
seguinte?
Ligou
para
Roney
e
explicou
a
estranha
situação.
Sim,
que
ele
ficasse
à
vontade
para
passar
cedinho
cedinho
e
tomar
um
bom
banho.
Gente
boa,
o
Roney!
Sem
palavras
para
agradecer.
Assim
se
resolvia
a
vida
de
Otoni,
sem
a
água.
Durante
dois
dias
cuidou
do
banho,
como
se
fizesse
um
ritual,
na
casa
do
amigo.
Até
que
a
água
acabou
também
lá!
Toda
a
cidade
estava
sem
água!
Foi
assim
na
manhã
de
quarta-feira!
A
água
acabou
geral
!
Há
rumores
de
catástrofe.
Rompimento
da
adutora?
Poluição
dos
mananciais?
Ninguém
sabia
ao
certo...
Alguns
já
corriam
aos
supermercados
para
comprarem
os
estoques
de
água
mineral
em
galões...
Em
breve
a
água
seria
artigo
de
luxo?
Seria
o
fim
da
civilização?
Era
o
que
faltava:
afinal,
ele
não
vivia
no
'planeta
água'?
Pelo
menos,
água
corrente
faltava.
Quem
tinha
cisternas
poderia
se
salvar...
Quem
tinha
um
reservatório
no
quintal...
O
prudente
morreu
de
velhice,
non
è
vero?
Pois
é...
Quem
pode
corre
logo
ao
supermercado
e
compra
água...
Antes
de
começarem
os
saques
e
quebra-quebras...
Otoni
já
estava
pensando
em
fugir
com
um
casaco,
um
edredom
e
um
saco
de
dormir,
rumo
às
montanhas
e
aos
mananciais,
quando
ouviu
no
rádio
a
informação
oficial
sobre
a
falta
d'água.
Sempre
o
governo
querendo
manter
o
controle
ao
sonegar
detalhes
do
painel
dramático.
Conversa
fiada,
of
course!
Baboseira!
Melhor
dar
o
fora
antes
que
a
cidade
vire
um
caos!
Sem
uma
gota
de
água
para
beber!
Sem
água
para
tomar
um
banho
decente!
E
agora?
Onde
estavam
os
inteligentes
que
lavavam
a
calçada
com
a
mangueira
esguichando?
Onde
os
gênios
que
davam
descargas
com
água
limpa?
Onde
os
sábios
que
davam
banho
no
cachorro
justamente
com
a
água
de
beber?
“Mas
quem
paga
a
conta
sou
eu!”
grunhia
o
cidadão,
a
despejar
água
na
calçada,
a
dar
banho
no
cãozinho,
a
dar
descarga
a
cada
mijada!
E
agora?
Nem
uma
gota
na
cidade
toda...
Vamos
beber
a
água
dos
bueiros,
das
privadas,
dos
córregos...
Quem
mandou
poluir
tudo?
Emporcalhar
tudo?
Otoni
decidiu
não
ficar
na
cidade
para
ver
como
as
pessoas
se
comportariam
meio
às
depredações,
meio
à
violência,
meio
ao
caos.
Como
viveriam
agora
sem
o
precioso
líquido?
Como
lavar
o
rosto
logo
de
manhã
ao
se
levantar?
Como
se
refrescar
com
um
banho
caprichado?
Como
aguar
as
rosas
do
jardim?
Em
breve
um
copo
d'água
estaria
valendo
mais
que
ouro,
mais
que
petróleo!
As
pessoas
começariam
a
se
matar
por
um
copo
de
água
para
beber!
Pai
contra
filho!
Vizinho
contra
vizinho!
Bandidos
controlariam
uma
máfia
de
contrabando
de
… água!
Seria
um
novo
tipo
de
crime
organizado!
Não,
ele
não
esperaria.
Não
queria
ser
trucidado
por
uma
gangue
de
caçadores
da
água
perdida,
nem
obrigado
a
matar
seus
semelhantes
para
matar
a
própria
sede!
Virou
as
costas
para
a
cidade
e
seguiu
a
estrada
de
asfalto
para
o
campo,
onde
poderia
beber
água
fresca
junto
a
uma
cisterna
ao
lado
de
um
modesto
casebre
de
adobe,
graças
a
generosidade
de
um
camponês.
Assim
Otoni
seguiu
sem
olhar
para
trás,
para
a
cidade
que
morria
de
sede,
que
ressecava-se
desde
as
entranhas,
incapaz
de
valorizar
a
água
limpa
e
fresca
antes
de
perdê-la
irremediavelmente,
lá
no
mundo
de
asfalto
e
concreto,
agora
cativo
de
uma
sede
monumental
num
crepúsculo
de
barbárie.
1ª
versão:
out/11
jun/12
Leonardo
de
Magalhaens