Sobre
a obra PRIMEIRAPESSOAPLURAL
(Árvore dos Poemas, Contagem, 2008)
(Árvore dos Poemas, Contagem, 2008)
do
Poeta (e contista) Lecy Pereira Sousa
Poemaremos
sem fim por falta de opção
Sabemos
que o mito da 'oportunidade iguais para todos' se revela um mito tão
fabulístico quanto a 'liberdade de mercado'. Percebemos que 'o
mercado sem Estado' é mera 'ideologia neoliberal', e que se a 'vida
é uma corrida', alguns saem 50 metros a frente de outros tantos.
Sendo
assim qualquer pregação de coerência revela-se ideológica e
metafísica - não há redenção no 'deserto do real'. Só há uma
existência do 'sou o que tenho' e uma pseudo-existência virtual -
'sou o que a mídia diz'.
Sem
opção, sem oportunidades, resta a ironia, o poemaremos por
teimosia, por cinismo, por insubordinação e 'desobediência civil'.
Assim, o Poeta Lecy Pereira Sousa não busca um 'sistema poético',
não vem pregar mais nada, apenas distribuir fragmentos em rascunhos
em guardanapos, num 'mix' de influências, num mosaico de
colagens, juntando logomarcas e citações, numa série de imagens
cubistas, quadrilhas futuristas e 'haicais' irônicos.
A
poesia de PRIMEIRAPESSOAPLURAL é demasiadamente pessoal sendo
obscenamente coletiva, numa bacanal de linguagens, numa orgia de
corpos-objetos, sem deixar de denunciar e de verter amargura.
Afinal,
o poeta sofre com a falta de opção. "Diluir a melancolia /
Na rústica face do dia / Somos seres fragmentados / Numa solidão
coletiva" e também "Não fazemos poesia / A poesia
é quem nos faz / Meio tortos, meio retos / Meio iniciantes, enfim"
O
Mundo é construído de fragmentos, "construir um fabulário
/ De pedaços / De nossas vidas", de pedaços desconexos,
sem sentido, para os quais buscamos um sentido numa ordem coerente,
Querer
que tudo faça sentido
É
de uma chatice sem fim
Experimente
poemas menos quadrados
Beba
um pouco de tinta nanquim
Para
cuspir flores no deserto da realidade
O
mundo está aí para ser sentido. Como dizia Alberto Caeiro, como
dizia Clarice Lispector. "Para sentir o mundo / Há que
assuntar as coisas / Com precisão dos olhos de lince / E
procurar ao redor do mundo / Sentido que está atrás do
Sentido" , numa espécie de 'prólogo' para o Manifesto da
p. 31,
Sem
artificialismos, assim,
respiramos
no casulo da vida.
Vibramos
por poéticas
universais
feitas nos quintais
de
nossas casas imaginárias.
Por
linguagens que só
os
corações sabem entender.
Desse
'sentimento do mundo' nasce a rebeldia poética. Quando o Poeta enfim
desabafa, como vemos em "Discurso transitório" , "Senhoras
e senhores / Tenhamos a hombridade / De viver dentro da verdade.
[...] Porque essa é a nossa luta: / um rasgo de dignidade / Na
face da canalhice. [...]"
Dialogando
e discursando em hibridismos e metáforas, a poesia é a forma-mor de
comunicação não alma a alma, mas paixão a paixão. Afinal, uma
poesia que não emociona, não merece atenção. Quando aqui o poeta
Lecy expõe-se desnudo de boas-maneiras politicamente corretas quando
não só pretende chocar, mas tornar o leitor um cúmplice, ele torna
a sua voz-pessoal em discurso-coletivo, daí nascer o 'nós', a
primeira pessoa do plural.
Lecy
não diz 'eu vou poemar sem fim', mas "poemaremos sem fim",
pois a sua voz é coletiva - e coletiviza - assim sub-entendida, pois
"poemaremos", etc, mas está atento ao que se espera dele,
enquanto Poeta, no sentido de 'voz coletiva'. Um João Batista às
margens do Jordão. Porém, uma diferença, que Profeta, que Messias,
Lecy estará aqui pré-anunciando?
Poemaremos
por falta de opção
Rijos
tensos intumescidos
Retesadamente
lascivos
Ao
cair da noite & ao levantar do sol
Duros
de coração
Monossilábicos
átonos atônitos
E
continua assim por mais 6 páginas, num fôlego caótico e cubista,
sem pausas, sem meias-palavras, sem considerações com terceiros,
sem loas aos ídolos, sem piedade para com as autoridades , ao estilo
de um Beat sem eira nem beira, sozinho no meio da multidão
em andanças nas ruelas de Paris, no meio das multidões dos
boulevards, e morrendo de tédio!, despejando um desespero
lírico e convulsivo de sílabas de rimas esdrúxulas de
palavras-valises de neologismos de citações e barbarismos, e
rótulos de mercadorias e ícones do consumismo.
Mas
por que todo este mal-estar na modernidade? Ora, vamos ler Freud, ler
Sartre! Por enquanto sem explicar, mas se deixando levar! Somente por
indignação e insatisfação! Desobedientes, insubmissos,
subversivos, em pleno "ano que ainda não terminou"
(1968??), como esbraveja o poema "Diversos demais" :
Insatisfeitos
com a norma
Insatisfeitos
com a forma
Arredios
à métrica
Desafeitos
ao decassílabo
Nós
somos uns subversivos
Que
a aura beatnik subversiva - e multipluricolorida - do Poeta
Lecy Pereira Sousa continue a nos emocionar, ousando cores no mundo
cinzento, além de flores versoviçosas no asfalto cotidiano.
2008/2011
Por
Leonardo
de Magalhaens
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