quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

05 anos de PRIMEIRAPESSOAPLURAL !







Sobre a obra PRIMEIRAPESSOAPLURAL
(Árvore dos Poemas, Contagem, 2008)
do Poeta (e contista) Lecy Pereira Sousa

Poemaremos sem fim por falta de opção

   Sabemos que o mito da 'oportunidade iguais para todos' se revela um mito tão fabulístico quanto a 'liberdade de mercado'. Percebemos que 'o mercado sem Estado' é mera 'ideologia neoliberal', e que se a 'vida é uma corrida', alguns saem 50 metros a frente de outros tantos.

   Sendo assim qualquer pregação de coerência revela-se ideológica e metafísica - não há redenção no 'deserto do real'. Só há uma existência do 'sou o que tenho' e uma pseudo-existência virtual - 'sou o que a mídia diz'.

   Sem opção, sem oportunidades, resta a ironia, o poemaremos por teimosia, por cinismo, por insubordinação e 'desobediência civil'. Assim, o Poeta Lecy Pereira Sousa não busca um 'sistema poético', não vem pregar mais nada, apenas distribuir fragmentos em rascunhos em guardanapos, num 'mix' de influências, num mosaico de colagens, juntando logomarcas e citações, numa série de imagens cubistas, quadrilhas futuristas e 'haicais' irônicos.

   A poesia de PRIMEIRAPESSOAPLURAL é demasiadamente pessoal sendo obscenamente coletiva, numa bacanal de linguagens, numa orgia de corpos-objetos, sem deixar de denunciar e de verter amargura.

   Afinal, o poeta sofre com a falta de opção. "Diluir a melancolia / Na rústica face do dia / Somos seres fragmentados / Numa solidão coletiva" e também "Não fazemos poesia / A poesia é quem nos faz / Meio tortos, meio retos / Meio iniciantes, enfim"

    O Mundo é construído de fragmentos, "construir um fabulário / De pedaços / De nossas vidas", de pedaços desconexos, sem sentido, para os quais buscamos um sentido numa ordem coerente,

Querer que tudo faça sentido
É de uma chatice sem fim
Experimente poemas menos quadrados
Beba um pouco de tinta nanquim
Para cuspir flores no deserto da realidade

    O mundo está aí para ser sentido. Como dizia Alberto Caeiro, como dizia Clarice Lispector. "Para sentir o mundo / Há que assuntar as coisas / Com precisão dos olhos de lince / E procurar ao redor do mundo / Sentido que está atrás do Sentido" , numa espécie de 'prólogo' para o Manifesto da p. 31,

Sem artificialismos, assim,
respiramos no casulo da vida.
Vibramos por poéticas
universais feitas nos quintais
de nossas casas imaginárias.
Por linguagens que só
os corações sabem entender.

   Desse 'sentimento do mundo' nasce a rebeldia poética. Quando o Poeta enfim desabafa, como vemos em "Discurso transitório" , "Senhoras e senhores / Tenhamos a hombridade / De viver dentro da verdade. [...] Porque essa é a nossa luta: / um rasgo de dignidade / Na face da canalhice. [...]"

   Dialogando e discursando em hibridismos e metáforas, a poesia é a forma-mor de comunicação não alma a alma, mas paixão a paixão. Afinal, uma poesia que não emociona, não merece atenção. Quando aqui o poeta Lecy expõe-se desnudo de boas-maneiras politicamente corretas quando não só pretende chocar, mas tornar o leitor um cúmplice, ele torna a sua voz-pessoal em discurso-coletivo, daí nascer o 'nós', a primeira pessoa do plural.

   Lecy não diz 'eu vou poemar sem fim', mas "poemaremos sem fim", pois a sua voz é coletiva - e coletiviza - assim sub-entendida, pois "poemaremos", etc, mas está atento ao que se espera dele, enquanto Poeta, no sentido de 'voz coletiva'. Um João Batista às margens do Jordão. Porém, uma diferença, que Profeta, que Messias, Lecy estará aqui pré-anunciando?


Poemaremos por falta de opção
Rijos tensos intumescidos
Retesadamente lascivos
Ao cair da noite & ao levantar do sol
Duros de coração
Monossilábicos átonos atônitos


   E continua assim por mais 6 páginas, num fôlego caótico e cubista, sem pausas, sem meias-palavras, sem considerações com terceiros, sem loas aos ídolos, sem piedade para com as autoridades , ao estilo de um Beat sem eira nem beira, sozinho no meio da multidão em andanças nas ruelas de Paris, no meio das multidões dos boulevards, e morrendo de tédio!, despejando um desespero lírico e convulsivo de sílabas de rimas esdrúxulas de palavras-valises de neologismos de citações e barbarismos, e rótulos de mercadorias e ícones do consumismo.

   Mas por que todo este mal-estar na modernidade? Ora, vamos ler Freud, ler Sartre! Por enquanto sem explicar, mas se deixando levar! Somente por indignação e insatisfação! Desobedientes, insubmissos, subversivos, em pleno "ano que ainda não terminou" (1968??), como esbraveja o poema "Diversos demais" :

Insatisfeitos com a norma
Insatisfeitos com a forma
Arredios à métrica
Desafeitos ao decassílabo
Nós somos uns subversivos

   Que a aura beatnik subversiva - e multipluricolorida - do Poeta Lecy Pereira Sousa continue a nos emocionar, ousando cores no mundo cinzento, além de flores versoviçosas no asfalto cotidiano.
 

2008/2011

Por
Leonardo de Magalhaens




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