quinta-feira, 26 de junho de 2014

waterfall - poema LdeM













waterfall

 

um choro de bebê numa queda cascata
agarrado em cipós teias
balançando no abismo
sem redes de segurança
em malabarismos mortal de mergulho
numa goela de espuma
num transe de sonho
quase desperto na migração incerta
para um fundo de memória num niágara de desafio
lá no fundo ileso para um tropeção em casca de banana
fatal e sem heroísmo
de façanha ou expedição de tirar o fôlego
só a morte indigna e gratuita do dia a dia
a não conceder prêmios nem medalhas
aos sobreviventes das hecatombes da banalidade trágica
de rio acima muito acima
enchente ou deslizar de terra ou desabar de teto
ou maremoto tsunami ou tremer de crosta terrestre
no que sobrou da segurança de um dia após o outro
antes que um avião lhe caia em cima
do chapéu boné mitra solidéu
de cobertura mínima
nem rede de contenção
pra pão & circo tão obsceno
de morrer diante das câmeras com sorrisos
para a audiência antes do comercial de xampu
ou da propaganda do excelentíssimo candidato
que não podem perder os altos e baixos
do índice ibope atentos às vicissitudes da vox populi
que é a voz de deus todo-midiático em horário nobre
a anunciar a boa lucrativa nova da salvação high tech
na voz retumbante
do pastor-pop do momento tirando demônio
e desafiando o Inferno e prometendo o Céu
em suaves prestações de dez porcento do salário
enquanto qualquer raio chuva bala perdida invasão ato terrorista
podem fazer vazar olhos a qualquer frágil momento
antes do fim da ave-maria ou padre-nosso
antes do soar das trombetas do sempre constante apocalipse
mais fatal para uns e mais rentável para outros
e mais imagético para pintores protos suicidas
pálidas em selfies
sempre à beira de abismos de vida ou morte
em quartos penumbrosos ou ateliês aranhentos
ou dormitórios sorumbáticos ou sótãos esverdeados
ou porões bolorentos ou galpões ferruginosos
ou delírios suarentos ou manicômios tragicômicos
onde o traço na tela é contorno do corpo caído
em risonho linóleo de rascunhos para um dia sair vivo
mas é inútil
uma vez que ninguém sai vivo daqui
seja sanatório ou dormitório ou poço de breu
de não se saber
onde se pisa ou quem se é
em beira de cascata de lágrimas ou cuspidelas
em choro dramático de bebê ansioso
sem parar quieto sempre em busca de algo
que não se sabe sempre em busca
em busca
ainda que em queda de desequilíbrio
sem pompa ou circunstância
sempre se esforçando para ir mais baixo
mais baixo
na espuma do nunca alcançado.


20jun14


Leonardo de Magalhaens






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